Livro-texto de introdução à lógica, com (mais do que) pitadas de filosofia da lógica, produzido como uma versão revista e ampliada do livro Forallx: Calgary. Trata-se da versão de 13 de outubro de 2022. Comentários, críticas, correções e sugestões são muito bem-vindos.
Realizar uma discussão teórica decorrente da perspectiva ninfomanía em um cenário da pandemia do covid-19, possibilitando o resumo de informações como facilitador do tratamento de pacientes. Trata-se de uma revisão narrativa de aspecto critico discursivo, onde a construção da pesquisa e a formulação foram baseadas em publicações relevantes sobre o tema proposto, conceituando a doença e os fatores que influenciam seu diagnóstico e tratamento. Questionável nos aspectos sociais, religiosos e na perda do controle sexual ao deparar mos em situação de (...) isolamento social, necessitando de tratamento adequado. O aumento da exposição na mídia de pessoas que sofrem de distúrbios ninfomaníacos pode ser negativo, seja refletido no sentimento de preconceitos e incertezas perante a expansão de uma pandemia, onde consultas medicas e informações fornecidas por profissionais habilitados são todas por video chamadas, seguindo o protocolo do distanciamento, resultando na exposição de informações. Ressaltam se que são poucas as publicações sobre o assunto, principalmente em novas perspectivas diante da pandemia do covid-19 dificultando a compreensão. -/- REFERÊNCIAS 1. BARBOSA JPS. A produção de significados em pôsteres de filmes quer: diálogos entre a Análise Crítica do Discurso, os Estudos da Tradução e a Identidade de Gênero. Revista do Centro de Estudos da Linguagem da Universidade Federal de Rondônia,2018; 5(1):197-217. 2. CANTO JAM, PAULA PLD. Ninfomaníaca: Um filme sob a lente da psicanálise. Revista Brasileira de Ciências da Vida, 2017; 6(1): 2525-359X. 3. CZAPLA P. Sexualidade e governo: a produção do perverso pelos discursos médicos. Aedos, Porto Alegre, v. 12, n. 26, ago. 2020. 4. FERREIRA IT, et al. Avaliação da qualidade da consulta de enfermagem em infecções sexualmente transmissíveis. Enfermagem Foco, 2018; 9(3): 42-47. 5. FERREIRA MJP, et al. Preconceito no futebol feminino no Brasil. Revista Diálogos em SaúdeISSN: 2596-206X. 6. GIGLIOTTI A, GUIMARÃES A. Dependência, compulsão e impulsividade. Rio de Janeiro: Rubio, 2007;65-67p. 7. PEREIRA GSM, et al. HIV/aids, hepatites virais e outras IST no Brasil: tendências epidemiológicas. REV BRAS EPIDEMIOL 2019; 22(SUPPL 1): E190001. supl.1. 8. ROQUE MV. Ninfa distante: as estrelas intermitentes de Manuel Bandeira. AfluAfluente, UFMA/CCEL, v.5, n.15, p. 96-121, jan./jun. 2020 ISSN 2525-3441. 9. SANTOS MIDA, PINHEIRO CVQ. Representações da loucura feminina no cinema – Augustine e nimphomaniac. Revista Humanidades, 2016; 31(2): 395-414. 10. SANTOS MACM, SALLES VLR. O fenômeno da histeria e a visão da sexualidade feminina na literatura: realismo/naturalismo europeu. Revista Interdisciplinar em Cultura e Sociedade, São Luís, 2016; 2(1):109-126. 11. SILVA EIC. Relação e efeitos bioquímico-nutricionais sobre o cio ou estro permanente em vacas. Revista AGROPE IFPEBJ – Vol. 1 n° 1. pp. 27-34. 12. SILVA CRO. A escola como lugar de prevenção: educação para a saúde para a paz. Revista Educação, 2018; 13(1):151-161. 13. SILVA VL, et al. Análise da motivação de pessoas: um estudo baseado em princípios da Hierarquia de Necessidades de Maslow. Revista Foco, 2017;10(2):148-166. 14. SOARES FR, et al. Satiríase: o gozo incontrolável e seus desprazeres psíquicos. Faculdade Estácio de Sá de Goiás, 2018; 1(1): 62-66. (shrink)
REPRODUÇÃO ANIMAL: O CICLO ESTRAL DE BOVINOS LEITEIROS – Desenvolvimento Folicular, Corpo Lúteo e Etapas do Estro ANIMAL REPRODUCTION: THE OESTROUS CYCLE OF DAIRY BOVINES -Follicular Development, Corpus Luteum and Stages of Estrus Apoio: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva Departamento de Zootecnia da UFRPE E-mail: [email protected] WhatsApp: (82)98143-8399 FISIOLOGIA CLÍNICA DO CICLO ESTRAL DE BOVINOS LEITEIROS 1. RESUMO A fêmea bovina apresenta ciclos estrais em intervalos de 19 a 23 dias e estes só são interrompidos durante a gestação ou (...) devido a alguma patologia. O estro é o período de aceitação da cópula e tem uma duração de 8 a 18 horas. Durante o metaestro ocorre a ovulação e se desenvolve o corpo lúteo. O diestro é o estágio mais longo do ciclo e é caracterizado pela presença de um corpo lúteo. Se a gestação não for estabelecida, o endométrio segrega prostaglandina F2α(PGF2α) o que induz a luteólise, reiniciando assim um novo ciclo. 2. EIXO HIPOTÁLAMO-HIPÓFISE-OVÁRIO As hormonas são substâncias produzidas por diferentes células do organismo que exercem funções específicas em outras células (células brancas). Algumas hormonas atuam na mesma célula que a secreta (atividade autocrina), outras nas células vizinhas (atividade parácrina) e outras são transportadas pelo sangue e exercem a sua função em células de outros órgãos (atividade endócrina). Existem outros tipos de hormônios que comunicam a diferentes indivíduos e são conhecidos como feromônios. Os feromônios regulam diferentes funções, entre as quais se destacam as reprodutivas. O hipotálamo encontra-se na base do cérebro, é formado por núcleos pares de neurônios e comunica-se com a hipófise através de um sistema circulatório especializado conhecido como sistema porta-hipotálamo-hipofisário. Os neurônios da área ventromedial e da área pré-óptica do hipotálamo secretam a hormona libertadora das gonadotropinas (GnRH), que por sua vez chega à hipófise através do sistema porta-hipotálamo-hipofisário e estimula a secreção da hormona luteinizante (LH) e da hormona folículo estimulante (FSH). A LH mantém um padrão de secreção paralelo à secreção da GnRH; ou seja, uma parcela de GnRH corresponde a uma parcela de LH, ao contrário da FSH que tem uma produção basal elevada inibida pelo estradiol e inibina, por este motivo, a sua secreção não apresenta um padrão pulsante semelhante à LH. A GnRH tem duas formas de secreção: a primeira é pulsante ou tônica, regulada por estímulos externos (fotoperíodo, bioestimulação, amamentação) e por estímulos internos (metabolitos, hormonas metabólicas, hormonas sexuais); a segunda forma é pré-ovulatória ou cíclica e é estimulada pelos estrogênios durante o estro e inibida pela progesterona. A secreção de alguns hormônios, bem como diversos processos fisiológicos, são sincronizados com a duração do dia e da noite (ritmos endógenos). A luz é percebida pelos fotorreceptores da retina e o sinal luminoso chega à glândula pineal através de conexões neuronais (trato retino-hipotalâmico). Na glândula pineal, o estímulo produzido pela luz inibe a síntese da melatonina. Desta forma, a duração do dia e da noite (fotoperíodo) é registada pelas variações nas concentrações da melatonina. Na vaca, sabe-se que o fotoperíodo influencia alguns processos reprodutivos, embora não seja, em sentido estrito, uma espécie com um padrão reprodutivo sazonal. Os feromônios sexuais são excretados através da urina, fezes e fluidos corporais; eles são percebidos pelo epitélio olfatório e órgão vomeronasal. Posteriormente, algumas vias nervosas, estimulam no hipotálamo a frequência dos pulsos de secreção da GnRH. A exposição a feromonas femininas provoca no macho um aumento na frequência de secreção do LH e isto por sua vez aumenta as concentrações de testosterona. Os feromônios masculinos induzem na fêmea um aumento da frequência de secreção do LH, estimulando o crescimento folicular e a secreção de estradiol. A estimulação sexual provocada pelo macho ou pela fêmea é denominada bioestimulação. As alterações na condição corporal estão positivamente correlacionadas com as concentrações séricas de insulina, fator de crescimento semelhante à insulina tipo I (IGF- I) e leptina. Assim, quanto maior a classificação da condição corporal, maior é a concentração sérica destas hormonas, que atuam como sinais que chegam ao hipotálamo e modificam a frequência de secreção da GnRH. Por exemplo, a transição do anestro para a ciclicidade coincide com um aumento da condição corporal e das concentrações de insulina, IGF- I e leptina (figura 1). Figura 1. A transição do anestro para a ciclicidade coincide com um aumento da condição corporal e das concentrações de insulina, IGF- I e leptina. Estas hormonas atuam como sinais que chegam ao hipotálamo e aumentam a frequência de secreção da GnRH. Fonte: GALINA, et al. 2008. Os estrogênios podem ter um feedback positivo ou negativo sobre a secreção da GnRH, o que depende da fase do ciclo reprodutivo. Em animais pré-púberes e em anestro pós-parto, os estrogênios inibem a secreção de GnRH, mas durante o período de proestro e estro há uma estimulação para a secreção de GnRH. A progesterona reduz a secreção da GnRH, bem como a resposta da hipófise à GnRH, inibindo assim a maturação folicular e a ovulação. Por esta razão, a progesterona foi utilizada com sucesso como contraceptivo em humanos e para o controle artificial da reprodução em animais domésticos (figura 2). Figura 2. Retroalimentação entre o hipotálamo, hipófise e o ovário. A GnRH estimula na hipófise a síntese e secreção de LH e FSH. Na fase pré-púbere e no anestro pós-parto, os estrogênios inibem a secreção de GnRH, enquanto no proestro e estro, estimulam-na. A progesterona inibe a secreção da GnRH e diminui a resposta da hipófise à GnRH. Os estrogênios e a inibina suprimem a secreção de FSH diretamente na hipófise. Fonte: GALINA, et al. 2008. Os neurônios secretores da GnRH não têm receptores para estrogênios nem progesterona, pelo que estas hormonas não têm forma de regular diretamente a secreção da GnRH. Existe um grupo de neurônios hipotalâmicos que exprimem o gene Kiss-1 que codifica o peptídeo kisspeptina. Os neurônios secretores da GnRH têm receptores para este peptídeo, de modo que a kisspeptina fornece a informação aos neurônios secretores da GnRH em relação às concentrações de hormônios sexuais. A kisspeptina é um potente estimulador (secretagogo) da secreção da GnRH e é muito provável que nos próximos anos venha a fazer parte dos recursos hormonais para o controle artificial da reprodução, não só nos bovinos, mas em todas as espécies domésticas. 3. DESENVOLVIMENTO FOLICULAR O ovário é responsável pela produção de ovócitos e pela síntese de hormônios sexuais, estrogênios e progesterona, que promovem e regulam a fertilização do ovócito e a manutenção da gestação. O ovócito encontra-se no interior do folículo ovárico rodeado por células granulosas que participam de forma ativa no seu crescimento e maturação. As experiências in vitro demonstram a dependência dos ovócitos das células da granulosa, assim, quando os ovócitos são induzidos a amadurecer devem estar rodeados por várias camadas de células da granulosa para que este processo seja bem sucedido, caso contrário, não adquirem o potencial para desenvolver um embrião. Embora as células da teca interna não estejam em contato direto com o ovócito, seu papel na maturação deste o exercem mediante a produção de andrógenos, mesmos que são convertidos em estrogênios pelas células da granulosa. Além disso, as células da teca favorecem o estabelecimento da rede capilar que apoia o desenvolvimento folicular. Por outro lado, os novos conhecimentos indicam que o ovócito não é um elemento passivo no desenvolvimento folicular, mas regula a função das células foliculares; o que significa que ele próprio participa na criação de um microambiente ideal para a sua maturação. Além disso, é possível que o ovócito tenha um papel na ativação do desenvolvimento dos folículos primordiais. A fêmea bovina nasce com aproximadamente 200 mil folículos, dos quais muito poucos se ativam e iniciam seu crescimento, e a maior parte deles sofre atresia em diferentes etapas de desenvolvimento. Ao nascimento, os folículos estão na fase mais elementar e são conhecidos como folículos primordiais. Posteriormente estes folículos se ativam e se transformam em folículos primários e secundários; até este momento os folículos não têm antro (etapa pré-antral) e seu desenvolvimento é independente das gonadotropinas. Quando os folículos formam o antro são conhecidos como folículos terciários e seu desenvolvimento é dependente das gonadotropinas (etapa antral). O crescimento folicular no estágio antral ocorre em forma de ondas e cada onda começa com um aumento nos níveis de FSH, o qual promove o crescimento de um grupo de cinco a seis folículos (~4 mm de diâmetro); este processo é conhecido como recrutamento. Subsequentemente, um único folículo continua a crescer (folículo dominante), o que provoca um aumento das concentrações de estrogênios e inibina, uma diminuição das concentrações de FSH e atresia dos folículos subordinados, pois eles dependem totalmente desta hormona, enquanto o folículo dominante continua o seu desenvolvimento estimulado pela LH. O folículo dominante perdura de quatro a seis dias e se não chega a ovular, sofre atresia. Após a atresia do folículo dominante, diminuem-se os níveis de estrogênio e inibina, observa-se um aumento das concentrações de FSH e inicia-se uma nova onda folicular. O folículo dominante que está presente quando o corpo lúteo sofre regressão, continua seu desenvolvimento e ovula, em resposta ao pico pré-ovulatório de LH. Além de promover a liberação do ovócito, a secreção pré-ovulatória de LH regula a formação do corpo lúteo a partir das células foliculares, processo conhecido como luteinização. Durante o ciclo estral são apresentadas de duas a três ondas foliculares. As vacas com três ondas foliculares têm uma fase lútea mais longa e, consequentemente, um ciclo estral mais longo, de 22 a 23 dias; enquanto as vacas com duas ondas apresentam um ciclo estral de 18 a 21 dias. Nas vacas leiteiras, cerca de 70% apresentam duas ondas foliculares, enquanto 30% exibem três ondas (figura 3 e 4). Nas vacas com duas ondas foliculares, o período de dominação folicular é maior do que nas de três ondas. O tempo de dominação influencia o potencial dos ovócitos para desenvolver um embrião viável; assim, a porcentagem de concepção é menor quando ovulam folículos que tiveram mais dias de dominação dos que quando ovulam folículos com menor tempo de dominação (figura 5). Figura 5. O crescimento folicular no estágio antral ocorre na forma de ondas. Cada onda começa com um aumento nas concentrações de FSH, o que promove o recrutamento de cinco a seis folículos (~4 mm de diâmetro). Posteriormente um único folículo continua crescendo (folículo dominante), enquanto seus companheiros (subordinados) sofrem atresia. O folículo dominante perdura de quatro a seis dias e se não chega a ovular, sofre atresia. Após a atresia do folículo dominante observa-se um aumento das concentrações de FSH, iniciando-se uma nova onda folicular. 3.1 Ovulação múltipla Nos últimos anos tem-se observado um aumento na proporção de vacas com ovulação múltipla (20% x 1% em novilhas), o que tem provocado um aumento da proporção de partos gêmeos (8% x 1% em novilhas). A frequência de vacas com ovulação múltipla está associada com a alta produção de leite; de modo que, as vacas que produzem menos de 40 kg mostram 6% de ovulações múltiplas e aquelas que produzem mais de 50 kg alcançam até 50%. A causa deste fenômeno ainda é obscura, contudo, observaram-se diferenças nas concentrações de FSH, de tal forma que as vacas que desenvolvem de dois a três folículos dominantes numa onda folicular, apresentam níveis de FSH mais elevados que as vacas que têm apenas um folículo dominante. Em vacas em lactação, a concentração de progesterona é baixa devido ao aumento do metabolismo hepático, o que aumenta a sua taxa de eliminação. Foi observado que as vacas que tiveram uma fase lútea com níveis de progesterona mais elevados, no ciclo anterior à inseminação, apresentam menos ovulações múltiplas em comparação com as vacas que tiveram níveis de progesterona mais baixos. Propõe-se que as baixas concentrações de progesterona permitam um aumento da frequência de secreção da GnRH e, consequentemente, da LH e da FSH, favorecendo a predominância múltipla e, eventualmente, a ovulação de mais de um folículo. Nos rebanhos leiteiros, as gestações gêmeas não são desejáveis porque aumenta o risco de perda da gestação e, se esta chegar ao término, haverá o risco de perda da gestação e, se esta for concluída, o risco de distorcia é consideravelmente mais elevado (figuras 6, 7, 8 e 9). Figura 6. As baixas concentrações de progesterona sérica nas vacas em lactação permitem um aumento da frequência de secreção da GnRH, bem como o aumento da LH e da FSH. Isto favorece a dominação múltipla e eventualmente a ovulação de mais de um folículo. Esta figura mostra a dominância de dois folículos em cada onda folicular (codominância). Figura 7. Ovários de uma vaca leiteira em diestro com três folículos dominantes. Figura 8. Ovários de uma vaca leiteira com três corpos lúteos. Figura 9. Ovários de uma vaca leiteira com dois corpos hemorrágicos. Fonte: Acervo pessoal do autor. IFPE, 2017-18. 4. DESENVOLVIMENTO E CONTROLE DA FUNÇÃO DO CORPO LÚTEO Quando o folículo dominante completa sua maturação, ele produz níveis de estrogênio suficientes para provocar a liberação máxima da GnRH, o que desencadeia o pico pré-ovulatório da LH. Esta secreção de LH provoca a ovulação e inicia as mudanças para que o folículo se transforme em um corpo lúteo, processo conhecido como luteinização. A luteinização compreende todas as mudanças morfológicas, endócrinas e enzimáticas que ocorrem no folículo ovulatório até que este se transforme num corpo lúteo. O processo de luteinização começa a partir da elevação pré-ovulatória de LH; mesmo antes da ovulação. A luteinização do folículo dominante (≥8 mm de diâmetro) pode ser induzida hormonalmente pela injeção de GnRH ou gonadotropina coriónica humana (hCG). A ovulação ocorre em média 30 horas após o pico pré-ovulatório de LH. A secreção pré-ovulatória de LH desencadeia a liberação de enzimas proteolíticas e de mediadores da inflamação na parede folicular, as quais degradam o tecido conjuntivo e ocasionam morte celular. Posteriormente, a PGF2α induz contrações da teca externa, levando à ruptura folicular e à expulsão do ovócito. Após a ovulação, as células da teca interna e da granulosa migram e distribuem-se nas paredes do folículo. As células da teca interna se diferenciam e se multiplicam em células lúteas pequenas, enquanto que as células da granulosa se hipertrofiam e dão origem às células lúteas grandes. Estas alterações são facilitadas pela ruptura da membrana basal que separa a camada celular da granulosa da teca interna. Em forma paralela começa a formação de uma ampla rede de capilares que se distribuem em todo o corpo lúteo em formação, e chegam a constituir até 20% do volume desta estrutura (figuras 10 e 11). A progesterona é o principal produto de secreção do corpo lúteo. No quinto dia do ciclo estral, as concentrações séricas desta hormona são superiores a 1 ng/ ml, indicando que o corpo lúteo adquiriu a sua plena funcionalidade. A progesterona atua basicamente sobre os órgãos genitais da fêmea, sendo responsável pela preparação do útero para o estabelecimento e manutenção da gestação. Na mucosa do oviduto e do útero, estimula a secreção de substâncias que promovem o desenvolvimento do embrião, até que este comece a nutrir-se através da placenta. A progesterona suprime a resposta imunitária do útero, o que é necessário para tolerar o embrião, já que este é um tecido estranho para a vaca. Além disso, a progesterona evita as contrações do útero, fecha o colo do útero e modifica as características do muco cervical, tornando-o mais viscoso, impedindo a passagem de agentes estranhos para o interior do útero. Na glândula mamária estimula o desenvolvimento do sistema alveolar, preparando-a para a síntese e a secreção de leite. 5. REGRESSÃO DO CORPO LÚTEO A regressão lútea é um processo ativo ocasionado pela secreção uterina da PGF2α. O mecanismo pelo qual se inicia a síntese e secreção da PGF2α depende de uma interação entre o corpo lúteo, os folículos e o útero. Os estrogênios produzidos no folículo dominante desempenham um papel importante no início da secreção de PGF2α, uma vez que promovem a síntese de receptores para oxitocina. Além disso, os estrogénios estimulam no endométrio a produção da fosfolipase A e da ciclooxigenase; enzimas indispensáveis para a síntese da PGF2α. Durante o ciclo estral, a progesterona inibe a síntese da PGF2α através da supressão da formação de receptores para o estradiol. Após um período de 12 a 14 dias de exposição à progesterona, as células endometriais tornam-se insensíveis à progesterona. Quando isso ocorre, as células endometriais sintetizam receptores para estradiol, permitindo que o estradiol produzido no folículo dominante estimule a síntese de receptores para oxitocina. Neste momento, o endométrio está pronto para sintetizar e secretar PGF2α, em resposta ao estímulo da oxitocina. A primeira secreção de oxitocina é de origem hipotalâmica, o que desencadeia o primeiro pulso de PGF2α. Os seguintes episódios de PGF2α são induzidos pela oxitocina produzida no corpo lúteo. A PGF2α é secretada em episódios (pulsos) com intervalos de seis a oito horas, sendo necessários cinco a seis episódios para a luteólise ocorrer. Se a PGF2α não seguir este padrão de secreção, a regressão do corpo lúteo falhará. Além da PGF2α de origem uterina, o corpo lúteo também produz PGF2α, que aumenta o efeito luteolítico. A falta de sensibilidade à PGF2α observada nos corpos lúteos imaturos (primeiros cinco dias após a ovulação) deve-se ao fato de, neste período, o corpo lúteo ainda não produzir PGF2α (figura 12, 13 e 14). 6. ETAPAS DO CICLO ESTRAL O ciclo estral é dividido em quatro etapas bem definidas. 6.1 Estro Neste estágio a fêmea aceita a cópula ou a monta de outra vaca. O estro é provocado pelo aumento significativo das concentrações de estradiol produzido pelo folículo pré-ovulatório e pela ausência de um corpo lúteo. A duração desta etapa é de 8 a 18 horas. 6.2 Metaestro O metaestro é a etapa posterior ao estro, tem uma duração de quatro a cinco dias. Durante esta etapa ocorre a ovulação e se desenvolve o corpo de lúteo. Após a ovulação, observa-se uma depressão no lugar ocupado pelo folículo ovulatório (depressão ovulatória) e, posteriormente, se desenvolve o corpo hemorrágico (corpo lúteo em processo de formação). Durante o metaestro, as concentrações de progesterona começam a aumentar até atingirem níveis superiores a 1 ng/ml, momento a partir da qual considera-se que o corpo lúteo atingiu a maturidade. O momento em que as concentrações de progesterona são superiores a 1 ng/ml toma-se como critério fisiológico a determinação do fim do metaestro e o início do diestro. Um evento hormonal que se destaca neste período consiste na apresentação do pico pós-ovulatório de FSH, o qual desencadeia a primeira onda de desenvolvimento folicular. Algumas vacas apresentam sangramento conhecido como sangramento metaestral (figura 15). 6.3 Diestro O diestro é o estágio de maior duração do ciclo estral, de 12 a 14 dias. Durante este estágio o corpo lúteo mantém sua plena funcionalidade, o que se reflete em concentrações sanguíneas de progesterona, maiores que 1 ng/ml. Além disso, nesta fase, pode-se encontrar folículos de tamanho diferente devido às ondas foliculares. Após 12-14 dias de exposição à progesterona, o endométrio começa a secretar PGF2α em um padrão pulsátil, ao qual termina com a vida do corpo lúteo e com o diestro. Em termos endócrinos, quando o corpo lúteo perde a sua funcionalidade, ou seja, quando as concentrações de progesterona diminuem abaixo de 1 ng/ml, finaliza-se o diestro e começa o proestro. Convém mencionar que durante esta fase, a LH é secretada com uma frequência muito baixa e a FSH tem incrementos responsáveis pelas ondas foliculares. 6.4 Proestro O proestro caracteriza-se pela ausência de um corpo lúteo funcional e pelo desenvolvimento e maturação do folículo ovulatório. O proestro na vaca dura de dois a três dias. Um evento hormonal característico desta etapa é o aumento da frequência dos pulsos de secreção de LH que levam à maturação final do folículo ovulatório e ao aumento do estradiol sérico, que desencadeia o estro. Para além da classificação do ciclo estral acima descrita, existe outra que divide o ciclo em duas fases: progestacional (lútea) e estrogênica (folicular). A fase progestacional inclui o metaestro e o diestro, e a fase estrogênica ao proestro e estro (figura 16). Figura 16. Etapas do ciclo estral. Adaptado e elaborado a partir de FERREIRA, 2010. 7. CONCLUSÕES PRÉVIAS O ciclo estral dura de 19 a 23 dias. A vaca é receptiva durante 8 a 18 horas (estro). Ao nascimento uma bezerra tem cerca de 200 mil folículos primordiais. Durante o ciclo estral se apresentam de duas a três ondas foliculares. De cinco a seis folículos são recrutados em cada onda folicular. Cerca de 70% das vacas têm duas ondas foliculares e 30% apresentam três ondas. Entre 10 e 20% das vacas têm ovulações múltiplas (dois a três folículos) e 8% têm partos gêmeos. A ovulação ocorre 30 horas após o pico pré-ovulatório de LH. A secreção pré-ovulatória de LH é de 15 a 30 ng/ml. 12 a 14 dias são necessários para que o endométrio se torne insensível à progesterona e comece a secretar PGF2α. - São necessários cinco a seis pulsos de PGF2α com um intervalo de oito horas para ocasionar a luteólise. O corpo lúteo não é sensível à PGF2α nos primeiros cinco dias do ciclo estral. Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – Departamento de Zootecnia da UFRPE Recife, 2020. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALVES, Nadja Gomes; PEREIRA, Marcos Neves; COELHO, Rodrigo Michelini. Nutrição e reprodução em vacas leiteiras. Revista Brasileira de Reprodução Animal, p. l1248-l1248, 2009. ARBOLEDA, José Leonardo Ruiz; URIBE-VELÁSQUEZ, Luis Fernando; OSORIO, José Henry. Factor de crecimiento semejante a insulina tipo 1 (IGF-1) en la reproducción de la hembra bovina. Vet. zootec, v. 5, n. 2, p. 68-81, 2011. BARUSELLI, Pietro Sampaio; GIMENES, Lindsay Unno; SALES, José Nélio de Sousa. Fisiologia reprodutiva de fêmeas taurinas e zebuínas. 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RELAÇÃO E EFEITOS BIOQUÍMICO-NUTRICIONAIS SOBRE A METRITE EM VACAS -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva Departamento de Agropecuária – IFPE Campus Belo Jardim [email protected] ou [email protected] WhatsApp: (82)98143-8399 -/- •__3. METRITE -/- O transtorno caracterizado pela inflamação do útero, devido a causas sépticas ou assépticas que atuam sobre ele, denomina-se genericamente como metrite. As metrites são afecções de grande importância, tanto pela frequência como pela gravidade. As metrites podem ser divididas segundo seu caráter anatômico, como mucosa (catarral), purulenta, hemorrágica, (...) crupal, pútrida e flegmonosa e segundo seu curso, em agudas e crônicas (FRAZER, 2005; GORDON, 1996). Estão associadas às doenças do puerpério. Quando a inflamação é limitada à mucosa é chamada de endometrite; e se ademais interessa a camada muscular denomina-se metrite ou miometrite; se afeta o revestimento peritoneal, perimetrite ou metroperitonite; e se a inflamação se estende ao paramétrio, ou seja, ao tecido conjuntivo pélvico e ligamentos, chama-se parametrite (FÖLDI, et al. 2006). A metrite ocorre em consequência de diversos acidentes que resultam de partos distócicos, após retenção fetal ou secundinas seguidas de putrefação, por arrancamento brutal dos cotilédones; por injeções uterinas irritantes; após o prolapso uterino; tudo o que favorece o desenvolvimento microbiano. Em fêmeas que se inseminam artificialmente sob condições sépticas ou de pobre destreza se produz endometrite seguida com infecundidade passageira, isto se produz como consequência das erosões produzidas pela pistola de inseminação, desassossego geral no procedimento ou por levar o sêmen a maior temperatura que a devida e em lugar inadequado. Algumas situações de origem nutricional se associam em maior ou menor grau com a incidência de metrite, em especial processos de retenção de placenta ou involução uterina de origem nutricional podem levar, de forma indireta, a incidência de metrite. 3.1 Relação energia e proteína Uma das situações de origem nutricional associada à metrite é o excesso de proteína crua na dieta. As vacas necessitam de um adequado fornecimento de proteína. No afã de suprir as necessidades nutricionais e evitar as limitações de aminoácidos, cai-se no erro de fornecer excessos de proteína, trazendo como consequência uma diminuição da eficiência reprodutiva, devido à relação dos altos níveis de proteína na dieta com a falha reprodutiva específica. Um excesso de proteína resulta num aumento da produção de amoníaco e, como consequência, numa maior síntese de ureia pelo fígado (BACH, 2000). Consequentemente, existe um aumento do nível de ureia no sangue, no útero e no muco vaginal. A nível uterino, a ureia parece ter um efeito sobre a função hormonal e depressora da proteção imunitária. O mecanismo específico baseia-se na toxicidade direta da ureia, na perda do balanço energético e na concentração de diaminas de ácido carbônico que favorecem a ampla difusão da ureia em todo o endométrio. O fornecimento de fontes alternativas de nitrogênio na alimentação dos animais vêm ganhando espaço no debate entre os especialista e a ureia é uma dessas fontes. Ela é conhecida como uma fonte de nitrogênio não-proteico (NNP), porém não se destaca tanto pelos inúmeros fatores negativos como a baixa aceitabilidade dos animais ou aos índices de intoxicação pela mesma. O rúmen necessita de um teor de 1% de nitrogênio para manter os mecanismos fisiológicos e a população microbiana, sendo assim, o produtor deve estar atento ao fornecimento desse mineral para seus animais. Especialistas apontam a fórmula de 30 g de ureia por dia para animais de 100 kg, e que essa quantidade nunca pode exceder os 200 g por animal por dia. Esses dados só podem ser postos em prática se as forrageiras existentes na propriedade não conseguirem suprir a exigência de 1% de nitrogênio no animal. Uma fonte vegetal de ótima qualidade e abundante em meios nutricionais e fonte extra de renda é a cana-de-açúcar. Ao nível hormonal a presença de ureia impede a manutenção do gradiente de pH (induzido pela progesterona) que existe entre as células apicais e basais da parede uterina (MARÍN & CÁRDENAS, 1999). Assim, a progesterona não consegue manter o gradiente de pH e aumenta a secreção de PGF2α, que afeta negativamente tanto a sobrevivência como o desenvolvimento embrionário. A nível imunológico, ocorre um efeito negativo devido à elevada concentração de amônio e ureia no sangue, o que diminui a atividade dos linfócitos e impede a defesa celular contra os agentes nocivos provocadores da metrite infecciosa, favorecendo o desenvolvimento microbiano. Para determinar a quantidade e a qualidade da nutrição proteica do animal são utilizados indicadores como a concentração de ureia no sangue e no leite. As proteínas, em geral, possuem inúmeras funções, dentre elas componentes estruturais, funções enzimáticas, funções hormonais, recepção de estímulos hormonais e armazenamento de informações genéticas. Na nutrição animal, as proteínas são divididas entre bruta (PB) e metabolizável (PM), ainda outras, mas o enfoque são essas. Os animais necessitam de níveis distintos de proteínas em suas respectivas fases de vida. Para elucidar melhor, tomemos como exemplo uma vaca nelore de 420 kg no final da gestação necessita, em média, de 389 g/dia de proteína metabolizável e, em média de 581 g/dia de proteína bruta. Os alimentos de origem vegetal (forrageiras) fornecem muito bem e eficazmente teores aceitáveis de proteínas, porém como o elemento mais presente é a fibra, faz-se necessário a suplementação nos animais, e um meio de suprir as necessidades dos mesmo, é optando por farelos de soja que possuem mais de 60% de proteína em sua composição, ou outras fontes alternativas como as farinhas de origem animal como a de sangue, por exemplo. A deficiência de fibra crua desencadeia principalmente uma deficiência de energia no ruminante; pois a partir da fibra formam-se os ácidos graxos voláteis (AGV) que constituem até 60% das fontes energéticas para estes animais. Devido à síntese reduzida de AGV, é muito baixa a concentração destes, são absorvidos pela corrente sanguínea e o animal entra em estado de déficit de precursores glicogênios. Como o consumo de alimento no pós-parto está reduzido, e não há a suficiente disposição de energia (deficiência de AGV principalmente ácido acético, devido a deficiência em fibra crua), o organismo realiza uma mobilização de ácidos graxos para a compensação energética. Os ácidos graxos são levados até acetil-CoA, este é convertido pelo fígado em corpos cetônicos que são utilizados em baixa concentração por alguns tecidos periféricos (cérebro) como fonte de energia, pois os excessos de corpos cetônicos produzem toxicidade. Os excessos de acetil-CoA no fígado podem sofrer condensação e converterem-se em β-hidroxi-β-metil-glutaril-CoA que serve como fonte de mevalonato (precursor do colesterol formado em excesso). Os excessos provocam fígado graxo que gera danos hepáticos, isso deprime a síntese de ácidos graxos para a formação do colesterol que se encontra diretamente implicado na síntese de estrogênios. Após o parto uma deficiência de estrogênio provoca de forma subsequente atonia uterina, retenção de placenta, endometrite puerperal e finalmente metrite. 3.2 Vitaminas Outra causa nutricional que incide na manifestação de metrite, é a vitamina A, que faz parte do grupo de vitaminas lipossolúveis e tem relevância especial na função reprodutiva. Esta exerce sua ação sobre a integridade estrutural e funcional das células epiteliais do organismo animal, atua sobre o crescimento, a reprodução e o desenvolvimento embrionário; mas seu papel principal é atuar como protetora dos epitélios, incluindo o endométrio. Além disso, tem um efeito estabilizador sobre várias membranas celulares e atua regulando a permeabilidade da membrana. A vitamina A, atua como estimuladora dos epitélios da mucosa tubária, uterina e vaginal, aumentando sua resistência contra os agentes infecciosos que produzem problemas que finalizam em metrite, também é necessária para as alterações histológicas que ocorrem na mucosa durante as diferentes fases do ciclo estral. Uma deficiência de vitamina A, pode causar morte embrionária, aborto, bezerros fracos ao nascimento e de forma subsequente uma retenção de placenta, (BACH, 2000) devido a não regulação da filtração de líquidos e gases através das membranas fetais; também dificulta a fecundação, devido à geração de uma atresia ovariana e à degeneração do epitélio germinal. Além disso, são produzidos edemas que ocasionam bezerros mortos ou prematuros (natimortos), o que provoca uma posterior retenção de placenta. Estas retenções provocam metaplasia queratinizam-te, dos epitélios da mucosa uterina-vaginal, o que provoca o aparecimento de metrite. Também, uma deficiência de outras vitaminas provocam o aparecimento de pequenas hemorragias, inchaço vulvar e degeneração epitelial das mucosas, em geral, isto provoca uma endometrite que posteriormente torna-se em metrite devido ao que se afeta a submucosa e a camada muscular do útero. Em relação ao pós-parto precoce, a capacidade de consumo de alimentos (forragem) é limitada, o que conduz, principalmente, a uma deficiência de fibras cruas na ruminação do animal, que conduzirá, em algumas circunstâncias, à predisposição para o desenvolvimento de metrite. Atentos a essas intempéries, o produtor deve estar atento aos requerimento exigidos pelos animais de vitaminas para que possam manter seu funcionamento normal e longe de quaisquer problema ou agente infeccioso ou patógeno. Para tanto, os níveis de vitaminas por categoria animal, deve prezar pelas quantidades conforme demonstrado nas tabelas abaixo: Tabela 1: Exigências de vitaminas por categoria animal em bovinos de corte -/- Categoria Vitamina A (UI/dia) Vitamina E (mg/dia) Vitamina D (UI/dia) Niacina (g/dia) Vacas lactantes 80.000 – 120.000 100 – 1.000 15.000 – 50.000 1 - 2 Vacas secas 75.000 – 125.000 500 – 900 10.000 – 20.000 0 – 1 Fonte: BERCHIELLI et al., 2006. Tabela 2: Exigências de vitaminas em vacas gestantes de corte -/- Vitamina UI/kg de MS A 2.800 D 275 Fonte: BERCHIELLI et al., 2006. Para que se consiga suprir todas essas quantidades requeridas dos animais, em especial, das vacas gestantes para que não venha a ocorrer a incidência de metrite ou outro transtorno reprodutivo, o criador poderá optar pela injeção direta de complexos vitamínicos e minerais mediante os inúmeros fármacos da indústria farmacêutica animal, ou poderá suprir essas necessidades fisiológicas mediante o fornecimento de rações com teores adequados de vitaminas, ou ainda por intermédio de alimentos volumosos que além das vitaminas necessárias fornecem também as fibras. As forrageiras, leguminosas e gramíneas fornecem minerais, fibras e vitaminas; dentre elas as espécies tifton (capim) apresenta cerca de 34,8% de vitamina A, o capim-tanzânia apresenta 24% e a alfafa 23,4%. Por fim, métodos para fornecimento de fibras, vitaminas e/ou minerais não faltam. Apoio -/- Realização •_ _referências bibliográficas -/- BACH, Alex; ESPAÑA, Purina. La reproducción del vacuno lechero: Nutrición y fisiología. XVII Curso de Especialización FEDNA. Purina, España, 2002. BERCHIELLI, Telma Teresinha; PIRES, Alexandre Vaz; OLIVEIRA, SG de. Nutrição de ruminantes. Jaboticabal: funep, 2006. BOLAND, M. P. Efectos nutricionales en la reproducción del ganado. XXXI Jornadas Uruguayas de Buiatría, 2003. DA SILVA, Emanuel Isaque Cordeiro. Reprodução Animal: Fisiologia do Parto e da Lactação Animal. Disponível em:-. Acesso em: Março de 2020. DE LUCA, Leonardo J. Nutrición y fertilidad en el ganado lechero. XXXVI Jornadas Uruguayas de Buiatría, 2008. FÖLDI, J. et al. Bacterial complications of postpartum uterine involution in cattle. Animal reproduction science, v. 96, n. 3-4, p. 265-281, 2006. FRAZER, Grant S. Bovine theriogenology. Veterinary Clinics: Food Animal Practice, v. 21, n. 2, p. xiii-xiv, 2005. GORDON, Ian. Controlled reproduction in farm animals series. Nova Iorque: CAB International, 1996. MARÍN, Andrés Luis Martínez; CÁRDENAS, Juan F. Sánchez. Alimentación y reproducción en vacas lecheras. MG Mundo ganadero, n. 111, p. 48-54, 1999. RÚGELES, Clara. Interrelaciones entre nutrición y fertilidad en bovinos. Revista MVZ Córdoba, p. 24-30, 2001. -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva Belo Jardim, 29 de março de 2020 . (shrink)
PRINCÍPIOS DA DIGESTÃO DOS ALIMENTOS NOS BEZERROS -/- -/- E. I. C. da Silva -/- Departamento de Agropecuária – IFPE Campus Belo Jardim -/- Departamento de Zootecnia – UFRPE sede -/- -/- PRINCÍPIOS DA DIGESTÃO DOS ALIMENTOS NOS BEZERROS -/- -/- INTRODUÇÃO -/- Se todos os bezerros pudessem ser criados por suas mães, haveria pouca necessidade de inúmeros livros, artigos e trabalhos, como esse, sobre a criação e o manejo básico desses animais. A maioria das vacas desempenha um ótimo (...) papel na criação dos seus descendentes, desde que sejam tomados os devidos cuidados com relação a alimentação, saúde e a outros aspectos relativos à criação desses neonatos. A essência da pecuária bovina relativa à criação de bezerros é manter esses animais vivos e aptos o suficiente para desempenhar atividades produtivas de grande importância na propriedade. Para tanto, os criadores necessitam entender o desenvolvimento do trato digestivo do bezerro e os conceitos básicos da digestão dos alimentos por ele, e é isso que pretendo aclarar de forma clara e concisa com esse trabalho. -/- -/- 1.1 O TRATO DIGESTIVO DO BEZERRO -/- Um animal adulto necessita de quatro estômagos funcionais para dar-lhe a capacidade de utilizar a ampla gama de alimentos disponíveis. -/- O retículo e o rúmen abrigam milhões de micróbios que fermentam e digerem o material vegetal, em especial às presentes nas forragens. O omaso permite a absorção de água do conteúdo do intestino. O abomaso, ou quarto estômago, é o verdadeiro estômago, comparável ao dos humanos, e permite a digestão ácida dos alimentos. -/- O bezerro muito jovem não desenvolve a capacidade de digerir o pasto, sendo assim o abomaso é o único estômago funcional ao nascer. Tanto os animais recém-nascidos como os adultos têm um intestino delgado funcional que permite a digestão alcalina dos alimentos. -/- A figura 1 ilustra a anatomia dos estômagos e intestino delgado de um bezerro recém-nascido. Esse diagrama esquemático mostra as dimensões relativas dos quatro estômagos, o sulco esofágico, que vai do esôfago até o abomaso, e o esfíncter pilórico ou válvula no fundo do abomaso, que controla a velocidade de movimento do conteúdo do intestino no duodeno. -/- O omaso e o abomaso representam cerca de 70% da capacidade total do estômago no bezerro recém-nascido. Por outro lado, nas vacas adultas, eles compõem apenas 30% da capacidade total do estômago (figura 2). -/- A digestão dos alimentos é auxiliada pela secreção de certos produtos químicos denominados enzimas, que estão presentes nas várias partes do intestino. Por exemplo, os bezerros produzem a enzima renina na parede do abomasal para auxiliar na digestão das proteínas do leite, enquanto a lactase é produzida na parede do duodeno para a digestão do açúcar do leite (lactose). Estas enzimas operam mais eficazmente em diferentes níveis de acidez no conteúdo do intestino, ácido no abomaso e alcalino no duodeno. Para conseguir isso, o bezerro segrega eletrólitos, ou sais minerais, com as enzimas, para mudar o conteúdo do intestino de um tipo para outro. -/- Os produtos finais da digestão dos diferentes componentes dos alimentos são absorvidos através da parede do intestino, mediante as vilosidades intestinais, para a corrente sanguínea, onde são levados para as diferentes partes do corpo para o crescimento e desenvolvimento do animal. -/- -/- 1.2 O BEZERRO ALIMENTADO COM LEITE -/- O Leite ou substituto do leite, quer seja apreendido através de uma teta ou bebido de um balde, é canalizado do esôfago através do sulco esofágico para o abomaso. Este sulco é um pequeno canal na parede do rúmen que é controlado por músculos que permitem que os líquidos sejam diretamente enviados para o abomaso e que não entrem no rúmen. O sulco é ativado em resposta a diferentes estímulos. Funciona bem quando os bezerros amamentam-se através das tetas das mães, mas às vezes não funciona quando bebem de um balde. Essa parece ser uma condição psicológica em resposta aos bezerros separados de suas mães. A maioria dos bezerros podem ser treinados pelo tratador para beber o leite do balde rapidamente e bem, a metodologia empregada é a da persuasão do animal, ao qual o mesmo possa responder positivamente à nova rotina diária e à mãe substituta na forma do criador do bezerro. Quando o leite ou o substituto do leite entra no abomaso, forma um coágulo firme dentro de alguns minutos sob a influência das enzimas renina e pepsina. Este é o mesmo processo envolvido na fabricação de queijo ou junket, usando renina para coagular a proteína do leite. A coagulação do leite retarda a taxa em que flui para fora do abomaso, permitindo assim uma liberação constante de nutrientes alimentares em todo o intestino e, eventualmente, para a corrente sanguínea. Pode levar de 12 a 18 horas para que a coalhada de leite seja totalmente digerida. -/- As enzimas que atuam nas proteínas do leite requerem um ambiente ácido e esse é fornecido pela secreção do ácido clorídrico no abomaso. No entanto, até que a digestão ácida esteja operando de forma eficiente, e isso pode levar até sete dias, a única forma de proteína que pode ser digerida é a caseína. Não há substituto para a caseína no bezerro muito jovem. Os substitutos do leite que contêm outras formas de proteína não podem ser devidamente digeridos até que os bezerros sejam mais velhos. Logo, é necessário muito cuidado para não fornecer substitutos ou sucedâneos que contenham fontes proteicas que não possam ser digeridas pelo estômago do animal, para que não ocasione complicações gastrintestinais. -/- A digestão do leite pode ser melhorada com a inclusão de coalho, que pode ser obtido a partir de fábricas de queijo ou aditivos comerciais de leite de bezerro para a primeira semana ou mais. Esses produtos comerciais podem fornecer ácidos adicionais para reduzir o pH abomasal e incrementar a quantidade de enzimas e bactérias específicas para aumentar a taxa de degradação da coalhada de leite. Tais aditivos são chamados probióticos, na medida em que ajudam nos processos digestivos normais. A pesquisa nem sempre os encontrou para melhorar o desempenho e a saúde dos bezerros, e eles são mais propensos a ser benéficos quando os bezerros estão sofrendo de problemas de saúde. Além disso, a sua eficácia, em termos de custo-benefício é, por vezes, questionada. -/- Qualquer leite de uma alimentação anterior está envolvido neste coágulo recém-formado. As proteínas líquidas de soro de leite e a lactose são rapidamente separadas da coalhada de leite e passam para o abomaso. A gordura do leite contida na coalhada de leite é decomposta por outra enzima, a lipase. Esta é secretado na boca pela saliva e incorporada quando o leite é engolido. A alimentação pelas tetas em vez da alimentação através do balde parece produzir mais saliva e, portanto, mais lipase. A digestão adicional da proteína do leite e da gordura ocorre no duodeno com a ajuda das enzimas produzidas no pâncreas. -/- A lactose, que é rapidamente liberada da coalhada de leite no abomaso, é dividida em glicose e galactose e estas são absorvidas na corrente sanguínea para formar a principal fonte de energia para os bezerros jovens. -/- As gorduras são divididas em ácidos graxos e glicerol para absorção e uso como energia, enquanto as proteínas são divididas em aminoácidos e peptídeos para absorção e uso como fontes de proteína corporal. -/- O amido de cereais, por exemplo, é uma importante fonte de energia em bezerros mais velhos, mas esses animais, nas suas primeiras semanas de vida, não conseguem digerir o amido. -/- O abomaso não é ácido até que o bezerro tenha 1-2 dias de idade e isso apresenta vantagens e desvantagens. A principal vantagem é que as proteínas imunes no colostro não podem ser digeridas nesse compartimento estomacal, por isso são absorvidas na corrente sanguínea na mesma forma quando produzidas pela vaca. Isso garante o seu papel como anticorpos para proteger contra as doenças e infecções. A baixa acidez do conteúdo abomasal no bezerro recém-nascido constitui um risco potencial das bactérias (e provavelmente vírus) tomadas através da boca. Estes não serão mortos pela digestão ácida, sendo assim podem passar para os intestinos, onde podem fazer mal ao bezerro recém-nascido. -/- Todos os bezerros pegam bactérias nos primeiros dias de vida e isso é essencial para o desenvolvimento normal do rúmen (flora microbiana). No entanto, a primeira bactéria a colonizar o intestino também pode causar danos. Desde que o bezerro tenha bebido colostro, os anticorpos maternos podem controlar a propagação dessas bactérias mais nocivas. -/- O bezerro alimentado com leite deve, então, produzir uma digestão ácida no abomaso e uma digestão alcalina no duodeno. Isto é conseguido pela produção de eletrólitos na parede do intestino. -/- Bezerros que sofrem de escoriações devido a distúrbios nutricionais ou infecções bacterianas podem perder grandes quantidades de água e eletrólitos em suas fezes. Estes devem ser reabastecidos como parte do tratamento para as escoriações. -/- O colostro é o primeiro leite produzido por vacas recém-paridas. Além de fornecer nutrientes essenciais para a alimentação animal, fornece anticorpos maternos que permitem a transferência passiva de imunidade contra doenças. As recomendações para a alimentação com colostro serão abordadas brevemente em outro trabalho. -/- -/- 1.3 DESENVOLVIMENTO DO RÚMEN E O PROCESSO DE DESMAME -/- Quando os bezerros são desmamados, o custo da criação diminui acentuadamente. Os custos de alimentação são mais baixos, os insumos de trabalho são reduzidos e a incidência de problemas de saúde é menor. No sentido econômico, faz sentido desmamar os bezerros assim que for razoável. No entanto, o bezerro é forçado a sofrer várias mudanças dramáticas, a saber: -/- A fonte primária de nutrientes muda de líquido para sólido. -/- A quantidade de matéria seca que o bezerro recebe é reduzida. -/- O bezerro deve adaptar-se de um tipo monogástrico a um ruminante de digestão, que inclui a fermentação de alimentos. -/- Mudanças na habitação e no manejo muitas vezes ocorrem em torno do desmame, o que pode aumentar o estresse. -/- Ao nascer, o rúmen é uma parte pequena e estéril do intestino que, ao desmame deve se tornar o compartimento mais importante dos quatro estômagos. Deve aumentar em tamanho, atividade metabólica interna e fluxo sanguíneo externo. Os cinco requisitos para o desenvolvimento ruminal são: -/- Estabelecimento de bactérias. -/- Líquido. -/- Saída de material (ação muscular). -/- Capacidade absortiva do tecido. -/- Substrato para permitir o crescimento bacteriano, tais como minerais reciclados, bem como nutrientes para alimentação. -/- Antes do consumo de alimentos sólidos, as bactérias existentes fermentam o cabelo ingerido, o estrato e o leite que flui do abomaso para o rúmen. A maior parte da água que entra no rúmen provém da água livre (água real não contida no leite ou na solução substituta do leite). O leite contornará o rúmen através do sulco esofágico, enquanto a água livre não. -/- O rúmen se desenvolve a partir de um órgão muito pequeno em bezerros recém-nascidos (1-2 L) para a parte mais importante do intestino (25-30 L) por 3 meses de idade. Ele pode aumentar muito rapidamente durante as primeiras semanas de vida, dado o manejo da alimentação direita. -/- O crescimento do rúmen ocorre apenas sob a influência dos produtos finais da digestão no mesmo, que resultam da fermentação de alimentos sólidos pelos micróbios presentes nesse compartimento. O desenvolvimento ocorre em grande parte através do crescimento das papilas ruminais (figura 5 e 6) na parede ruminal (estruturas semelhantes a folhas na superfície interna), que aumentam a área superficial do rúmen e, portanto, a sua capacidade de absorver estes produtos finais de digestão. Portanto, os concentrados favorecem melhor o desenvolvimento dessas papilas ruminais. Para tanto, é necessário, com um tempo, ir incrementando a dieta sólida gradativamente para que esses animais deixem de consumir o leite das vacas produtoras e possam alimentar-se de ração e pastagens, que é a finalidade da criação de bovinos, ou seja, criar animais com menor custo possível e engordá-los através de ração, mas principalmente de pastagens. -/- A capacidade do rúmen e a ingestão de alimentos sólidos estão intimamente relacionadas. O desenvolvimento do rúmen é muito lento em bezerros alimentados com grandes quantidades de leite. O leite satisfaz seus apetites para que eles não tenham fome suficiente para comer qualquer alimento sólido. Logo, é necessário diminuir paulatinamente o fornecedor do leite para esses animais, favorecendo a ingestão de alimentos sólidos e desenvolvendo o rúmen, estômago que digere as fibras das forragens e que os tona animais peculiares. -/- A ruminação pode ocorrer com cerca de 2 semanas de idade e é uma boa indicação de que o rúmen está se desenvolvendo. Alimentos sólidos, bem como a ruminação, estimulam a produção de saliva e isso fornece nutrientes como ureia e bicarbonato de sódio para produzir os substratos para o crescimento e desenvolvimento da flora bacteriana. -/- No desmame precoce, é importante limitar a quantidade de leite oferecida e a sua disponibilidade durante todo o dia. Também é essencial fornecer alimentos sólidos. Os grosseiros (de baixa ou alta qualidade) devem ser oferecidos em combinação com concentrados de alta qualidade. -/- O criador deve tomar cuidado com o fornecimento de alimentos como a ração farelada, uma vez que essa ração pode entrar pelas vias nasais e ocasionar complicações respiratórias; há alguns relatos de bezerros mortos após a ingestão de ração farelada, na autópsia de um dos casos foi diagnosticada uma morte por esses grãos farelados presentes no pulmão. Portanto, para evitar complicações o ideal é que se forneça uma ração denominada peletizada. -/- Os alimentos grosseiros (volumosos) estimulam o desenvolvimento do rúmen, enquanto os concentrados fornecem nutrientes para a alimentação animal que não são fornecidos pelas quantidades limitadas de leite oferecidas. Sem os concentrados, o crescimento dos bezerros é lento, mas o rúmen ainda se desenvolve, resultando em animais barrigudos. -/- A ureia fornece nitrogênio para os micróbios, enquanto o bicarbonato de sódio atua como um tampão ruminal, ajudando a manter um pH estável no conteúdo do rúmen. Isso é, particularmente, importante quando os bezerros comem grandes quantidades de grãos de cereais na vida adulta, pois os micróbios do rúmen podem produzir muito ácido lático durante a fermentação desse material. -/- Envenenamento por grãos ou acidose ocorre quando os níveis de ácido lático são excessivamente elevados e tornam-se tóxicos para os micróbios do rúmen e, eventualmente, para o animal. Assim como os produtos finais que são absorvidos através da parede do rúmen, a fermentação microbiana produz os gases dióxido de carbono e metano e estes são normalmente exalados. Quando algo impede a fuga destes gases do rúmen, o inchaço pode se manifestar em qualquer fase da vida, diz-se do animal estufado. -/- -/- 1.4 O PAPEL DA FORRAGEM NO PROCESSO DE DESMAME -/- Existem inúmeras controvérsias acerca do papel da forragem no processo de desmame. Pesquisas realizadas na década de 1980 indicaram claramente que a forragem era benéfica, enquanto pesquisas da década de 1990 descobriram que nem sempre era necessário o fornecimento da forragem para que os bezerros fossem desmamados e que não sofresse estresse e nem apresentasse baixa eficiência produtiva e reprodutiva no futuro. Na maioria das pesquisas anteriores, os bezerros eram desmamados com a oferta de concentrados moídos como pellets com ou sem a presença de feno longo ou palha. Porém, a inclusão de forragens na dieta melhorou a ingestão e o desempenho, além de permitir o desmame precoce. -/- Na pesquisa posterior, os bezerros geralmente alimentavam-se de concentrados grosseiramente moídos, além de alguns volumosos, enquanto alguns até incluíam volumosos picados finos na mistura (às vezes chamados de mistura muesli por apresentar o capim e a ração). Nesses estudos, verificou-se que a inclusão de feno ou palha adicional teve pouco efeito no desempenho pré-desmame. -/- Os sistemas de criação de bezerros australianos frequentemente diferem dos demais, especialmente em áreas de parto sazonais. Um número excessivo elevado de bezerros precisam ser criados de uma só vez para lhes fornecer, a todos, currais individuais durante todo o seu período de amamentação. Consequentemente, os bezerros são criados em grupos. Além disso, os ingredientes da maioria dos concentrados para esses animais são finamente moídos. Nessas situações, descobriu-se que a palha limpa é um alimento útil e que deve ser incluso no período pré-desmame. Alguns agricultores preferem feno de boa qualidade, porém estes agricultores geralmente têm bezerros em grupos muito pequenos, muitas vezes um ou dois, por isso possuem maior controle sobre a ingestão de forragem. -/- Figura 7: A alimentação volumosa de bezerros alimentados com leite é uma questão controversa. Imagem cedida pelo IPA -/- É difícil e, portanto, mais caro que os produtores de rações incorporem feno picado nas refeições dos bezerros. Os pellets são muito mais fáceis, pois eles vão fluir para silos. Por fim, os produtores de leite devem incluir o componente volumoso no regime alimentar pré-desmame. A pastagem não é a fonte ideal de forragem volumosa para os bezerros alimentados com leite, uma vez que possui muito pouca fibra e uma baixa densidade de energia alimentar. O seu elevado teor de água limita a sua capacidade de fornecer energia alimentar adequada aos animais em crescimento. Para ingerir a pastagem a capacidade ruminal deveria ser maior, bezerros jovens simplesmente não conseguem comer pasto suficiente, a menos que seja de alta em qualidade. -/- Os bezerros criados com leite e fornecimento gradual de concentrados apresentam uma boa função ruminal às 3 semanas de vida, além de possuírem uma suficiente capacidade ruminal para o desmame entre às 4-6 semanas de idade. No entanto, se a dieta for baseada em leite restrito e pastagem de alta qualidade, a capacidade do rúmen pode não ser suficiente para o desmame até às 8-10 semanas de vida. Mesmo assim, as taxas de crescimento seriam menores em bezerros desmamados com base alimentar somente à pasto, uma vez que a ingestão de energia é insuficiente devido às limitações físicas da capacidade ruminal. -/- Se a qualidade for muito boa e produza apetite, os bezerros preferem volumosos ao invés do concentrado, o que leva a uma ingestão reduzida de nutrientes durante alimentação, tendo como efeito um crescimento mais lento. Quando volumosos e concentrados fornecem apetite no animal, juntamente com o leite limitado, os bezerros podem comer cerca de 10% de palha e 90% de concentrados. Sem o volumoso e a ruminação resultante, o desenvolvimento do rúmen será mais lento devido à falta de saliva e produtos finais da digestão de fibras presentes na parede celular das forragens. -/- -/- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -/- -/- BEN ASHER, Aharon. Manual de cría de becerras. 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REPRODUÇÃO EM NOVILHAS LEITEIRAS -/- INTRODUÇÃO -/- O principal objetivo da criação de substitutos em gado leiteiro é produzir uma novilha que tenha seu parto aos dois anos de idade (23 a 25 meses) e com um peso de 550 a 580 kg. O manejo reprodutivo das novilhas começa quando estas atingem 14 ou 15 meses de idade e um peso de 350 a 370 kg. A produção de novilhas deve ser suficiente para substituir as vacas descartadas anualmente (25 a (...) 35%), e para contribuir com o crescimento do rebanho. Espera-se que em um gado leiteiro deva haver uma população de animais de reposição, desde um dia de vida até à fase de novilha ao parto, correspondendo pelo menos a 70 % do total das vacas (figura 1). -/- Figura 1: A meta do programa de produção de substitutos ou fêmeas de reposição consiste em uma novilha que chegue ao seu primeiro parto aos 24 ou 25 meses de idade, entre um peso de 550 a 580 kg. Elaborado pelo autor. -/- A produção de novilhas depende basicamente de três fatores: da fertilidade das vacas, ou seja, do número de bezerras nascidas anualmente; da mortalidade durante a criação e desenvolvimento; e da eficiência reprodutiva das novilhas. O manejo reprodutivo moderno das novilhas é orientado para a utilização da inseminação artificial, seja em um estro natural ou sincronizado. As novilhas representam a população animal geneticamente mais avançada no rebanho, portanto, o mérito genético de suas crias obtidas por inseminação é maior do que o das crias das vacas adultas. Além disso, as crias das novilhas obtidas mediante a inseminação aceleram o avanço genético, uma vez que contribuem com uma proporção maior de substituições do rebanho em comparação com as crias das vacas de outras faixas etárias. Além disso, as novilhas são as fêmeas mais férteis do rebanho (porcentagem de concepção: 60 a 70% vs 30 a 40% em vacas), pelo que o custo do sêmen por gestação é menor em comparação com as vacas adultas, o que permite investir em melhores touros e em sêmen sexado. -/- 1. PUBERDADE -/- A puberdade é definida como a fase de desenvolvimento em que a fêmea apresenta o seu primeiro estro fértil. Regularmente as novilhas leiteiras, sob condições ótimas de manejo, chegam à puberdade entre 11 e 12 meses de idade, ou seja, antes de alavancar o peso recomendado para receber o primeiro serviço. Vale salientar que as novilhas podem ficar gestantes após a puberdade; no entanto, isto não é conveniente porque ainda não completou-se o seu desenvolvimento. Se ficarem gestantes nos primeiros ciclos estrais, as novilhas poderiam chegar ao parto com pouco desenvolvimento físico, o que provocaria distocias e baixa produção de leite (figura 2). A ativação do sistema neuroendócrino para que a bezerra atinja a puberdade é regulada principalmente pelo estado nutricional (condição corporal). A transição do anestro pré-puberal à ciclicidade puberal coincide com um aumento da condição corporal e das concentrações de insulina, IGF-I e leptina. Estes hormônios agem como sinais metabólicos no hipotálamo e hipófise que modificam a frequência de secreção das gonadotropinas, resultando na maturação folicular e ovulação. O atraso em relação à puberdade está diretamente relacionado com deficiências na alimentação; esta condição verifica-se em criações pouco tecnificadas, principalmente de pequenos e médios produtores. As novilhas que já atingiram o peso para receber o primeiro serviço e não apresentaram estro, devem ser examinadas por via retal para excluir possíveis anormalidades do desenvolvimento, tais como freemartinismo ou hipoplasia genital. -/- Figura 2: O fator mais importante que determina a puberdade é a nutrição. Bezerras bem alimentadas apresentam ciclos estrais aos 11 meses de idade e devem ser inseminadas aos 14 ou 15 meses de idade, com um peso de 350 a 370 kg. Acervo pessoal do autor. -/- 2. DETECÇÃO DE ESTRO E INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL -/- A baixa eficiência na detecção de estros é o problema que mais afeta a eficiência reprodutiva das novilhas. De acordo com a duração do estro (8 a 18 horas), a observação das novilhas em períodos de 30 minutos durante a manhã e à tarde, permite detectar em estro até 70% das fêmeas, enquanto a observação contínua (24 horas) aumenta a eficiência na detecção até 95% (figuras 3 e 4). No manejo tradicional dos rebanhos leiteiros, as novilhas recebem pouca atenção por parte dos trabalhadores, o que resulta em baixa eficiência na detecção de estros (50 a 60%). Em diferença das vacas adultas em lactação, as novilhas estão menos expostas a fatores que diminuem a expressão do estro, portanto, com uma rotina de observação, de pelo menos duas horas na manhã (6h a 8h da manhã) e duas horas pela tarde até a noite (17h da tarde a 19h da noite), pode-se detectar até 90% das fêmeas no estro (figura 5). -/- Figura 3: O fator que mais influencia a idade ao primeiro parto é a baixa eficiência na detecção de estros, pelo que é recomendável a observação de estros com pessoal qualificado, em períodos de pelo menos duas horas pela manhã e duas à tarde. Acervo pessoal do autor. -/- Figura 4: Com a observação contínua é possível alcançar de 90 a 95% de eficiência na detecção de estros. Acervo pessoal do autor. -/- Figura 5: A inseminação deve ser realizada durante o período de receptividade sexual. Com boa eficiência na detecção de estros, a inseminação pode ser praticada no programa AM-PM e PM-AM, ou em apenas um turno de inseminação pela manhã (10:00), com bons resultados. -/- 3. TAXA DE PRENHEZ -/- O melhor indicador de eficiência reprodutiva é a taxa de prenhez. Este indicador refere-se à proporção de animais gestantes do total elegível para inseminação, num período equivalente a um ciclo estral. Como já se descreveu no trabalho Fisiologia do Estro e do Serviço na Reprodução Bovina, este indicador considera a eficiência na detecção de estros e a porcentagem de concepção, e reflete com maior objetividade a eficácia do manejo reprodutivo. Este parâmetro pode ser melhorado através de um aumento da proporção de novilhas detectadas em estro, o que se obtém aumentando o tempo de observação e aplicando técnicas de sincronização do estro (figura 6). -/- 4. INSEMINAÇÃO DE NOVILHAS COM SÊMEN SEXADO -/- A utilização de sêmen sexado é uma boa opção para a produção de novilhas de reposição. Com a nova tecnologia disponível para a separação de espermatozoides com o cromossomo x, é possível alcançar até 90% de crias fêmeas; no entanto, o processo de separação de espermatozoides tem baixa eficiência, o que limita o número de espermatozoides por palheta. As palhetas de inseminação com sêmen sexado contém de dois a três milhões de espermatozoides (doses de sêmen não sexado têm de 20 a 30 milhões). De acordo com os dados de fertilidade de gados comerciais, as novilhas inseminadas com sêmen sexado mostram de 10 a 20% menor concepção que novilhas inseminadas com sêmen não sexado, o que desencoraja o seu uso. Causas de baixa fertilidade não são conhecidas, no entanto, estão associadas com a menor concentração espermática e com alguns danos nos espermatozoides provocados pelo processo de separação. No entanto, o uso de sêmen sexado é uma opção viável para aumentar a produção de novilhas no rebanho, e com o melhoramento dos processos de separação espermática em pouco tempo se converterá em uma prática de rotina nos estábulos (figura 7). -/- Figura 6: Uma técnica que aumenta a eficiência na detecção dos estros consiste em pintar a região da grupa. Quando esta pintura desaparece ou se nota que as novilhas estão "talhadas", devem ser apalpadas via retal para determinar se existem sinais genitais de estro. Acervo pessoal do autor. -/- Figura 7: As novilhas são as fêmeas mais férteis do rebanho, por isso o custo do sêmen por gestação é menor em comparação com as vacas adultas, o que permite investir em melhores touros e em sêmen sexado. Acervo pessoal do autor. 5. MONTA DIRIGIDA -/- A monta dirigida ou direta é uma opção prática e eficaz para emprenhar as novilhas. Neste sistema se introduz um touro com um grupo de novilhas, para que ele se encarregue de encontrar as fêmeas em estro e proceder a monta. Em rebanhos comerciais, o ideal é a utilização de um touro para 25 fêmeas. No entanto, com este manejo perde-se a oportunidade de utilizar a inseminação artificial e, com isso, a possibilidade de melhoria genética. -/- 6. PROGRAMAS DE SINCRONIZAÇÃO DE ESTROS -/- Os tratamentos para sincronizar o estro das novilhas possuem os mesmos fundamentos que os utilizados nas vacas. -/- 6.1 Prostaglandina F2a -/- A PGF2α é utilizada para a sincronização de estros em grupos de novilhas, e também é utilizada para a indução do estro individualmente, nas fêmeas que são examinadas por via retal e têm um corpo lúteo. A resposta dos animais tratados é variável; em novilhas pode-se alcançar até 95% de animais em estro. O tempo de manifestação do estro após a injeção é de 48 a 120 horas. -/- 6.1.1 Dupla injeção de PGF2a -/- Além da sincronização dos animais selecionados pela presença de um corpo lúteo diagnosticado por palpação retal, existem dois programas que não incluem a palpação retal. Por exemplo, na segunda-feira, ou no dia preferido, injeta-se PGF2α em todas as novilhas que se deseja inseminar. Cerca de 50% das novilhas manifestarão estro nas próximas 48 a 120 horas. As fêmeas que não mostrarem estro receberão uma segunda injeção na segunda-feira seguinte (intervalo de sete dias). As que apresentaram estro com a primeira injeção teriam um corpo lúteo nesse momento, enquanto as que não o manifestaram estavam em estro ou em metaestro; assim, ao repetir o tratamento sete dias depois, estas últimas novilhas teriam um corpo lúteo e responderiam à PGF2α (figura 8). No outro programa, é administrada duas doses de PGF2α com 11 dias de separação/intervalo. As novilhas podem ser inseminadas no estro observado, após qualquer uma das duas injeções. Este programa oferece uma boa sincroniza- ção após a segunda injeção e é o programa de escolha na sincronização das novilhas receptoras de embriões (figura 9). -/- Figura 8: Sincronização do estro com dupla injeção de PGF2a com 7 dias de diferença/intervalo. Elaborado pelo autor. -/- Figura 9: Sincronização do estro com dupla injeção de PGF2a com 11 dias de diferença/intervalo. Elaborado pelo autor. -/- 6.2 Progestágenos -/- Existe um tratamento que consiste na inserção, na parte externa da orelha, de um implante que contém norgestomet, que permanece na região auricular por nove dias. Além disso, o tratamento é complementado com a injeção intramuscular de valerato de estradiol e norgestomet, no momento da colocação do implante. O tempo de apresentação do estro a partir da remoção do implante é de 48 a 72 horas e a proporção de animais em estro muitas vezes se torna maior do que 80%. Outro tratamento é baseado na inserção intravaginal de dispositivos de liberação de progesterona. O dispositivo pode ser utilizado durante 12 dias ou o período de exposição pode ser encurtado, desde que seja acompanhado da injeção de uma dose luteolítica de PGF2α, um dia antes ou no momento da remoção do dispositivo. A fertilidade global conseguida após o serviço no estro sincronizado é similar à obtida no estro natural; porém, algumas novilhas são menos férteis, o que está associado com alterações no desenvolvimento folicular e alterações na relação temporal entre o estro e a ovulação. Observou-se que o tratamento com implantes de norgestomet combinados com a injeção de valerato de estradiol pode induzir comportamento estral em animais que não estão ciclando normalmente. Isso ocorre porque os níveis de estradiol, administrados no primeiro dia, persistem até o momento da remoção do implante. Assim, ao remover a fonte do progestágeno e ao haver concentrações altas de estradiol se desencadeia o estro, o qual em novilhas anéstricas não é acompanhado de ovulação, enquanto que em novilhas ciclando se altera a relação temporal entre o estro, pico pré-ovulatório de LH e ovulação. Bons resultados são alcançados quando o valerato de estradiol não é administrado e é substituído por uma injeção de PGF2α no momento da remoção do implante. Outro fator que tem sido associado com baixa fertilidade é o dia do ciclo em que o tratamento começa. Observou-se que quando coincide com a presença de um corpo lúteo (diestro), a porcentagem de concepção é maior do que quando não há um corpo lúteo (proestro). Isto ocorre porque a concentração sérica do progestágeno, por si só, não é capaz de suprimir a secreção pulsátil de LH, o que faz com que o folículo dominante presente no momento de iniciar o tratamento não sofra atresia e persista até o dia da retirada do progestágeno, convertendo-se no folículo ovulatório. Com isso, o folículo já envelheceu e o ovócito já sofreu alterações que reduzem o seu potencial para desenvolver um embrião viável. Quando o tratamento coincide com a presença de um corpo lúteo, a secreção de LH é efetivamente suprimida devido ao efeito aditivo da progesterona secretada pelo corpo lúteo e do progestágeno exógeno, inserido na vaca, o que provoca a reposição folicular. Em condições de campo, a seleção das vacas pela presença de um corpo lúteo antes de iniciar o tratamento com progestágenos é impraticável, uma vez que não é possível visualizá-lo, além disso essa prática/seleção não faria sentido, já que seria mais fácil tratar estes animais com dose ou doses de PGF2α. Atualmente existem tratamentos para eliminar folículos dominantes e promover uma nova onda folicular. -/- 6.3 Progestágenos orais -/- O acetato de melengestrol (MGA) é um progestágeno administrado por via oral. Em fêmeas bovinas é utilizado para melhorar a eficiência alimentar nos currais de engorda, o que se consegue através da inibição da apresentação do estro. Como todos os progestágenos, o MGA inibe a secreção de LH, eliminando assim a maturação do folículo e a ovulação. Após a remoção do MGA, o folículo dominante termina o seu desenvolvimento e as fêmeas apresentam estro em forma sincronizada. A dose de MGA por novilha é de 0,5 a 1 mg por dia, em tratamentos que variam de 9 a 14 dias. A apresentação comercial de MGA contém 0,22 mg do hormônio por 1 g do produto. O MGA pode ser facilmente misturado com qualquer concentrado ou grão moído. Após o último dia de tratamento, o estro se apresenta de dois a seis dias. O intervalo de remoção do MGA ao estro é mais longo quando comparado com outros progestágenos. Isto deve-se ao tempo de remoção do MGA, uma vez que enquanto um implante ou dispositivo intravaginal é removido abruptamente, o MGA pode continuar a ser absorvido enquanto é removido do trato gastrointestinal. Com tratamentos de 14 dias podem-se obter porcentagens de concepção menores em comparação com o estro natural, o que se deve em grande parte à ovulação de folículos persistentes. Um tratamento eficaz, que também melhora a fertilidade, consiste na administração de MGA durante 14 dias, seguido de uma injeção de PGF2α 15 ou 17 dias após a remoção do progestágeno. Com este programa, uma alta proporção de fêmeas teriam um corpo lúteo no momento da injeção da PGF2α e apresentariam estro com boa sincronização. Outro tratamento eficaz consiste na administração do MGA durante nove dias, mais uma dose de PGF2α ao nono dia; com este programa também se obtêm bons resultados em sincronização do estro e fertilidade. Este tratamento foi avaliado com novilhas holandesas e a porcentagem de fêmeas sincronizadas é elevada (95%). A porcentagem de concepção é semelhante à obtida no estro natural. Estes resultados são comparáveis aos obtidos com outros programas, como implantes de norgestomet ou dispositivos intravaginais de liberação de progesterona, mas com um custo significativamente menor (figura 10). -/- 6.4 Sincronização da ovulação e inseminação em tempo fixo -/- Em contraste com o observado em vacas em lactação, a resposta das novilhas aos programas de sincronização da ovulação e inseminação a tempo fixo é deficiente, o que se reflete em porcentagens de concepção de 20 a 35% menores que as novilhas inseminadas no estro natural. A causa desta resposta está relacionada com diferenças no desenvolvimento folicular; assim, nas novilhas o tempo de desenvolvimento do folículo dominante é mais rápido e o tempo de domínio é mais curto do que nas vacas em lactação. Desta forma, o folículo da onda folicular sincronizada com a injeção de GnRH sofre atresia antes da injeção de PGF2α, de tal forma que quando se induz a ovulação com a segunda injeção de GnRH, as novilhas têm folículos em diferentes estádios de desenvolvimento, o que provoca assincronia entre a ovulação e a inseminação artificial. -/- Figura 10: Programa de sincronização do estro com Acetato de Melengestrol (MGA). Elaborado pelo autor. -/- 7. MANEJO DO ANESTRO -/- Uma vez que as novilhas atingem a puberdade, apresentam ciclos estrais em intervalos de 21 dias que só são interrompidos pela gestação ou por alguma patologia. O anestro patológico é raro em novilhas; no entanto, surgem casos de piometra e cistos luteinizados, que são tratados com uma dose de PGF2α. Também se observam anormalidades de desenvolvimen- to, tais como freemartinismo e hipoplasia genital, patologias que não têm tratamento; somente 8% das novilhas freemartin são férteis. O anestro funcional (as novilhas manifestam estro, mas não são detectadas) é frequen- te e está diretamente relacionado com a eficiência na detecção de estros. As novilhas com idade e peso para se integrarem no programa reprodutivo e não apresentarem sinais de estro devem ser examinadas retalmente para diagnosticar a causa do anestro. Se, durante a palpação retal, as novilhas tiverem um corpo lúteo são tratadas nesse momento com PGF2α, os animais sem corpo lúteo podem receber uma injeção de PGF2α, sete dias depois. Este programa sincroniza o estro e aumenta a probabilidade de o detectar (figura 11). -/- Figura 11: As novilhas com idade e peso para se integrarem no programa reprodutivo e não mostrarem sinais de estro devem ser verificadas via retal para diagnosticar a causa do anestro. Arquivo pessoal do autor. -/- 8. MANEJO DA NOVILHA INFÉRTIL -/- A fertilidade das vacas leiteiras diminuiu nos últimos 30 anos, enquanto a fertilidade das novilhas não se alterou; após a primeira inseminação, entre 60 e 70% das novilhas emprenham. O objetivo do programa reprodutivo é conseguir que 90% das novilhas gestem nos primeiros três serviços. Desta forma, esta proporção de animais daria à luz antes dos 25 meses de idade. É comum que 10% das novilhas se transformem em animais repetidores, ou seja, novilhas com mais de três serviços inférteis. A causa da falha na concepção de novilhas deve-se principalmente à morte embrionária precoce. Uma causa importante da falha na concepção das novilhas repetidoras são as patologias adquiridas no aparelho reprodutivo; é comum encontrar aderências ovarianas e salpingite. Provavelmente, esses problemas são consequência de alguma infecção adquirida durante a criação. Diversos tratamentos hormonais têm sido testados para resolver o problema de infertilidade em novilhas repetidoras e os resultados obtidos ainda são deficientes. Como estes tratamentos não apresentam resultados consistentes, a melhor forma de mitigar o problema de infertilidade nas novilhas é melhorando as práticas de inseminação, ou seja, o momento da inseminação, o manejo do sêmen e a técnica de inseminação empregada. Além disso, a melhor técnica para aumentar a proporção de novilhas prenhes no rebanho é aumentar a eficiência da detecção de estros. -/- 9. RESUMO -/- As novilhas devem parir aos dois anos de idade (23 a 25 meses). O peso ao parto deve ser de 550 a 580 kg. O manejo reprodutivo começa aos 14 ou 15 meses de idade, com um peso de 350 a 370 kg. As palhetas de sêmen sexado contêm de 2 a 3 milhões de espermatozoides. As doses de sêmen não sexado contêm de 20 a 30 milhões de espermatozoides. A porcentagem de concepção das novilhas inseminadas com sêmen sexado é 10 a 20% menor do que com sêmen não sexado. Com sêmen sexado se obtém entre 90 e 95% de fêmeas. A porcentagem de concepção com programas de IATF é de 20 a 35% menor que nas novilhas inseminadas no estro natural. Cerca de 90% das novilhas devem ficar prenhes nos primeiros três serviços. Devem ser produzidas novilhas para substituir as vacas que são descartadas anualmen- te (25 a 35%). Espera-se que um gado leiteiro tenha ao dispor uma população de animais de reposição, desde um dia de vida até a etapa de novilha ao parto, correspondente a, pelo menos, 70 % do total das vacas. -/- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -/- AUAD, Alexander Machado et al. Manual de bovinocultura de leite. Brasília: LK Editora, 2010. BRICKELL, J. S.; MCGOWAN, M. M.; WATHES, D. C. Effect of management factors and blood metabolites during the rearing period on growth in dairy heifers on UK farms. 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-/- FILOSOFIA: CRÍTICA À METAFÍSICA -/- PHILOSOPHY: CRITICISM TO METAPHYSICS -/- Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - UFRPE Alana Thaís Mayza da Silva - CAP-UFPE RESUMO: A Metafísica (do grego: Μεταφυσική) é uma área inerente à Filosofia, dito isto, é uma esfera que compreende o mundo e os seres humanos sob uma fundamentação suprassensível da realidade, bem como goza de fundamentação ontológica e teológica para explicação dos dilemas do nosso mundo. Logo, não goza da experiência e explicação (...) científica com base na matemática, ciências, observação, análise, etc. e sim da explicação apenas teorética sem a análise empírica. Por fim, filósofos de divergentes escolas e eras da história da filosofia fundamentaram suas críticas quanto a Metafísica; e este breve trabalho tem como objetivo analisar as críticas dos filósofos e trazer uma conclusão clara e objetiva para os leitores, sejam leigos ou não. Palavras-chave: Metafísica. Crítica. Teoria. Suprassensível. Empírico. Experiência. ABSTRACT Metaphysics is an area inherent to philosophy, that is, it is a sphere that comprises the world and human beings under a supersensitive foundation of reality, as well as enjoying ontological and theological foundations for explaining the dilemmas of our world. Therefore, it does not enjoy the scientific experience and explanation based on mathematics, science, observation, analysis, etc., but only the theoretical explanation without empirical analysis. Finally, philosophers from divergent schools and eras in the history of philosophy based their criticism of Metaphysics, and this brief work aims to analyze the criticism of philosophers and bring a clear and objective conclusion to readers, whether lay or not. Keywords: Metaphysics. Criticism. Theory. Supersensitive. Empirical. Experience. INTRODUÇÃO Para uma fundamentação alicerçada na observação, análise e conclusões pragmáticas, é imprescindível aclarar o conceito de Metafísica como esfera inerente da Filosofia, bem como disciplina primordial para o currículo do Filósofo formado nas Universidades globais. Para isso, discorro acerca do conceito de Metafísica desde a alcunha aristotélica de 'Filosofia primeira', passando à análise modernista, em especial à kantiana e seu criticismo (Crítica da Metafísica é a alma desse trabalho), sob análise de autores didáticos e, por fim, sob a elucidação da esfera Metafísica mediante os dicionários de Filosofia de Japiassú e Marcondes, e de Nicola Abbagnano. No conjunto de obras aristotélicas entituladas de Metafísica, Aristóteles buscou elucidar 'o ser enquanto ser', isto é, buscar a objetividade das coisas e do mundo mediante a subjetividade e a realidade suprassensível dessas coisas. Logo, a explicação dos fenômenos que cercavam a Grécia clássica eram explicados além do alicerce das Ciências tradicionais da época (Física, Química, Biologia, etc.). Todavia, para Aristóteles, a Metafísica consiste na 'ciência primeira' no que se refere o fornecimento de um fundamento único para todas as demais ciências, ou seja, dar-lhes o objeto ao qual elas se referem e os princípios dos quais todas elas dependem. Por fim, a Metafísica implica ser uma enciclopédia das ciências um inventário completo e exaustivo de todas as ciências, em suas relações de coordenação e subordinação, nas tarefas e nos limites atribuídos a cada uma, de modo definitivo. Na modernidade, a Metafísica perde a centralidade do mundo da Filosofia, quem é o precursor de tal declínio é Immanuel Kant e seu criticismo. Tal descendência é elucidada e aclarada posteriormente no presente trabalho. A Metafísica moderna ganha uma nova interpretação, sendo alcunhada e levada por analogia à Ontologia, expressada, segundo Kant, como conceito de gnosiologia. Para Kant, Metafísica é a fonte inerente do estudo e explicação das formas alicerçadas na razão, bem como fundamento de toda realidade suprassensível que se deve basear para elucidar e aclarar o mundo moderno. Ainda segundo o filósofo, a Metafísica é a fonte de todos os princípios reais para a explicação da realidade. Sendo ela, por fim um 'sistema filosófico' alicerçado sobre uma perspectiva ontológica, teológica e/ou suprassensível da realidade. No nosso finalismo, a inerência da Metafísica à filosofia transcende a explicação de todo o universo e sua totalidade (matéria e forma como alcunha Aristóteles). Logo, na Filosofia Clássica com Platão e, especialmente em Aristóteles, o Mito passou a ser ciência e essa ciência era determinada de Metafísica. Vale salientar que a alcunha 'Metafísica' foi, primeiramente, usada por Andrônico de Rodes . Por fim, a Metafísica primordial para fundamentar as explicações necessárias para os fenômenos que se decorrera na Grécia antiga, foi perdendo centralidade ao passo da história da filosofia e, na modernidade, com Hume e Kant passa por uma grande crise, discorrida agora no trabalho. -/- DA CRÍTICA À METAFÍSICA Platão criou um sistema metafísico de explicação da realidade e do mundo que influenciou muitos pensadores e religiosos. Boa parte da história da filosofia foi composta de sistemas metafísicos. Mas, se, por um lado, o pensamento metafísico tem uma vida longa e profícua, por outro, é alvo de críticas constantes, principalmente por filósofos modernos e contemporâneos, que questionam a validade das teses metafísicas, seja porque tratam de coisas que não podem ser conhecidas, como alma, Deus e formas inteligíveis, seja porque suas conclusões são consideradas enganosas. ARISTÓTELES E A FILOSOFIA PRIMEIRA As ciências teóricas ou teoréticas são aquelas que produzem um saber universal, válido em qualquer situação, e necessário, isto é, que não pode ser de outro modo. Essas ciências estão voltadas para a contemplação da verdade. O sábio que se dedica a elas encontra um fim em si mesmo, pois o resultado de sua investigação não gera nenhum objeto exterior, como uma construção ou uma escultura, mas beneficia sua própria alma. Elas estão organizadas em Metafísica, Matemática e Física, que inclui a Psicologia ou a ciência da alma. As principais obras teoréticas escritas por Aristóteles são Física, De anima e Metafísica. Filosofia Primeira, que chegou até nós com o nome de Metafísica, também chamada muitas vezes por Aristóteles de Teologia .com a ressalva de que Teologia aqui não tem o sentido que é dado a ela contemporaneamente), é a expressão que designava a mais elevada das ciências teoréticas, diferenciando-se da chamada Filosofia Segunda, ou Física. Aristóteles abre o Livro I da Metafísica com a célebre passagem: Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais [...l. (ARISTÓTELES, 1969). A busca pelo conhecimento encontra-se na própria natureza humana, desde o nascimento, mesmo que se manifeste em seu grau mais rudimentar. Prova disso é o conhecimento por meio das sensações ou dos sentidos, entre os quais se destaca o da visão. É o chamado conhecimento por empiria ou saber empírico, que não pode ser ensinado porque é adquirido imediata e concretamente quando percebemos as coisas sensíveis. Também há um saber que vem da técnica. O técnico é aquele que tem o conhecimento dos meios para chegar a um fim. Como ensina o historiador da Filosofia, Julián Marias, apesar de o saber técnico ser superior ao saber empírico, ambos são necessários em nossa vida: 1..l Portanto, a tékhne [técnica) é superior à empeiria; mas esta também é necessária, por exemplo, para curar, porque o médico não tem de curar o homem, e sim Sócrates, e o homem apenas de modo mediato. (MARIAS, J. 2015). O conhecimento metafísico é menos necessário em nossa vida cotidiana, mas nenhum outro lhe é superior. A Metafísica é o conhecimento pelas causas e, como vimos, o conhecimento é científico quando ele nos dá os princípios e as causas das coisas. Para Aristóteles, tudo o que existe é efeito de uma causa e ela é a responsável por esse algo ser necessariamente de um jeito e não de outro. De acordo com Aristóteles, conhecer algo é conhecer pela causa. Dessa forma, a explicação de algo ou o seu conhecimento deve sempre dizer por que algo é necessariamente de determinado modo. Sem esse tipo de explicaçào, não pode haver propriamente conhecimento. Daí se constata o caráter rigoroso da explicação científica: ela não apenas sabe que "algo é isto", mas é capaz de explicar por que algo é necessariamente isto. A definição aristotélica de Metafísica Chauí indaga em seu livro Iniciação à Filosofia a questão central do que Aristóteles entende por sua alcunha ou Metafísica. Chauí explana: Embora Aristóteles admita que para cada tipo de Ser e suas essências existe uma ciência teorética própria (física, biologia, psicologia, matemática, astronomia), ele também defende a necessidade de uma ciência geral, mais ampla, mais universal, anterior a todas essas, cujo objeto não seja esse ou aquele tipo de Ser, essa ou aquela modalidade de essência, mas o Ser em geral, a essência em geral. Essa ciência, para Aristóteles, é a Filosofia Primeira ou metafísica, que investiga o que é a essência e aquilo que faz com que haja essências particulares diferenciadas, que estuda o Ser enquanto Ser. (CHAUÍ, 2010). O objeto investigado pela Metafísica também é muito diferente do objeto conhecido pelo saber empírico ou pelo saber técnico. O saber empírico nos faz conhecer as coisas particulares, como Sócrates, o Oráculo de Delfos e a caneta esferográfica; o saber técnico nos faz conhecer as diversas técnicas, como os procedimentos médicos e a engenharia de construir templos. O que o saber metafísico, então, nos permite conhecer? Segundo Aristóteles, a Metafisica estuda o ser enquanto ser. Não considera o ser de modo particular como fazem as demais ciências — por exemplo, ao investigar Sócrates, os procedimentos médicos etc. mas busca o que é universal, o que envolve tanto Sócrates quanto os procedimentos médicos, tanto o Oráculo de Delfos quanto a arte de construir templos. Segundo Aristóteles, a Metafísica trata das causas primeiras, que são as quatro seguintes: • a causa material, que é a matéria de que é feita alguma coisa. Em uma escultura, por exemplo, a causa material pode ser o bronze ou o mármore; • a causa formal, que é a forma ou a essência das coisas. No exemplo da escultura, é a forma ou a aparência que possibilita que a reconheçamos como uma escultura (e não como um poste, por exemplo); • a causa eficiente, que é o agente que produz a coisa. Uma escultura é produzida por um artista; • a causa final, que é a razão ou a finalidade das coisas, A finalidade da escultura é o prazer estético. A Metafísica também se ocupa da substância. A substância responde pelos significados do ser. Mas o que é a substância? Trata-se de uma questão complexa no pensamento aristotélico. Aristóteles recusa-se a entender a substância como sendo a forma platónica. Ela nào é o suprassensível. Seria entao a substância o sensível individual? As coisas são matéria e forma; amatéria é o substrato da coisa (por exemplo, o mármore é a matéria da estátua). Sem sua forma, ela é apenas potencialidade, mas sem a matéria qualquer realidade sensível se desvaneceria. Assim, a matéria pode ser dita substância em sentido impróprio. A forma, por seu turno, é aquilo que determina a matéria, é a sua essência; ela é substancia em sentido próprio. Mas a matéria é também matéria enformada. As coisas sensíveis são, a um só tempo, matéria e forma. E esse composto também pode ser legitimamente chamado de substância. Aristóteles apresenta três gêneros de substâncias: • as substâncias sensíveis, que nascem, morrem e, por isso, passam por todo tipo de mudança; • as substancias sensíveis e incorruptíveis, que não passam por nenhum tipo de mudança, como os planetas e as estrelas; • a substância suprassensível, que é superior às outras duas: o Primeiro Motor Imóvel, o deus aristotélico, causa de todo movimento, mas sendo ele mesmo imóvel. (Ele precisa ser imóvel porque se ele também se movesse precisaria haver uma causa para esse movimento, o que levaria a uma espécie de regressão ao infinito). Assim como o demiurgo de Platão, o deus aristotélico nao é um deus criador. Não criou o Universo nem gerou o movimento dos corpos. Ao contrário, o deus de Aristóteles exerce uma atraçáo sobre o Universo, motivando sua existência, e sobre os corpos, gerando seu movimento, ou seja, atrai tudo para si como objeto de amor. Não é, portanto, causa eficiente do mundo e do movimento do mundo, mas causa final. O deus aristotélico nao cria o mundo do nada por um ato de vontade. Ele nao é causa eficiente do mundo, como indicamos ser o artista causa eficiente de sua escultura. A METAFÍSICA CLÁSSICA OU MODERNA Grandes revoluções no pensamento do século XVII deram estopim à uma grande crise na esfera metafísica. De modo resumido a Metafísica sofreu uma grande transformação e uma nova elaboração, sem a fundamentação embasada no pensamento platônico, aristotélico ou neoplatônico. Sendo assim a nova metafísica é caracterizada por: [...] afirmação da incompatibilidade entre fé e razão, acarretando a separação de ambas, de sorte que a religião e a filosofia possam seguir caminhos próprios, mesmo que a segunda não esteja publicamente autorizada a expor ideias que contradigam as verdades ou dogmas da fé [...] [...] redefinição do conceito de Ser ou substância. Os modernos conservam a definição tradicional da substância como o Ser que existe em si e por si mesmo, que subsiste em si e por si mesmo. Porém, em lugar de considerar que a substância se define por gênero e espécie, havendo tantos tipos de substâncias quantos gêneros e espécies houver, passa-se a definir a substância levando em consideração seus predicados essenciais ou seus atributos essenciais, isto é, aquelas propriedades ou atributos sem os quais uma substância não é o que ela é. Após o supracitado, os cartesianos e Descartes dirão que há somente três substâncias essenciais, divergindo totalmente do pensamento aristotélico, as substâncias cartesianas são a Alma, a matéria dos corpos e Deus. Para empiristas, só se é possível conhecer a substância corpórea, logo não se é possível elaborar uma metafísica, e sim uma geometria ou uma física que se ocupa do estudo dessas matérias corpóreas. Baruch Spinoza (1632-1677) explanou a primordialidade de se elaborar uma definição genérica e universal, comumente aceita por toda a comunidade de filósofos de Aristóteles a modernidade. Podemos reduzir o conceito proposto da seguinte maneira: “substância é aquilo que existe em si e por si e não depende de outros para existir”.Logo, diz Espinosa, que há apenas uma substância no Universo que não depende de outra para existir, tal substância é o próprio Deus ou a natureza. Nessa revolução do pensamento filosófico, em peculiar à metafísica, houve também a redefinição do conceito de causa e causalidade. Em Aristóteles haviam quatro tipos de causas, agora, na modernidade, se propunha apenas dois tipos: a eficiente e a final. Chauí explana que a Causa eficiente é aquela na qual uma ação anterior determina como consequência necessária a produção de um efeito, e que seu alcance é universal na natureza. Causa final é aquela que determina, para os seres pensantes, a escolha da realização ou não realização de uma ação, e que só opera na ação de Deus e nas ações humanas. Houve também, nessa revolução, uma quebra do paradigma metafísico, isto é, a metafísica não se dividia mais entre a teologia, a psicologia racional e a cosmologia racional. Agora, a metafísica ganha um novo rumo, um rumo próprio de estudo embasado em suas próprias fundamentações. Logo, a metafísica se apropria de três e apenas três ideias de substância. A substância infinita, ou o próprio Deus. A substância pensante que é a consciência como faculdade de reflexão e de representação da realidade alicerçada na razão. E, por fim, a substância extensa que é a natureza embasada nos princípios e leis regidas pela matemática e a mecânica. DAVID HUME E A CRISE DA METAFÍSICA O filósofo escocês David Hume (1711-1776) nos ajuda a entender em parte o teor das críticas ao pensamento metafísico. "Se tomarmos em nossas mãos um volume qualquer, de teologia ou metafísica escolástica, por exemplo, façamos a pergunta: contém ele qualquer raciocínio abstrato referente a números e quantidades? Não. Contém qualquer raciocínio experimental referente a questões de fato e de existência? Não. Às chamas com ele, então, pois não pode conter senão sofismas e ilusão." (HUME, 2004) Hume critica a teologia e a metafísica escolástica, que foi a metafísica praticada principalmente nas escolas cristãs durante a Idade Média, porque suas concepções não tratam nem de conceitos matemáticos, que são formais e podem levar a conclusões seguras - por exemplo, "2 + 2 = 4" -, nem de afirmações sobre fatos, que podem ser verificados empiricamente, isto é, pelos órgãos dos sentidos —como "a aceleração de um corpo em queda livre é de 9,8 metros por segundo", Assim, Hume aconselha o leitor a jogar as afirmações metafísicas na fogueira, pois são consideradas ilusões, fantasias ou produto de erros de raciocínio e nada têm a acrescentar ao conhecimento humano. A partir de Hume, a metafísica, tal como existira desde os gregos, tornara-se impossível. O CRITICISMO KANTIANO E O FIM DA METAFÍSICA CLÁSSICA Entre a Dissertação de 1770 e a Crítica da razão pura, mais de dez anos se passaram. Apesar de a obra ser volumosa, a redaçào da Crítica da razão pura não chegou a cinco meses de trabalho. De início, Kant pretendia apenas revisar sua dissertação, mas o trabalho acabou por levá-lo a figurar entre os grandes nomes do pensamento filosófico, como Aristóteles e Descartes. Kant fez um diagnóstico bastante negativo da situação da Filosofia de sua época, em particular da Metafísica, que, embora fosse considerada a Filosofia Primeira, patinava em questões impossíveis de serem resolvidas. Ao mesmo tempo, buscou inserir a Filosofia no rumo seguido pelas Ciências Naturais, pela Lógica e pela Matemática, que já tinham encontrado o caminho da Ciência. Em alguns pontos, o projeto kantiano se aproximou de algumas características do projeto cartesiano. Descartes duvidou de todo o saber conhecido, pois queria encontrar um fundamento seguro que sustentasse a edificação da Filosofia e, mais particularmente, da Ciência. Diferentemente de Descartes, contudo, Kant nào duvidou de todo o conhecimento que havia aprendido. Para ele, bastava estabelecer os limites do conhecimento racional, ou seja, o que a razão podia conhecer e o que era impossível de ser conhecido. No fim do século XVIII, de acordo com a proposta de Wolff, a Metafísica era dividida em duas partes: Metafísica geral e Metafísica especial. A primeira tratava da Ontologia (ciência do ser enquanto ser, como definido por Aristóteles), e a segunda se ocupava do ser humano (Psicologia), do mundo (Cosmologia) e de Deus (Teologia racional), Os principais temas in-vestigados eram a imortalidade da alma, a liberdade a finitude ou infinitude do mundo e a existência de Deus. No entanto, de acordo com Kant, as questões metafísicas clássicas extrapolavam as capacidades de conhecimento do ser humano, pois estavam tão afastadas da experiência que a razão só podia pensá-las, sem conhecê-las realmente. As questões postas pela Metafísica clássica extrapolavam o terreno de qualquer experiência possível e, no entanto, a razão, por sua própria natureza, apresenta questões que não pode evitar, mas que também náo pode responder por não terem nenhuma pedra de toque na experiência. Disso decorre a pergunta fundamental sobre a possibilidade de haver um conhecimento metafísico. Publicada em 1781, a Crítica da razão pura foi uma tentativa de responder a essa pergunta. A obra instituiu um "tribunal da razao" para examinar a própria razão, e não para tomar partido no conflito entre racionalistas, como Descartes e Leibniz, que elaboraram sistemas metafísicos, e empiristas, como Locke e Hume, que basearam o conhecimento unicamente nos sentidos. Criticar a razão é determinar as possibilidades, os limites e o alcance do próprio conhecimento. A transformação foi tao grande para a Filosofia que essa obra nao pôde ser ignorada. A situação da Metafísica No texto a seguir, retirado do célebre prefácio à primeira edição de Crítica da razão pura, podemos ver o diagnóstico de Kant sobre a situaçao da Metafísica no período em que vivia. A razão humana, num determinado dominio dos seus conhecimentos, possui o singular destino de se ver atormentada por questões, que náo pode evitar, pois lhe são impostas pela sua natureza, mas às quais também não pode dar resposta por ultrapassarem completamente as suas possibilidades. Não é por culpa sua que cai nessa perplexidade. Parte de princípios, cujo uso é inevitável no decorrer da experiência e, ao mesmo tempo, suficientemente garantido por esta. Ajudada por estes princípios eleva-se cada vez mais alto (como de resto lho consente a natureza) para condições mais remotas. Porém, logo se apercebe de que, desta maneira, a sua tarefa há de ficar sempre inacabada, porque as questões nunca se esgotam; vê-se obrigada, por conseguinte, a refugiar-se em princípios, que ultrapassam todo o uso possível da experiência e, não obstante, estão ao abrigo de qualquer suspeita, pois o senso comum está de acordo com eles. Assim, a razão humana cai em obscuridades e contradições, que a autorizam a concluir dever ter-se apoiado em erros, ocultos algures, sem contudo os poder descobrir. Na verdade, os princípios de que se serve, uma vez que ultrapassam os limites de toda experiência, já não reconhecem nesta qualquer pedra de toque. O teatro destas disputas infindáveis chama-se Metafísica. (KANT, I. 2010). O fim da Metafísica clássica Podemos agora retomar o questionamento sobre os motivos pelos quais a física newtoniana é possível como ciência e entender também por que a metafísica racionalista tradicional não é conhecimento científico, segundo a teoria kantiana. A física trata de regras e leis dos fenômenos, das representações conformadas pela sensibilidade e pelo entendimento, ou seja, refere-se a objetos do conhecimento humano. A metafísica clássica, por sua vez, trata de coisas que não fazem parte da experiência sensível. Deus e a alma, por exemplo, não são apreendidos pela sensibilidade, não são impressões conformadas ou fenômenos e, portanto, não podem ser conhecidos pelo ser humano. Ideias ou conceitos dessa espécie podem ser pensados pela razão, mas é impossível conhecê-los, pois estão além da capacidade humana de conhecimento. Por esse motivo, a física é possível como ciência e a metafísica tradicional não. Com base nisso, Kant provocou uma revolução na teoria do conhecimento, que ele mesmo designou como "virada copernicana na filosofia", Se Copémico mudou a forma de entender o mundo ao defender a ideia de que o Sol está no centro do sistema solar, Kant mudou a forma de o ser humano compreender o mundo e a si próprio ao estabelecer a ideia de que o ser humano, e não os objetos externos, é o centro do conhecimento, O ser humano não é um agente passivo, que só recebe informações, mas atua decisivamente na constituição do conhecimento e do que se compreende como realidade. Os elementos a priori que determinam essa constituição do conhecimento são o escopo da filosofia kantiana, também conhecida como transcendental. Logo, o pensamento kantiano alterou profundamente a Metafísica. A existência de Deus ou a imortalidade da alma, por exemplo, passaram a ser questões que já não podiam ser respondidas. Se percebemos apenas as coisas que ocorrem em um tempo específico (antes, agora, depois), como seremos capazes de perceber algo que está na eternidade (Deus)? Como afirmar que a alma é imortal se não conseguimos percebê-la com os nossos sentidos? O conhecimento a partir de Kant, então, é sempre conhecimento de objetos, isto é, de conteúdos elaborados e modificados pelo sujeito que conhece. O conhecimento passou a se ocupar, assim, de fenómenos, e não mais da própria coisa, como pretendiam os metafísicos clássicos. Com a crítica kantiana, tornou-se impossível conhecer efetivamente os temas da Metafísica clássica e emitir qualquer opinião segura sobre assuntos que não podem ser assentados na experiência. Podemos pensar sobre Deus, podemos querer que nossa a seja imortal, mas jamais teremos a possibilidade de verificar esses assuntos em nossa experiência ou mesmo ter sobre eles verdadeiro conhecimento. Nada nos impede de acreditar em Deus ou na imortalidade da alma, porém não podemos exigir que a Filosofia se pronuncie a respeito desses temas. Na verdade, a crítica kantiana não diz que Deus existe nem que não existe, mas apenas que não é capaz de saben Deus, não obstante sua importância para a Filosofia do próprio Kant, é uma questão de fé. AUGUSTE COMTE E A METAFÍSICA NO SÉCULO XIX O filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), considerado o pai do positivismo, fundamenta sua filosofia também em oposição às concepções metafísicas. Em seu entendimento, a busca por princípios gerais ou essências, entidades que estão além do que podemos observar ou perceber pelos órgãos dos sentidos, é algo infrutífero. Comte explana: "[...] não é supérfluo assinalar agora, de modo direto, a preponderância contínua da observação sobre a imaginação, como o principal caráter lógico da sã filosofia moderna, dirigindo nossas pesquisas, não para causas essenciais, mas para leis efetivas, dos diversos fenômenos naturais. Sem ser doravante imediatamente contestado, permanece este princípio fundamental muitas vezes desconhecido nos trabalhos especiais. Embora as diferentes ordens de especulações concedam, sem dúvida, à imaginação uma alta participação, isto é, constan temente empregada para criar ou aperfeiçoar os meios da vinculação entre os fatos constatados, mas o ponto de partida e a sua direçào não lhe poderiam pertencer em nenhum caso. Ainda quando procedemos verdadeiramente a priori, é claro que as considerações gerais que nos guiam foram inicialmente fundadas, quer na ciência correspondente, quer em outra, na simples observação, única fonte de sua realidade e também de sua fecundidade. Ver para prever: tal é o caráter permanente da verdadeira ciência. Tudo prever sem ter nada visto constitui somente uma absurda utopia metafísica, ainda muito seguida." (COMTE, 1978). A observação é considerada a única fonte de realidade. Abandonando a observação e apoiando-se única e exclusivamente na imaginação, como seria característico das especulaçôes metafísicas, o pensamento pode levar não para o conhecimento das coisas, mas para a fantasia. A ciência, então, deve ter como base as coisas que podem ser observadas. Todas as especulações e as teorias científicas, em última instância, devem ter como fundamento a realidade observável. LUDWIG WITTGENSTEIN E A METAFÍSICA CONTEMPORÂNEA O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) também se opõe às afirmações metafísicas por considerar que estas tratam de problemas (ou pseudoproblemas) que não podem ser formulados claramente e, portanto, não podem ser respondidos. “O método correto da filosofia seria o seguinte: só dizer o que pode ser dito, ou seja, as proposições das ciências naturais [...] e depois, quando alguém quisesse dizer algo metafísico, mostrar-lhe que nas suas proposições existem sinais aos quais não foi dada uma denotação.” (WITTGENSTEIN, 1995). Quer dizer, as sentenças ou os termos metafísicos se referem a coisas, objetos ou seres enigmáticos ou misteriosos, que não podem ser tratados com clareza, isto é, não se sabe exatamente o que são, o que impossibilitaria a formulação de problemas e soluções reais. "Deus", "alma" ou "vida após a morte", por exemplo, são termos que se referem especificamente a quê? Os "problemas" metafísicos estariam no campo do mistério e não no da investigação racional. Por isso, como afirma Wittgenstein, "acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio". CONCLUSÃO (ÕES) Ora, a Metafísica na Grécia antiga foi imprescindível para o entendimento dos mais variados dilemas do mundo antigo, sejam perguntas simples, ou complexas. Iniciada como um sistema filosófico platônico, passando a ser filosofia primeira em Aristóteles, a metafísica incorporou elementos teológicos, psicológicos e cosmológicos durante o mundo antigo, e ainda mais durante o período medieval e a hegemônica Igreja Católica. No mundo moderno e embasado pelo “Luz da razão”, a metafísica começa a ser refutada pelos pensadores da época em questão, dentre eles o célebre cético Hume, e o emblemático Kant, além de Descartes e seus cartesianistas. Kant e seu criticismo incorporaram à Metafísica uma nova interpretação, esta que fez a mesma entrar em declínio e sair da centralidade do mundo filosófico. Kant, graças às indagações e refutações de Hume, pôde acordar do célebre “sono dogmático”. O que fez Kant se importa com a Metafísica. Kant trouxe à luz o fim da Metafísica clássica e deu legado ao início da metafísica contemporânea alcunhada de Ontologia. No decorrer da história da filosofia, a Metafísica teve intensa ascenção e vertiginosos declives, sendo seu maior declive o crítico Kant. Por fim, muitos filósofos se apropriaram de ser heterodoxos e enfrentaram de frente o mundo metafísica e a base do catolicismo sobre a realidade. Posta realidade que hoje, com o legado de Kant, da fenomenologia de Husserl, etc., originaram a nova escola filosófica chamada de Ontologia. -/- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5ª. ed. Trad. Ivone Castillo Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ARANHA, M. 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OBJETIVO A gestação nos mamíferos domésticos é um processo fisiológico que implica mudanças físicas, metabólicas e hormonais na fêmea, que culminam com o nascimento de um novo indivíduo. Desta forma, a compreensão de tais mudanças e como estas favorecem um ambiente ideal de desenvolvimento embrionário inicial, até a placentação e a fisiologia envolvidas durante esses processos é fundamental na tomada de decisões quanto à saúde reprodutiva da fêmea, na seleção de futuras matrizes e até mesmo para a saúde fetal e (...) sanidade do novo animal. Neste capítulo, o estudante compreenderá de forma clara, concisa, didática e objetiva, as adaptações maternas e fetais para o estabelecimento da gestação após a fecundação, o desenvolvimento desta e também identificará as diferenças existentes entre as espécies de interesse zootécnico. INTRODUÇÃO O estabelecimento da gestação nos mamíferos domésticos inclui três etapas fundamentais: o reconhecimento materno da gestação ou prenhez (RMP), a implantação e a placentação. Dentro da fisiologia da reprodução nos mamíferos, a implantação e a placenta- ção constituem processos essenciais na nutrição do embrião e do feto e, portanto, para seu desenvolvimento; devido a isso, são etapas críticas para a produção animal já que possuem um efeito direto sobre a eficiência reprodutiva. Nos bovinos leiteiros, por exemplo, estima-se uma taxa de fertilização perto de 95%, embora apenas 55% desses zigotos se desenvolvam e cheguem ao parto, o qual representa uma perda de gestações perto de 35%. Entre 70% e 80% das mortes embrionárias ocorrem durante as três semanas seguintes à ovulação, o que coincide com o período no qual se estabelecem os processos de implantação e placentação supracitados. O desenvolvimento embrionário precoce depende da sincronia de eventos entre o oviduto-útero e o embrião. Foi determinado que a presença do embrião pode modificar as secreções ovidutais e uterinas durante as fases iniciais de desenvolvimento. O ambiente endócrino materno (predominância de progesterona) também modula as características das secreções ovidutais e uterinas para assegurar a sobrevivência embrionária no caso da fertilização ter sido bem sucedida. Se este último ocorrer, então o embrião deverá indicar à mãe a sua existência para que sejam mantidas as condições adequadas ao seu desenvolvimento. Como supracitado, o embrião em seu curso pelo oviduto requer certas secreções para sobreviver e desenvolver-se, no entanto, graças à fertilização in vitro, têm-se dispensado a importância das secreções ovidutais, já que se observou que um embrião é capaz de se desenvolver em condições laboratoriais fora do aparelho reprodutor materno durante as suas fases iniciais, e consegue estabelecer uma gestação normal que chega a termo após a sua reintrodução no útero. Em estágios mais tardios de desenvolvimento o embrião necessita necessariamente do meio uterino para sobreviver e continuar o seu crescimento. No bovino, por exemplo, o embrião só é capaz de alongar-se estando dentro do útero, indicando a presença de fatores específicos necessários para que o embrião se desenvolva de maneira normal. Um meio endócrino no qual predomina a progesterona materna durante a gestação induz a secreção do histiotrofo (ou leite uterino) que permite a nutrição e a sobrevivência do embrião antes da implantação e da formação da placenta, através do qual obterá a maioria do fornecimento e intercâmbio necessários para continuar o seu desenvolvimento intra-uterino. SEGMENTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO EMBRIONÁRIO PRECOCE O desenvolvimento embrionário precoce, conhecido como período de pré- -implantação, é essencial; inclui processos de divisão e diferenciação celular que são realizadas no início com uma elevada sincronização para garantir o desenvolvimento correto do indivíduo dentro do útero. Esta fase envolve a passagem do zigoto (unicelular), a embrião (multicelular) e, por fim, em concepto (quando se distingue o embrião com suas membranas extraembrionárias). O desenvolvimento precoce é o estágio mais dinâmico e vulnerável na formação de um indivíduo. Investigações recentes demonstraram que alterações nesta etapa podem modificar características produtivas ou reprodutivas durante a vida adulta. É por isso que é necessário conhecer as etapas fisiologicamente normais envolvidas neste processo (figura 1). Em fases mais tardias de desenvolvimento, o embrião se converterá em um feto com todos os sistemas e tecidos diferenciados observados num animal adulto. Após a fertilização, o zigoto resultante é capaz de dar origem a um novo organismo completo, de modo que se considera como uma célula totipotencial. O desenvolvimento embrionário começa e se consegue graças a uma série de divisões mitóticas conhecidas como segmentação ou clivagem (cleavage, em inglês). A primeira divisão mitótica dá origem a duas células filhas idênticas (figura 1), e ocorre por volta das 20 às 30 horas depois da fertilização, com divisões subsequentes a cada 12 a 24 h, dependendo da espécie. As células resultantes destas divisões são conhecidas como blastômeros. A orientação da divisão inicial que dá origem aos dois primeiros blastô- meros, parece ser guiada pela posição dos corpos polares. As divisões iniciais das células embrionárias são sincrônicas, no entanto, conforme o desenvolvimento se torna assincrônicas. Assim, a divisão mitótica inicial dá origem a um embrião de duas células (dois blastômeros), a segunda a um embrião de quatro células, a terceira a um de oito células e a quarta a um com 16 células, onde passa a ser chamado de mórula. Estas divisões são realizadas sem o aumento do volume do citoplasma, para que seja restabelecida uma proporção celular mais adequada à das células somáticas, já que o ovócito é a célula mais grande do organismo (um ovócito mede entre 100 e 150 μm do ovócito, enquanto uma célula somática mede de 10 a 20 μm); e porque o embrião ainda está contido dentro da zona pelúcida (figura 1). Um dos pontos críticos durante o desenvolvimento embrionário precoce é a ativação do genoma embrionário. Durante as etapas iniciais após a fertilização, as proteínas e RNAs “herdados” do ovócito são responsáveis pelo metabolismo e desenvolvimento inicial do embrião. É apenas até o estágio de quatro (ratos) ou oito blastômeros (espécies domésticas e humanas) em que o embrião começa a sintetizar o seu próprio RNAm (mensageiro) e as proteínas específicas necessárias para controlar o seu crescimento e metabolismo. A qualidade do ovócito que é fertilizado, consequente- mente, tem um grande impacto sobre a sobrevivência inicial do embrião. Quando o embrião atinge uma média de 16 a 32 células é conhecido como mórula (tabela 1) (do latim morus: mora), e nesta fase o embrião começa a compactar-se, o que ocorre porque começam a estabelecer-se diferentes uniões celulares, de acordo com a relação espacial entre os blastômeros. As células centrais desenvolvem-se incluindo entre elas junções comunicantes, conhecidas também como junções GAP, enquanto as que se encontram na periferia estabelecem uniões estreitas, dando origem a duas subpopulações distintas de blastômeros: periféricos e centrais. Cabe mencionar que os blastômeros que compõem a mórula ainda são células capazes de dar origem a um novo indivíduo completo, ou seja, são totipotenciais. À medida que a mórula continua a dividir-se e a crescer, as células localizadas na periferia começam a liberar sódio para os espaços intercelulares, criando uma diferença na pressão osmótica seguida pela entrada de água ao embrião. O líquido se acumula e provoca a separação das células, distinguindo ainda mais as duas subpopulações de células mencionadas (periféricas e centrais) e forma-se uma cavidade cheia de líquido. Esta cavidade é conhecida como blastocele; com a sua formação o embrião entra em fase de blastocisto (figura 1, tabela 1). Da subpopulação celular da periferia se origina do trofoblasto (trofoectoderma) que formará a maioria das membranas extraembrionárias (placenta), e da subpopulação central é estabelecida a massa celular interna ou embrioblasto, que dará origem ao embrião propriamente dito, ou seja, ao feto. Ao continuar a multiplicação e crescimento do trofoblasto à medida que o blastocisto se desenvolve, as células da massa interna se diferenciam novamente em dois segmentos distintos: a endoderme primitiva ou hipoblasto e o epiblasto (figura 1), em que todos os tecidos do organismo (saco vitelino) são originados e as células germinativas primordiais. Uma vez formado, o epiblasto continua a dividir-se e a diferenciar-se para dar origem às três placas ou camadas germinativas conhecidas como endoderme, mesoderme e ectoderme. Este processo é conhecido como gastrulação, e durante este diferem-se no embrião as porções craniais, caudais, dorsais e ventrais, processo conhecido como polaridade do embrião, que orienta o desenvolvimento dos diversos tecidos e órgãos do indivíduo. À medida que o blastocisto continua crescendo e diferenciando-se, vai-se acumulando mais líquido no blastocele, com o que a pressão interna aumenta e a zona pelúcida começa a ficar mais fina. Este fato, juntamente com a ação de proteases produzidas pelo embrião, leva à ruptura da zona pelúcida e à saída do blastocisto (eclosão), pelo que, uma vez liberado, o embrião é conhecido como blastocisto eclodido. O trofoblasto embrionário entra, então, em contato direto com o endométrio, o que é considerado como o início da implantação. IMPLANTAÇÃO O trofoblasto embrionário, também conhecido como trofoectoderma, dá origem à maioria das membranas fetais ou placenta fetal. O processo no qual o trofoblasto se une ao endométrio materno é conhecido como implantação; para isso ocorre uma série de processos altamente sincronizados envolvendo secreções embrionárias e maternas, e interações físicas, durante um período limitado conhecido como janela de receptividade. A implantação é considerada um processo gradual que genericamente se divide em cinco fases, algumas das quais podem sobrepor-se parcialmente e diferir segundo a espécie: 1. Eclosão do blastocisto da zona pelúcida (figura 2); -/- 2. Pré-contato e orientação do blastocisto. É o contato inicial entre as células do trofoblasto e do epitélio endometrial, bem como a orientação da massa celular interna e do trofoectoderma, que assume especial importância em espécies cuja implantação é invasiva, como em roedores e primatas; 3. Aposição - refere-se ao posicionamento do blastocisto numa determinada área e de uma forma específica no útero. Começa a interdigitação das vilosidades coriônicas com o epitélio luminal do endométrio. 4. Adesão - requer sistemas de sinalização que envolvem glicoproteínas de adesão, como integrinas, selectinas e galectinas, com os seus ligantes, tanto no epitélio luminal como no epitélio trofoectoderma. 5. Invasão endometrial - este termo se relaciona ao tipo de placentação e é pertinente sobretudo para aquelas espécies onde existe uma fusão entre células do trofoblasto e do epitélio do endométrio durante a formação da placenta, ou que as células trofoblásticas penetrem as camadas endometriais e até modifiquem as células do endométrio que as rodeiam. Existem três tipos de implantação ou nidação. Na nidação central ou não invasiva, a vesícula embrionária ocupa uma posição central na luz do útero e, na sua relação com a mucosa uterina, unicamente através das vilosidades coriônicas (projeções das células trofoblásticas dentro das quais crescem capilares do feto), há adesão mas não invasão da mucosa. Este tipo ocorre nos ungulados domésticos, mas não em carnívoros. Na nidação excêntrica a vesícula embrionária está inserida num canal profundo da mucosa, parcialmente isolada da luz principal, e se apresenta na rata, cadela e gata. A nidação intersticial é própria dos primatas, rato e cobaia, e nesta produz-se a destruição do epitélio e do tecido conjuntivo do útero, de modo que a vesícula embrionária se afunda na própria lâmina mucosa e se desenvolve em um espaço intersticial. Até o momento da implantação, a nutrição do embrião é histotrófica, sendo as substâncias necessárias absorvidas através do trofoblasto, como foi mencionado anteriormente. A partir deste momento, o trofoblasto começa o desenvolvimento de uma série de membranas extraembrionárias que permitirão finalmente a troca de nutrientes e metabólitos entre o sangue materno e o do embrião, constituindo a placenta. Um fato necessário na implantação é a perda de receptores para progesterona no epitélio luminal do endométrio, e pré-sensibilização do mesmo pelos estrógenos. Apesar de parecer um efeito contraditório, este requisito permite o desaparecimento de uma camada de mucina e outros compostos proteicos, que revestem o endométrio e que atuam como uma película antiaderente que inicialmente não permite a aposição e adesão do embrião. O desaparecimento desta camada ocorre durante a janela de receptividade, seja em toda a superfície do endométrio (ruminantes, suínos e roedores) ou nas zonas específicas onde o blastocisto será implantado (humano e coelho). Por esta razão, a interação física entre o embrião e o endométrio desempenha um papel importante na implantação. Uma vez que a camada de glicoproteínas desaparecer, é possível a aposição do trofoectoderma embrionário e das células epiteliais do endométrio, iniciando assim a implantação propriamente dita através da intercomunicação entre os dois tecidos. A implantação pode ser considerada como a fixação do embrião ao útero a partir do ponto de vista físico e funcional. No entanto, como se trata de um processo progressivo e gradual, em que algumas das suas fases podem ser parcialmente sobrepostas, não existe consenso sobre o período em que se inicia e termina. Na borrega, por exemplo, estima-se que ocorra entre o dia 10 e o dia 22, enquanto na vaca entre os dias 11 e 40 pós-ovulação. Nas espécies polítocas, isto é, fêmeas que parem várias crias como as porcas, os blastocistos se distribuem ao longo dos cornos uterinos como resultado de movimentos musculares da parede uterina, aparentemente regulados por prostaglandinas e outros fatores secretados pelo útero. Por exemplo, nas porcas, os blastocistos se movem livremente entre os cornos, e a distribuição dos embriões ao implantar-se é mais uniforme do que poderia ser esperado se ocorresse meramente ao acaso. Tem observado que a deficiência na produção de ácido lisofosfatídico 3 (LPA3) e/ou seu receptor, ocasiona uma falha na distribuição dos embriões no útero. Por outro lado, não há evidência de que um blastocisto implantado exerça alguma influência inibitória sobre a implantação de outro blastocisto próximo a ele. Como supracitado, o processo de implantação inclui uma complexa interação entre o embrião e o útero, e cada um deles provê de estímulos essenciais para favorecer a progressão do outro, apresentando-se diferenças em tempos e particularidades dentro das diferentes espécies. -/- Porca O período de adesão situa-se entre os dias 12 e 24 após a fertilização. Ao redor do dia sete, o blastocisto é eclodido, porque o trofoblasto está em contato direto com o epitélio uterino e começa a proliferar com rapidez. O endoderme se forma e o blastocisto muda de uma pequena vesícula esférica para um tubo muito alongado que chega a medir cerca de um metro em poucos dias, ele que lhe proporciona uma superfície muito ampla para a absorção de nutrientes. Cadela Os embriões migram entre os dois cornos uterinos do dia 12 ao 17 após a fertilização, distribuindo-se de maneira uniforme. Estes embriões aderem ao endométrio entre os dias 16 e 18, e alcançam sua implantação final entre o dia 17 e 20 da gestação. Cabe ressaltar que nos caninos o período de pré-implantação é o mais longo das espécies domésticas, o que ocorre porque a cadela ovula ovócitos imaturos (ovócitos primários) que precisam amadurecer por dois a três dias, para formar ovócitos secundários, antes que a fertilização seja possível. Por isso, o zigoto canino chega à junção útero-tubárica entre o sétimo e o décimo dia após o pico pré-ovulatório de LH (a ovulação ocorre, em média, dois dias após o pico de LH), entrando no útero em estágio de mórula ou blastocisto em torno dos dias 10 a 12 depois do referido pico. Ovelha O desenvolvimento precoce do blastocisto é muito semelhante ao da porca. Observa-se certo grau de adesão desde o dia 10 da gestação, mas o alongamento do embrião é menos extenso do que em suínos e tem início entre o dia 11 e 12. Para a terceira semana o embrião ovino chega a medir até 30 cm de comprimento. O processo de implantação é concluído aproximadamente entre a quarta e quinta semana de gestação (figura 3). Vaca O processo de implantação é semelhante ao da borrega, mas tem início mais tarde. A zona pelúcida se perde por volta do dia 9 a 10 (blastocisto eclodido) e o embrião começa a alongar-se ao redor do dia 12 a 14, atingindo um comprimento de cerca de 60 mm para o dia 16, embora possa haver uma grande variação individual. A partir do dia 33, o córion é formado e existe uma adesão inicial que inclui dois ou quatro cotilédones, que se interdigitam rapidamente com o tecido materno de modo que o embrião começa a nutrir-se através deles. Égua O blastocisto atinge um diâmetro de cinco centímetros aos dois meses e pratica- mente não se alonga. Entre os dias seis e sete após a ovulação, o embrião começa a revestir-se de uma camada glicoproteica que se forma entre o trofoectoderma e a zona pelúcida e que contém e mantém o embrião esférico depois de ter eclodido. Esta cápsula é uma estrutura única nos equinos (cápsula embrionária), afina-se no dia 18 e se perde entre os dias 21 e 23 de gestação. Na décima semana as microvilosidades do córion se interdigitam com a mucosa da parede uterina e na semana 14 é completada a implantação. Espécies não domésticas Em algumas espécies como os marsupiais, os ursos, focas, doninhas e alguns tipos de cervídeos, pode interromper-se temporariamente o desenvolvimento do embrião in utero e adiar a sua implantação, como estratégia evolutiva para favorecer o nascimento das crias em condições ambientais favoráveis para a sua sobrevivência. Esta estratégia é conhecida como diapausa e pode ser uma condição obrigatória ou facultativa para cada gestação, dependendo da espécie. Os mecanismos que a desencadeiam e a concluem não estão totalmente explicados e são espécie-específica. RECONHECIMENTO MATERNO DA GESTAÇÃO (RMG/RMP) O estabelecimento da gestação em mamíferos domésticos requer a presença de um corpo lúteo CL funcional que produz progesterona em quantidades adequadas para manter o desenvolvimento embrionário inicial e permitir mudanças necessárias durante o período de peri-implantação. Para que o corpo lúteo seja mantido e a fêmea seja impedida de reiniciar um novo ciclo estral, o embrião deve sinalizar sua presença para a mãe. O sinal para o reconhecimento materno da gestação (RMG) provém então do embrião e podem ser de dois tipos: luteotrópico ou anti-luteolítico. No primeiro, a(s) substância(s) produzida(s) pelo embrião que atua(am) sobre o corpo lúteo para manter sua funcionalidade, por exemplo a gonadotrofina coriônica humana (hCG) e a prolactina em roedores. O segundo tipo de sinal previne ativamente a luteólise, e é o mecanismo presente nas espécies domésticas em que o embrião produz substâncias como o interferon-τ (IFN-τ) em ruminantes ou os estrógenos em suínos. Ruminantes Como supracitado, o IFN-τ é responsável pela sinalização para o reconhecimen- to materno da gestação neste grupo que engloba cabras, ovelhas e vacas (figura 4). É um fator produzido pelas células do trofoblasto do embrião, e pode ser detectado a partir dos dias 11 a 12 em ovinos e de 14 a 15 em bovinos. Uma vez secretado, o IFN-τ impede a lise do corpo lúteo (efeito anti-luteolítico) por meio do bloqueio indireto da síntese de prostaglandina F2 alfa (PGF2α). No trabalho acerca do ciclo estral foi explicado que a luteólise requer a presença de receptores de ocitocina (OTR) no endométrio, que ao unir-se ao seu ligante, a ocitocina (proveniente inicialmente do hipotálamo e posteriormente de origem lútea), estimulam a produção de PGF2α e estabelecem um feedback positivo, que culminará na destruição do CL. Para que os OTRs sejam sintetizados, é necessária uma estimulação prévia do endométrio com estradiol, que ocorre através da ligação com seus receptores (ER-1). O mecanismo pelo qual o IFN-τ impede a lise do corpo lúteo é bloqueando, direta ou indiretamente, a síntese de OTR e, consequentemente, a produção pulsátil de PGF2α. Suínos No caso dos suínos, considera-se que o sinal embrionário para o reconhecimento materno da gestação são os estrógenos, produzidos pelos embriões em torno do dia 11 a 12 pós-ovulação. O endométrio suíno produz PGF2α que, quando não há gestação, é secretado na circulação uterina (secreção endócrina), de onde é transportada em direção ao CL para causar luteólise. Se há embriões no útero produzindo suficiente quantidades de estradiol, isso redireciona a secreção de PGF2α para o lúmen uterino (secreção exócrina), evitando que seja liberado para a circulação e, portanto, é sequestrado impedindo que chegue ao corpo lúteo (figura 5). É importante enfatizar que a produção de PGF2α não é inibida, mas sua secreção é redirecionada. Este mecanismo é conhecido como teoria endócrino-exócrina. Vale ressaltar que para o sinal de reconhecimento materno da gestação na porca ser eficiente, é necessário a presença de pelo menos quatro embriões, dois em cada corno, uma vez que se não houver dois embriões, um em cada corno, ocorre luteólise e reinicia a atividade cíclica. Embora os estrógenos sejam identificados como o sinal de reconhecimento materno nesta espécie, o embrião suíno também produz outros fatores, como a PGE2 e o ácido lisofosfatídico, considerado necessário para o estabelecimento adequado da gestação. A PGE2 ocasiona uma redução na produção de PGF2α em favor da PGE2 no endométrio e favorece a contração do miométrio para permitir a migração de embriões. O ácido lisofosfatídico, juntamente com seu receptor, é um fator crítico que favorece a migração intra-uterina, e permite uma distribuição adequada dos embriões ao longo dos cornos. Outras substâncias produzidas pelo embrião suíno são o IFN-delta (IFN-δ) e IFN-gama (IFN-γ), que não possuem ação anti-luteolítica, mas poderiam intervir no processo de implantação. Equinos Na égua é essencial que o embrião, ainda rodeado pela sua cápsula embrionária, migre de 12 a 14 vezes por dia através do útero, entre os dias 12 e 14 após ovulação, a fim de distribuir o fator de reconhecimento materno (figura 6). Embora seja sabido que existe, este último ainda não foi identificado, mas foi estabelecido que é da natureza proteica e seu principal efeito é a inibição da produção endometrial de PGF₂α, mediante a redução na formação do receptores de ocitocina; desta forma, evita-se o início do sinal luteolítico. É interessante notar que nesta espécie a ocitocina não é de origem lútea e sim endometrial. Primatas Ao contrário das espécies domésticas mencionadas, o mecanismo de ação do sinal de reconhecimento materno em primatas é luteotrópico. No humano, o embrião produz gonadotrofina coriônica humana (hCG) após o início da implantação (dias 6 a 8). A hCG estende a vida funcional do CL por meio de sua ligação a receptores lúteos para LH, estimulando assim a liberação de progesterona. Este efeito permite a “sobrevivência” do CL pelo menos até o momento em que a produção de progesterona é transferida para a placenta para levar a gestação a termo. Carnívoros Na cadela não é necessário o reconhecimento da gestação, já que normalmente o corpo lúteo tem uma vida média maior que a duração da gestação. Como na égua, a migração dos embriões através do útero antes da implantação pode favorecer o reconhecimento materno. Adicionalmente, tem sido descrito que durante o período antes da implantação (< 10 dias depois da ovulação), há um aumento na expressão de genes relacionados com a imunomodulação local (IFN-γ, IL-4 e CD8+), que não estão presentes em cadelas durante o diestro. A produção de IFN-γ por parte do embrião canino, como em outras espécies, pode estar envolvida na implantação ou o reconheci- mento da gestação, mas até o momento não foi demonstrado de forma inequívoca. Na gata doméstica, o fator que favorece o reconhecimento materno da gestação ainda não foi descrito. Temos que lembrar que seja qual for o mecanismo envolvido, a produção do sinal embrionário de reconhecimento materno da gestação é importante, já que a contínua presença de progesterona na circulação materna, faz possível que ocorra o desenvolvimento precoce do embrião e eventualmente a implantação, com a formação do órgão temporal mais importante para o desenvolvimento fetal: a placenta. Resumindo, o sinal enviado pelo embrião deve ser dado antes do útero começar a secretar PGF2a, hormônio que causa a destruição do corpo lúteo produtor da progesterona necessária para a gestação. O embrião deve secretar algumas substâncias (denominadas EPF: Early Pregnant Factors/fatores de gestação precoce) que capte o endométrio materno e sirva para evitar a ação luteolítica da PGF2a. Na porca, em vez de ser evitada a secreção de PGF2a, o referido hormônio é “sequestrado na luz do útero” e, desta forma, passa a secretar-se em forma exócrina, sem ter efeito sobre o corpo lúteo. No bovino, o reconhecimento materno da gestação é o processo fisiológico no qual o embrião, por meio de sinais moleculares como a secreção de interferon-τ (IFN-τ), anuncia sua presença no trato reprodutivo materno a fim de evitar que seja desencadeado o mecanismo luteolítico exercido pela PGF2a sobre o corpo lúteo. PLACENTAÇÃO Nos mamíferos domésticos, o processo de implantação é gradual e prolongado, e ocorre paralelamente a processos como a gastrulação e a formação de membranas extra- embrionárias: saco vitelino, âmnio, alantóides e córion. A formação das membranas extraembrionárias nos mamíferos eutérios, ou seja, aqueles que formam uma placenta completa, é um processo indispensável que permite ao embrião aderir-se ou implantar-se ao endométrio materno. As quatro membranas extraembrionárias mencionadas são formadas a partir do trofoblasto, mesoderme e endoderme embrionários. O saco vitelino fornece nutrientes no desenvolvimento inicial do embrião e se converte em vestigial quando a gestação progride; tem origem no endoderma primitivo, estrutura que junta com o trofoblasto e o mesoderma, formam o córion e âmnions. O âmnion contém o líquido amniótico que está em contato direto com o embrião e é a membrana mais interna; ademais, protege o feto, proporciona lubrificação para o parto e serve como um depósito para urina e resíduos fetais. O córion, por outro lado, é a membrana mais externa do embrião e, portanto, é a que entra em contato direto com o endométrio uterino materno; se fixa ao útero, absorve nutrientes do útero, permite a troca gasosa materno/fetal e produz hormônios. O alantóide se origina de uma evaginação do intestino primitivo e é de onde surge o sistema vascular da placenta fetal; a fusão com o córion (placenta cotiledonária), carrega os vasos sanguíneos do cordão umbilical, que liga o feto com o alantóide e é um reservatório de nutrientes e resíduos. Conforme o embrião se desenvolve, o saco vitelino regride e o alantóide se enche de líquido, pelo que este último se funde com o córion para formar o corioalantóides, que se torna a membrana mais externa e, portanto, a porção fetal do placenta. A placenta é um órgão temporário que representa uma interface através da qual realiza a troca bidirecional de nutrientes, gases, hormônios e outras substâncias entre a mãe e o feto. A unidade funcional da placenta são as vilosidades corioalantóicas, as quais são projeções pequenas dos corioalantóides que se interdigitam com o endométrio uterino, cuja superfície de absorção permite essa troca. A placenta é um órgão endócrino capaz de produzir uma gama de hormônios que ajudam a controlar o ambiente uterino, favorecendo o desenvolvimento do feto, além disso possui um papel importante no momento do parto. Nas diferentes espécies a placenta tem características particulares, pelo qual existem várias classificações, de acordo com a sua posição uterina, a distribuição das vilosidades corioalantóicas e a sua histologia. Posição uterina Refere-se à posição do concepto em relação ao lúmen uterino (figura 7). Central: O concepto ao ser implantado permanece em contato com o lúmen do útero. A maioria das espécies domésticas de importância veterinária estão dentro desta classificação. Excêntrica: O concepto penetra parcialmente o endométrio materno, mas mantém um certo contato com o lúmen uterino. Os roedores (ratos e ratos) e a coelha possuem este tipo de placentação. Intersticial: O embrião invade o endométrio, perde contato com o lúmen uterino, e ao crescer o lúmen uterino se oblitera. Os humanos e a maioria dos primatas mostram este tipo de placenta. Distribuição das vilosidades As vilosidades que formam a interface materno-fetal podem estar distribuídas de maneira diferente ao longo da superfície dos corioalantóides, pelo qual a placenta pode ser classificada como (figura 8): Difusa: Neste tipo de placenta as vilosidades estão distribuídas ao comprimento de toda a superfície do córion (corioalantóides) de maneira uniforme. As placentas de suínos e equinos se enquadram nesta classificação, embora, nesta última espécie, as vilosidades formem estruturas mais ramificadas, que são chamadas microcotilédones (figura 10). Zonal: Esta placenta se apresenta nos carnívoros domésticos, tanto caninos como felinos. As vilosidades que determinam a zona de troca de nutrientes e resíduos, e de ligação com o endométrio são delimitadas de forma a formar uma cintura central em torno do feto (figura 9). Distingue-se também uma segunda região chamada paraplacenta, que se localiza em ambos lados deste “cinto”, e do qual a função não é inteiramente conhecida, embora sabe-se que desempenha um papel importante na troca de ferro da mãe para o feto. As extremidades laterais dos corioalantóides nestas placentas não possuem vilosidades por isso não se ligam ao endométrio. Uma terceira região é a zona transparente nas extremidades distais do córion que tem pouca vascularização. Esta zona pode estar envolvida na absorção de materiais diretamente do lúmen uterino (figura 11). Cotiledonária: É o tipo de placentação que se encontra presente nos ruminantes (ovinos, caprinos e bovinos). As vilosidades coriônicas nestas espécies são agrupadas em pequenas áreas do córion chamadas cotilédones, que se interdigitam e fundem-se parcialmente com locais delimitados no endométrio chamados carúnculas, formando, em conjunto, estruturas conhecidas como placentomas. Cabe destacar que as carúnculas carecem de glândulas endometriais, que só estão presentes nas porções inter-carun- culares do endométrio. Os placentomas, por sua vez, são altamente vascularizados e são remodelados com o progresso da gestação, ramificando-se para aumentar a superfície de troca e o fluxo sanguíneo para aumentar os requisitos do feto em crescimento. Nas zonas inter-carunculares, a placenta é ligada ao endométrio por meio de sistemas de adesão superficial que envolvem glicoproteínas. Acredita-se que a adesão do concepto com o endométrio (carúnculas) é estabelecida em torno de 30 dias em ovinos e 40 dias em bovinos. (figuras 13 a 17). Discoidal: Nestas placentas, as vilosidades agrupam-se numa área circular ou oval, formando uma estrutura discoidal. Este tipo de placenta é encontrada principal- mente em coelhas, roedores e primatas, incluindo os humanos. Histologicamente Esta classificação considera o número de camadas de tecido que compõem a placenta e que separam a circulação materna da circulação fetal (tabela 3). O número máximo é de seis camadas, três do lado fetal (córion, tecido intersticial e endotélio do vaso sanguíneo) e três do lado materno (epitélio endometrial, tecido intersticial e endotélio vascular) (figura 19 e tabela 3). O modo de distinguir e nomear os diferentes tipos de placenta nesta classificação é usando como prefixo a camada materna que está em contato com o córion fetal. As diferentes placentas baseados em sua histologia são as seguintes (figura 19): Epiteliocorial: É o menos íntimo entre os tipos de placentas (figura 20). Estas placentas conservam intactas as seis camadas de tecido, portanto que mantêm as circulações materna e fetal mais separadas, e consideradas como as mais impermeáveis. Este tipo de placenta está presente na porca e égua. Lembre-se de que as placentas da porca e da égua são diferentes e as vilosidades ocupam uma grande proporção da área de superfície do córion (figura 19 A). Também apresenta-se nos ruminantes, no entanto, as placentas dos ruminantes apresentam algumas características particulares que as colocam como um subgrupo e se chamam sinepiteliocorial ou sindesmocorial (figura 19 B). Na vaca, este tipo apresenta-se nos primeiros 2-3 meses de gestação. Além da característica de erosão parcial do epitélio endometrial, um tipo de célula único é encontrado na placenta de ruminantes. Essas células são chamadas células gigantes binucleadas. Como o nome indica, elas são caracterizadas como bastante grandes e com dois núcleos. Na placenta dos ruminantes, algumas células do epitélio coriônico conhecidas como células binucleadas, se fundem com algumas células do epitélio endometrial, criando inicialmente células gigantes trinucleadas e mais tarde placas ou sincícios multinucleados. Estes sincícios têm em consequência uma origem tanto fetal como materna, que criam lugares delimitados nos quais em vez de existir intacta uma camada de epitélio coriônico e outra de epitélio endometrial, encontra-se uma só camada que combina as duas origens. As células gigantes binucleadas migram e mudam seu número ao longo da gestação em forma dinâmica. Este tipo celular é importante porque secretam uma variedade de hormônios. Células gigantes binucleadas aparecem por volta do dia 14 na ovelha e entre os dias 18 e 20 na vaca. Endoteliocorial: 5 camadas. Neste tipo de placentação o córion fetal está em contato direto com o endotélio vascular do endométrio graças à erosão do epitélio e do tecido conectivo endometrial (tecido intersticial) durante a implantação (figura 19 C). De modo que o intercâmbio de substâncias e resíduos só requer atravessar quatro camadas de tecidos. Este tipo de placenta é presente principalmente em cães e felinos. Nota-se nas figuras 19 C e 21 que este tipo de placenta é mais íntimo do que a placenta epiteliocorial porque o epitélio endometrial não existe mais. Hemocorial: 3 camadas (figura 22). Aqui o epitélio coriônico está intacto e entra em contato direto com o sangue materno em regiões onde formam reservatórios de sangue semelhantes a poços (figura 19 D). O intercâmbio de substâncias e resíduos entre a mãe e o feto é mais direto uma vez que é necessário atravessar apenas três camadas para chegar até à circulação fetal. Algumas espécies de primatas, incluindo o ser humano e os roedores possuem este tipo de placentação. MEMBRANAS EXTRAEMBRIONÁRIAS EM AVES Ao mesmo tempo que se estabelece o corpo embrionário e os esboços de cada um dos órgãos começam a gerar-se, torna-se imperioso garantir a sobrevivência do embrião. Tenha-se em conta que nas aves todo o necessário para o desenvolvimento é encontrado no ovo pelo que deve-se reforçar a eficácia das estruturas criadas para garantir o objetivo a que se destina. O exterior é fornecido apenas com o O2; emite CO2 e vapor de água no exterior (perda de 15% da água durante a incubação inicial). Além disso, o neonato não é imaturo, como nos anfíbios, mas está em um estádio maduro juvenil. Como indicado, são quatro as problemáticas a que deve fazer frente o embrião: prover-se de um meio que garanta o desenvolvimento volumétrico, amortecendo os movimentos físicos excessivos que possam traumatizá-lo e evitar a dessecação; assegurar que os nutrientes (vitelo e albúmen) sejam incorporados de forma correta no interior do embrião; assegurar o intercâmbio de gases; e eliminar substâncias tóxicas derivadas do metabolismo proteico. Para atender estas necessidades são desenvolvidas uma série de membranas extrambrionárias que se vão expandindo progressivamente pelo interior do ovo. A dureza da casca e sua relativa impermeabilidade protege-o igualmente da intempérie terrestre. -/- Figura 23: Evolução das membranas extraembrionárias de galinha (3 e 10 dias de incubação). -/- Saco vitelino: o saco vitelino é a primeira membrana extraembrionária em formação. Aparece como consequência direta da gastrulação: as camadas germinativas que se formam ao nível do disco embrionário expandem-se progressivamente contornando o vitelo. Assim, as células provenientes da área opaca (equivalente ao trofoblasto dos mamíferos) migram sobre o vitelo, terminando quase por cobrir, o mesmo ocorre com o endoderma mais internamente, formando-se assim um saco bilaminar. Posteriormente, o mesoderma se interpõe entre ambos, progredindo igualmente no sentido distal, rodeando o endoderma e aderindo-se ao mesmo e ao equivalente de trofoblasto. Ao estabelecer-se o celoma, o saco é constituído pelo endoderma e folha esplâncnica do mesoderma lateral. Este mesoderma vai progredindo no sentido distal e se vasculariza profunda- mente; os vasos distais se anastomosam formando um anel vascular denominado seio terminal, que marca o limite do mesoderma em expansão. Assim, sobre o vitelo é distinguível um área distal não vascularizada (área vitelina) e uma área proximal vascularizada (área vasculosa) que vai ficando progressivamente maior. Ao sexto dia de incubação mais da metade da superfície do vitelo foi envolvido pelo mesoderma. Os nutrientes do vitelo são absorvidos e desdobrados a componentes mais simples por enzimas produzidas pelo endoderma, sendo incorporados aos vasos vitelinos que os veicularão até o coração, que os impulsionará a todo o embrião. Durante a fase embrionária (até ao sexto dia de incubação), o oxigênio do exterior chega até a área vasculosa por difusão, incorporando-se daqui ao embrião; além disso, durante a primeira semana, as alterações na composição e volume do vitelo fazem que se disponha flutuando sobre o albúmen, o que faz com que a área vasculosa fique em contato com a casca, favorecendo-se assim a respiração. O intestino primitivo se instaura a partir das porções mais proximais do saco vitelino à vez que o corpo é fechado (2º-3º dia). O saco vitelino vai regredindo à medida que se vão esgotando os nutrientes do vitelo que aloja. Pouco antes do nascimento é incorporado à cavidade corporal como divertículo vitelino que fica unido ao jejuno; o divertículo vitelino persiste até seis dias após o nascimento, constituindo uma fonte adicional de nutrientes. -/- Figura 24: Feto de galinho ao fim, perto de ser eclodido. -/- mnios: no segundo dia (-30 horas) de incubação se formam as dobras amnióticas na somatopleura extraembrionária, perto do disco embrionário. Progridem dorsalmente, terminando por convergir e fundir-se cerca de 72 horas de incubação, coincidindo com o fechamento corporal, assim sendo constituído o âmnios, que terminará perdendo todo o contato com o córion. A cavidade amniótica que limita está cheia de um líquido seroso que garante que o embrião seja desenvolvido em um meio aquoso; este líquido é secretado pelo âmnios, mas também composto por substâncias formadas pelos rins, cavidade oral e aparelho respiratório. Córion: após a formação do celoma e o estabelecimento e fusão das dobras amnióticas, a parte da somatopleura extraembrionária que fica mais periférica constitui o córion (também denominado serosa nas aves); permanece formada pela área opaca expandida e mesoderma somático. Progressivamente vai aderindo-se à membrana testácea interna deslocando o albúmen; sobre o dia 12 termina por cobrir toda a superfície interna da casca. Intervém na troca gasosa com o meio ambiente através dos poros da casca e na captação do cálcio desta. Alantóides: o alantóide inicia a sua formação no dia 3 de incubação. Cresce rapidamente, ocupando o espaço exocelômico, terminando por cobrir o âmnios e saco vitelino. Progressivamente, entre os dias 4 a 10, sua parte mais externa se funde com o córion, formando-se o alantocórion, membrana trilaminar que cobrirá a superfície interna da casca, aderindo-se à membrana testácea interna, cujo mesoderma (esplâncnico) se vasculariza intensamente. A partir do dia 7 substitui completamente a área vasculosa como órgão respiratório, sendo garantido o aumento gradual das necessidades de troca gasosa na fase fetal do desenvolvimento (desde o dia 8), de rápido crescimento. A capacidade de capilarização desta membrana é muito maior do que a do saco vitelino. Na cavidade alantóica acumula-se a urina produzida pelos rins, afastando os produtos tóxicos do embrião; a membrana também age sobre este fluido intervindo na manutenção do equilíbrio hídrico e mineral do embrião. -/- Figura 25: Formação do saco vitelino. Limite entre a área vascular e avascular. Seio terminal. -/- O albúmen perde água rapidamente e torna-se menos volumoso e mais viscoso, terminando por desaparecer progressivamente. A ligação do alantocórion à membrana testácea interna faz com que seja marginalizado para uma posição periférica, no polo agudo do ovo. Aqui, o alantocórion que o rodeia constitui o saco do albúmen. O albúmen é a principal fonte de água e proteínas. A água é incorporada ao vitelo, o que, ao tornar-se mais volumoso, provoca que, entre os dias 3 e 4, se rompa a membrana vitelina; apenas restos mortais devem permanecer entre o saco vitelino e o albúmen. Dentro do saco vitelino, a água se acumula principalmente sob o embrião -fluido subembrionário-; este fluido atinge o seu volume máximo (15 ml) no dia 6. As proteínas serão incorporadas principalmente a partir de no dia 12, seja através do saco vitelino, do saco do albúmen ou por ingestão de líquido amniótico, dada a comunicação seroamniótica que se estabelece. Na galinha, a eclosão ocorre aos 21 dias de incubação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -/- Anotações de aulas de Embriologia Básica, Prof. Dr. Edson João da Silva, UFRPE, 2021. BAZER, Fuller W. et al. Novel pathways for implantation and establishment and maintenance of pregnancy in mammals. MHR: Basic science of reproductive medicine, v. 16, n. 3, p. 135-152, 2009. CARTER, Anthony M. Evolution of placental function in mammals: the molecular basis of gas and nutrient transfer, hormone secretion, and immune responses. Physiological Reviews, 2012. CARTER, A. M.; ENDERS, A. C. Placentation in mammals: Definitive placenta, yolk sac, and paraplacenta. Theriogenology, v. 86, n. 1, p. 278-287, 2016. CONSTANTINESCU, G.M.; SCHATTEN, H. Comparative reproductive biology. Carlton: Blackwell Publishing, 2007. 402p. Avicultura: Formação do Ovo. Desenvolvimento Embrionário e Diferenciação Sexual nos Animais Domésticos. Disponível em:. Acesso em: Dezembro de 2021. Diferenciação e Determinação Sexual dos Animais. Fisiologia do Ciclo Estral dos Animais Domésticos. Emanuel Isaque Cordeiro da Silva, 2021. Manejo na Avicultura: Postura, Iluminação e Incubação dos Ovos. Transporte de Gametas, Fertilização e Segmentação. FERRER‐VAQUER, Anna; HADJANTONAKIS, Anna‐Katerina. Birth defects associated with perturbations in preimplantation, gastrulation, and axis extension: from conjoined twinning to caudal dysgenesis. Wiley Interdisciplinary Reviews: Developmental Biology, v. 2, n. 4, p. 427-442, 2013. GALINA, Carlos; VALENCIA, Javier. Reproducción de los animales domésticos. 2006. GEISERT, Rodney D.; SPENCER, Thomas E. Placentation in Mammals. Springer, 2021. GINTHER, O. J. Reproductive Biology of The mare: Basic and Applied Aspects. 2. ed. Cross Plains, Wisconsin: Equiservices, 1992. GUILLOMOT, Michel. Cellular interactions during implantation in domestic ruminants. Journal of Reproduction and Fertility-Supplements only, n. 49, p. 39-52, 1995. 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Defina e caracterize os meios de reconhecimento materno da gestação (RMG) nos animais domésticos. -/- 6. O que diferencia o RMG em ruminantes e suínos? -/- 7. Qual o papel do estradiol no RMG em porcas? O que ocorre quando a porca não fica gestante? -/- 8. Explique o RMG em cães e gatos. -/- 9. Defina placentação e sua importância para a reprodução dos animais domésticos. -/- 10. Quais são as classificações da placentação? Classifique a placentação das fêmeas domésticas. -/- 11. Caracterize e diferencie o processo de placentação em fêmeas domésticas. -/- 12. Observe a figura e responda o que se pede:. (shrink)
UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO DEPARTAMENTO DE ZOOTECNIA – 50 ANOS EMANUEL ISAQUE CORDEIRO DA SILVA REPRODUÇÃO ANIMAL: OVULAÇÃO, CONTROLE E SINCRONIZAÇÃO -/- REPRODUÇÃO ANIMAL: OVULAÇÃO, CONTROLE E SINCRONIZAÇÃO DO CICLO ESTRAL -/- ANIMAL REPRODUCTION: OVULATION, CONTROL AND SYNCHRONIZATION OF THE ESTRAL CYCLE -/- Autor: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – IFPE-BJ/CAP-UFPE/EEFCC-BJ/UFRPE 1. INTRODUÇÃO As fêmeas dos animais domésticos possuem em seus ovários, desde praticamente o nascimento, a dotação completa de gametas dos quais vão dispor para o resto (...) de sua vida. No entanto, terão que esperar até a puberdade para que se produza a evolução completa dos folículos (foliculogênese) que darão como resultado as primeiras ovulações. Este momento caracteriza-se, por um lado, pelo início gradual da secreção por parte da hipófise de quantidades importantes de hormonas gonadotropinas (hormonas folículo estimulante «FSH» e sobretudo luteinizante «LH»); por outro lado, pelo aumento da capacidade dos seus ovários para responder a estas secreções. A partir daí, o aparelho reprodutor feminino das fêmeas domésticas deve apresentar, durante todo o período de atividade sexual, alterações morfológicas, endócrinas e fisiológicas, que devem ser repetidas sequencialmente e periodicamente, consoante com a duração e a frequência do ciclo estral característico de cada espécie animal, assegurando assim a liberação de um ou mais ovócitos férteis nos ciclos estrais correspondentes. -/- 2. EVOLUÇÃO DO OVÓCITO E DOS FOLÍCULOS OVÁRICOS O ovário constitui um órgão de armazenamento de ovócitos formados durante a vida fetal ou após o nascimento, os quais permanecerão «latentes», num estado de imaturidade, paralisando a sua atividade de desenvolvimento e crescimento após o processo de mitose pelo qual as células germinativas ou ovogonias evoluem para ovócitos primários. Estes ovócitos devem ser rodeados por células foliculares para alcançar sua maturação e posterior ovulação, constituindo-se, desta maneira, os folículos. Estes últimos, que se localizam no parênquima ovárico, sofrem uma série de mudanças evolutivas que os fazem passar de folículos primordiais (constituídos por um ovócito rodeado de células planas) a folículos maduros ou de Graaf, passando pelos estágios primário, secundário e terciários. A estrutura do ovário e a terminologia correspondente, bem como a sua fisiologia, já foram tratados em trabalhos anteriores. Basicamente, o folículo maduro ou de Graaf, que ressalta já na superfície ovariana como se tratasse de uma pequena vesícula cheia de líquido, encontra-se constituído, no caso dos mamíferos, pelas tecas externa e interna, a folha basal, o ovócito e o seu núcleo ou vesícula germinativa e um acúmulo de células da granulosa chamado cumulus. O antro-folicular ou cavidade intrafolicular formada durante o estágio de folículo terciário possui no seu interior um líquido cuja composição provém do plasma sanguíneo. Por outro lado, o ovócito, que desde a constituição da reserva de folículos primordiais se encontrava em estado de ovócito primário, começa a aumentar de volume (durante a fase de evolução do folículo terciário a folículo maduro) e a cobrir-se de uma membrana celular denominada zona pelúcida. Nos momentos que precedem imediatamente à ovulação reativa-se a meiose, liberando-se o primeiro corpúsculo polar e convertendo-se o ovócito em secundário. Produzida a ovulação retoma-se de novo a meiose, que tinha permanecido em repouso, e depois de ocorrer a fecundação libera-se o segundo corpúsculo polar, passando a ser uma ovotida ou óvulo maduro. -/- 3. A OVULAÇÃO Acabado o crescimento, o folículo maduro ou de Graaf é capaz de responder à descarga pré-ovulatória de gonadotropinas (LH e em menor medida FSH) de tal forma que se produza uma reestruturação completa do mesmo e a subsequente liberação de um ovócito fértil através de um pequeno orifício (estigma) produzido no ponto de ruptura da sua parede celular e das camadas celulares mais superficiais do córtex ovárico, cuja espessura, neste momento, é muito reduzida. No momento da ovulação tanto o líquido folicular como o ovócito são projetados, entre outras causas, pela contração da musculatura lisa que rodeia os folículos para a cavidade peritoneal caindo perto das fimbrias do oviduto ou trompas de Falópio. Esta expulsão, no caso das vacas e ovelhas, ocorre sob a forma de um fluxo fluido, enquanto na coelha ocorre sob a forma de um jato súbito ou de um processo explosivo. No caso da égua, a estrutura dos seus ovários difere das outras fêmeas domésticas, no sentido em que a zona vascular se localiza superficialmente e os folículos se distribuem no interior do ovário. Ao mesmo tempo, a ovulação ocorre unicamente num determinado ponto denominado fossa de ovulação. Por tudo isso, durante a foliculogênese, os folículos vão migrando para a fossa de ovulação, chegando em algumas ocasiões a ficarem presos no interior do ovário, não conseguindo desenvolver-se nem evolucionar (folículo cístico) e que, ao apresentar uma secreção contínua de estrogênios, produz na fêmea um estado de cio permanente ou ninfomania. Nas espécies cuja ovulação é espontânea, o processo supra ocorre periódica e sequencialmente em todos os ciclos estrais com um intervalo conhecido a partir do início do estro ou, no caso da vaca, após o término deste (tabela 1). Por outro lado, nas espécies de ovulação induzida (coelha, gata e fêmeas de furão e camelo) esta ocorre pouco depois de realizado o coito. Nestas espécies, o estímulo coital, favorecido pelas espículas localizadas no pênis do macho, determina por via eferente nervosa a liberação hipotalâmica de GnRH, que em poucos minutos depois provoca a secreção adeno-hepática de LH, que por via sistêmica alcança os folículos, desencadeando os processos fisiológicos que conduzem à ovulação. Tabela 1: Parâmetros que definem o ciclo sexual e tipo de ovulação de algumas espécies domésticas (adaptado e elaborado a partir de DUKES, et. al. 1996). -/- Espécie Duração do ciclo estral Atividade sexual Tipo de ovulação E/I N° de ovócitos Duração do estro Momento da ovulação Vaca 21 dias Poliéstrica contínua E 1 18 horas 11 horas após o final do estro Ovelha 17 dias Poliéstrica estacional E 1-3 29 horas Ao final do estro Porca 21 dias Poliéstrica contínua E 11-24 45 horas 24-36 horas do começo do estro Égua 21 dias Poliéstrica estacional E 1 6 dias 24-48 horas antes do final do cio Cabra 20 dias Poliéstrica estacional E 1-3 40 horas 33 horas do começo do estro Cadela 9 dias Monoéstrica a cada 4-8 E — 7-9 dias 3-4 dias do começo do estro Gata 5 dias Poliéstrica estacional I 3-4 4 dias 27 horas postcoito Coelha 16 dias Poliéstrica I 4-12 Não definida 10 horas postcoito -/- Dado que a vida fértil dos ovócitos, uma vez produzida a ovulação, raramente ultrapassa as 10-12 horas, é importante, sobretudo quando se realiza inseminação artificial ou monta dirigida, determinar, a partir da presença dos sintomas de cio, o período de tempo durante o qual a fertilização numa exploração específica será efetuada, evitando-se assim uma redução da fecundidade. 3.1 Ovulação simples e múltipla Em algumas ocasiões, dependendo da espécie (ver tab. 1), são vários os folículos que apresentam uma evolução completa, chegando a possuir nas células da granulosa receptores de LH, com o qual realiza-se a descarga ovulante de gonadotropinas e produz-se uma ovulação múltipla ou multiovulação, sendo, neste caso, libertados vários ovócitos férteis. No esquema abaixo, observa-se os processos de recrutamento, seleção e dominação da espécie ovina, a partir dos quais um ou vários folículos em crescimento chegam a ovular, bem como a influência das gonadotropinas FSH e LH em cada uma destas fases. Independentemente da influência genética, manifestada pelas diferenças entre espécies, raças e mesmo estirpes, os processos que determinam que entre um grupo de folículos em crescimento sejam um ou vários deles que cheguem a ovular englobam-se sob os termos de recrutamento, seleção e dominação folicular (fig. 1). -/- Figura 1. Recrutamento, seleção e dominação folicular na espécie ovina e influência do FSH e LH nas fases. SILVA, 2019. O recrutamento é definido como a entrada em crescimento terminal de um grupo de folículos gonadodependentes, ou seja, que dentre os folículos em crescimento que existem no reservatório ovariano iniciarão seu crescimento terminal aqueles que possuem receptores à FSH (a partir do estágio primário já os possuem) e tenham igualmente atingido um tamanho determinado, que varia entre as diferentes espécies (2 mm Ø em ovelhas). Geralmente o número de folículos recrutados é duas ou três vezes superior ao número de folículos ovulados. O recrutamento no caso da ovelha ocorre três dias antes da ovulação sob a regressão do corpo lúteo e aumento de FSH. A seleção é caracterizada porque entre os folículos recrutados um ou vários folículos continuam a aumentar de tamanho, enquanto o resto se torna atrésico. No caso da ovelha, o tamanho do folículo no momento da seleção corresponde ao tamanho em que aparecem os receptores de LH sobre a granulosa (folículo terciário) ou quando, como se verá posteriormente, a aromatização de andrógenos em estrogênios é máxima. Por outro lado, a produção de inibina (hormônio gonodal não esteroide) é igualmente elevada. A interação destes dois fatores de retroalimentação (estrogénios e inibina) para a secreção de FSH provoca uma redução dos níveis desta hormona, facilitando a seleção: neste contexto, verificou-se que a injeção de FSH em ovinos bloqueia a seleção produzindo, com efeito, uma multiovulação. No caso da vaca, poderia existir um segundo mecanismo regulador: o folículo maior poderia secretar, em um momento da seleção, um composto de ação parácrina, diminuindo a resposta de outros folículos à ação dos níveis existentes de FSH. A dominância que produz os folículos selecionados está associada com a regressão ou atresia de outros folículos recrutados e com a inibição do recrutamento de novos folículos. Embora os níveis de FSH diminuam, os folículos dominantes persistem porque reduzem suas necessidades em FSH. Esta adaptação a meios mais pobres em FSH poderia explicar-se, entre outras causas, pela ampliação da resposta a esses níveis baixos em FSH graças à produção de IGFI (Insulin Like Growth Factor l), no caso da ovelha, pelo folículo dominante. O IGFI estimula a aromatização dos androgênios em estrogênios e, por sua vez, o estradiol estimula a produção de IGFI nas células granulosas, tornando-a ao mesmo tempo mais sensível ao IGFI. Este laço formado pelo estradiol e IGFI pode desempenhar um papel importante na produção do folículo dominante do estradiol. -/- 4. MECANISMOS NEUROENDÓCRINOS QUE CONDUZEM À OVULAÇÃO A ovulação, propriamente dita, pode ser um bom ponto de partida para explicar os mecanismos neuroendócrinos que se sucedem para alcançar, no próximo ciclo estral, uma nova ovulação. Imediatamente após a ocorrência da ovulação, forma-se um coágulo de sangue no interior do folículo em consequência da hemorragia causada pela ruptura celular (folículo hemorrágico) e que servirá de substrato para o crescimento das células granulosas. Em seguida, as células da granulosa hipertrofiam e proliferam rapidamente, acumulando lipídios e pigmentos carotenoides (luteína) que lhe conferem uma cor amarelada (corpo lúteo). Esta estrutura formada, sob a ação do LH e também da prolactina, começa a produzir progesterona, a qual além de preparar o aparelho reprodutor para uma possível gestação inibe, a nível da hipófise, a secreção cíclica de LH, impedindo assim novas ovulações. À medida que os níveis de progesterona diminuem devido à regressão do corpo lúteo sob a ação da PGF2a (prostaglandina 2a), vários folículos começam seu crescimento sob a ação dos níveis de FSH (cada vez maiores), atingindo o seu crescimento final na fase folicular. Alcançado o estado de terciário, as células da teca interna do folículo, estimuladas pela secreção tônica do LH liberada pela hipófise em pequenas ondas (sem chegar a atingir a quantidade que provoca a ovulação), sintetizam a partir do colesterol, passando por alguns passos intermediários, testosterona, que é depois aromatizada a estradiol sob a ação do FSH pelas células da granulosa (fig. 2). A prolactina, juntamente com o FSH, também influencia o crescimento e a maturação dos folículos, bem como a produção de estrogênios. À medida que avança o crescimento e maturação dos folículos, a concentração de estradiol aumenta (os folículos que em um momento da evolução se tornam atrésicos aportam também uma quantidade importante de estradiol), sendo máxima nos momentos imediatos à ovulação (fig. 3). Este aumento, sustentado na taxa circulante de estrogênios, é a responsável pelo aparecimento do cio nas fêmeas, cujo final, geralmente, exerce um efeito feedback positivo sobre o eixo hipotálamo-hipofisário induzindo o pico pré-ovulatório de LH (e também FSH), que conduz a nova ovulação. Figura 2. Processo de aromatização dos andrógenos em estrógenos. (Adaptado e elaborado a partir de ILLERA, 1994). -/- Figura 3. Crescimento prático folicular, e níveis de progesterona e 17 estradiol (a) e FSH e LH (b), durante o ciclo estral da ovelha. (Elaborado a partir de DURÁN DEL CAMPO, 1980). Nota importante: a ovulação em algumas espécies não é acompanhada do cio (ovulações silentes ou silenciosas), sobretudo nas primeiras ovulações da puberdade e após o anestro estacionário, devido a produção nula da estimulação prévia da progesterona. Embora citado anteriormente que o crescimento folicular começa no final da fase lútea no caso da vaca, a ovelha e a égua, a população de folículos ovulatórios se renova ao longo do ciclo estral, produzindo-se um crescimento e regressão dos folículos, denominado onda folicular. Nestas ondas, que também podem ocorrer durante o período pré-púbere, anestro estacionário e pós-parto, os folículos são receptores à descarga de LH, no entanto, a sua capacidade de produzir estradiol é muito limitada devido a uma deficiência de precursores em tecas ou a uma inadequação da aromatização dos androgênios em estrogênios, com o qual não se atinge a quantidade de estrogênios necessários para produzir a ativação nervosa necessária para a liberação cíclica de LH. Do ponto de vista prático, o conhecimento dos mecanismos neuroendócrinos que se sucedem durante o ciclo estral e que conduzem à ovulação, bem como a sua possível regulação mediante técnicas culturais ou tratamentos hormonais, é de vital importância quando o que se pretende é realizar um controle e sincronização tanto do cio quanto da ovulação. -/- 5. ALTERAÇÕES MORFOLÓGICAS ASSOCIADAS À OVULAÇÃO Nos momentos prévios à ovulação, o folículo ovulatório experimenta uma série de mudanças morfológicas e histológicas regulamentadas endocrinamente e cuja finalidade será a modificação da estrutura do folículo, facilitando a liberação do ovócito fértil. Logo após a descarga pré-ovulatória, ocorre um aumento do fluxo sanguíneo associado a um acúmulo de sangue que dependerá, entre outros, da prostaglandina E2 (PGF2) secretada pelas células granulosas. A teca externa é edemaciada pela difusão do plasma sanguíneo e o volume do antro folicular aumenta pela atração de água exercida pelo ácido hialurônico secretado pelas células do cumulus sob a ação do FSH/LH. Este aumento de volume é facilitado pela dissociação dos feixes de fibras de colágeno da teca externa e da túnica albugínea sob a ação de duas enzimas: a colagenase e a plasmina. A plasmina age em primeiro lugar e aparece como resultado da produção de ativadores do plasminogênio pelas células da granulosa e do cumulus; sua atividade é máxima no ápice do folículo dissociando a matriz proteica dos feixes de fibras de colágeno e ativando o precursor da colagenase. Além disso, a atividade da colagenase é máxima no momento da ruptura do folículo. A maioria das células da granulosa que estão fixadas na lâmina basal se soltam, perdem sua união em colônia e deixam de se dividir (fig. 4). As ligações que as ligavam desaparecem, mas a sua dissociação não é completa devido, provavelmente, à produção local de inibidores da colagenase. As células do cumulus sofrem as mesmas transformações, mas a sua dissociação é total porque estas secretam ácido hialurônico. No entanto, as células que asseguraram, desde o início do crescimento folicular, a ligação entre a granulosa e o ovócito permanecem durante um período mais ou menos longo, ligadas à coroa radiada. Figura 4. Estado de um folículo pouco antes da ovulação. DRIANCOURT, et al. 1991. Pouco antes da ovulação, a lâmina basal desaparece de seu lugar, ocorre uma individualização dos vasos sanguíneos e as células da teca interna penetram no folículo. No ápice do folículo, produz-se uma deficiência na irrigação sanguínea e, portanto, de oxigênio, o que faz com que as células do epitélio ovariano morram. As hidrolases, que nesse momento são liberadas, contribuem para a destruição completa dos tecidos subjacentes. Em definitivo, é o conjunto de fatos comentado supra que conduzem à ruptura do ápice do folículo e provocam um aumento da pressão hidrostática que se traduz em uma contração do folículo expulsando o ovócito e as células da coroa radiada. -/- 6. CONTROLE, SINCRONIZAÇÃO E INDUÇÃO DA OVULAÇÃO 6.1 Introdução O controle e a sincronização da ovulação se situa dentro de um contexto muito mais amplo como é o controle da reprodução, entendendo como tal o governo dos elementos manipuláveis do processo reprodutivo. No âmbito do controle da reprodução, existem muitos objetivos, entre os quais a indução da puberdade, a cobertura em época de anestro, aumento da prolificidade, entre outras. Além disso, o controle da reprodução é necessário para a utilização de determinadas técnicas, como a inseminação artificial ou a transferência de embriões. Com efeito, e consoante com o objetivo pretendido, poderão ser utilizadas diferentes técnicas e métodos, tais como os tratamentos hormonais, o efeito macho, a alimentação (Flushing) e os cruzamentos, tudo isso, por sua vez, empregado nos esquemas de seleção. Neste sentido e como passo prévio à sincronização e indução da ovulação, em muitas ocasiões se realiza também um controle e sincronização do cio. Este último, além de permitir que o criador regule o momento do estro e da cobrição, podendo em algumas espécies suprimir o anestro estacionário, permite que os animais se agrupem em lotes homogêneos e assim poder alimentá-los com as dietas adequadas segundo o estado de gestação, atender os partos e assim diminuir a mortalidade neonatal, programar os desmames e engordar os animais para, por fim, vender os animais por lotes. Na sincronização do cio o que se pretende é atuar sobre o intervalo entre a fase folicular e a fase luteica, modificando, portanto, a duração do ciclo estral (fig. 5). Figura 5. Representação dos métodos de sincronização do ciclo estral: (a) duração normal das fases luteica e folicular: (b) fase luteica cortada: (c) extensão da fase luteica. HUNTER, 1987. Para alcançar esse objetivo, os criadores podem adotar dois métodos: a) Induzindo a regressão do corpo lúteo de um grupo de animais de forma que todos eles iniciem a fase folicular e apresentem o cio num espaço de tempo bastante semelhante (injeções de prostaglandinas) (fig. 5b). b) Alargando artificialmente, através de um bloqueio hormonal, a fase luteica de tal modo que, ao cessar esse bloqueio e injetar-lhes gonadotropinas exógenas, os animais iniciem conjuntamente uma fase folicular seguida de um cio sincronizado (injeções de progesterona, implantes de progesterona ou progestágenos, esponjas vaginais impregnadas de progestágenos) (fig. 5c). 6.2 Objetivos e fundamentos Os tratamentos de controle e sincronização da ovulação têm por objetivo tentar regular, por um lado, o momento exato da ovulação, e por outro, o número de folículos que possam chegar a liberar ovócitos férteis, ao qual pode-se conseguir mediante a intervenção nos processos de recrutamento e seleção dos folículos. O primeiro objetivo permitirá que se realize a inseminação artificial no momento propício, evitando o envelhecimento dos ovócitos e que se possa calcular o momento da fertilização e a fase de desenvolvimento dos embriões (realização de transplantes). Por outro lado, o segundo objetivo ajudará a aumentar a fertilidade e a prolificidade em um rebanho e, no caso de fêmeas doadoras para a transferência de embriões, a relação: número de embriões/fêmea doadora. A indução da ovulação e/ou o aumento da taxa de ovulação pode ser conseguida aumentando os níveis de gonadotropinas no sangue antes do início da atresia folicular, ou seja, 3 a 5 dias antes da ovulação. Por outro lado, a taxa de ovulação pode também ser aumentada através da imunização contra esteroides, embora, por outro lado, permitam uma sincronização de cios. Além disso, o aumento dos níveis de gonadotropinas pode ser conseguido estimulando a sua secreção pelo próprio organismo do animal, por injeção de fatores de liberação hipotalâmicos que estimulem na hipófise a secreção de gonadotropinas, através do manejo dos reprodutores (efeito macho) e da alimentação (Flushing) ou por injeção das gonadotropinas no animal. 6.3 Imunização contra esteroides A imunização contra esteroides é uma técnica eficaz para aumentar a taxa de ovulação de animais que encontram-se em atividade sexual, ou seja, fora do anestro, uma vez que o seu mecanismo de ação baseia-se na alteração do controle endócrino da ovulação devido à ação dos anticorpos contra os esteroides ováricos, especialmente contra a androstenediona. Esta última regula a produção de uma proteína denominada «interleucina l», secretada pelos macrófagos do sistema imunitário e que inibe a diferenciação dos receptores à LH nos folículos, sem afetar a quantidade de sangue do FSH. Por isso, a teoria que tenta explicar o mecanismo de ação dos tratamentos de imunização é a seguinte: «O bloqueio dos esteroides pelos anticorpos do tratamento reduziria a produção de «interleucina l», permitindo assim que um maior número de folículos tivessem receptores à LH e pudessem ovular». Existem dois tipos de imunização: imunização ativa e imunização passiva. Na primeira, a metodologia consiste em tratar o animal com uma série de vacinas por via subcutânea ou intradérmica, pelo menos em duas ocasiões, até que a resposta imunitária atinja o nível desejado e ele próprio produza os anticorpos contra o antígeno (androstenediona) contido no conteúdo da vacina. Por outro lado, na imunização passiva o animal tratado recebe soro, por via intravenosa, de outro animal que foi imunizado (anticorpos policlonais), ou anticorpos monoclonais produzidos mediante técnicas imunológicas modernas. 6.4. Injeções de hormonas gonadotropinas As preparações hormonais de gonadotropinas injetadas num momento adequado do ciclo estral permitem, por um lado, aumentar o número de folículos em desenvolvimento (preparações ricas em atividade FSH) e, por outro lado, controlar e sincronizar o momento da ovulação (preparações ricas em atividade LH). Atualmente, os preparados hormonais à base de LH e FSH puros obtidos a partir de glândulas pituitárias em matadouros deixaram de ser utilizados, já que, além de não serem economicamente rentáveis, a sua conservação e utilização acarreta inúmeros problemas. a) A PMSG ou gonadotropina do soro de égua gestante com atividade predominante em FSH. Este hormônio, que permite aumentar o número de folículos em desenvolvimento, deve ser injetado (em doses variáveis segundo a espécie; tabela 2) no início da fase folicular, imediatamente após a regressão do corpo lúteo, quando as gonadotropinas endógenas do próprio animal estimulam o crescimento folicular. Para determinar esse exato momento, normalmente se realiza uma sincronização do cio. Tabela 2. Doses de aplicação do PMSG e do HCG (em unidades internacionais SI) para regular a quantidade e o momento da ovulação Espécie PMSG HCG Vaca 2000 - 3000 500 - 2500 Ovelha 500 - 800 250 - 500 Porca 750 - 1500 500 - 1000 Adaptado e elaborado a partir de HUNTER, 1987. b) A HCG ou gonadotropina coriónica humana com atividade predominante em LH. Pode ser obtida facilmente, já que se acumula na urina da mulher gestante, servindo sua detecção como teste para a determinação da gestação (teste da rã: origina a ejaculação na rã macho). Uma vez que com esta hormona se pretende controlar o momento da ovulação, a injeção deve ser feita por via intravenosa ou intramuscular, algumas horas antes do animal ter iniciado o estro e portanto a liberação das hormonas gonadotropinas. Pode-se conseguir mediante a injeção, com um intervalo conhecido e em doses adequadas (2), após estimulação com PMSG ou após sincronização do estro. 6.5 Limites das técnicas de controle, sincronização e indução à ovulação Os objetivos almejados durante o tratamento de sincronização e indução da ovulação, acima mencionados, não chegaram a ser alcançados em sua totalidade devido, principalmente, aos seguintes fatores: a) O hipotálamo mediante a liberação em forma de ondas ou pulsações cada um ou dois minutos de fatores liberadores (GnRH) estimula a hipófise para a secreção de hormônios gonadotropinas, o que na prática é muito difícil de se artificializar. b) Como resultado das injeções de hormonas gonadotropas produz-se um feedback dos esteroides gonodais, o qual interfere na secreção de hormonas endógenas e na precisão da resposta. c) As preparações hormonais de natureza proteica provocam a formação de anticorpos no animal, pelo qual a relação dose-resposta não é exata. d) Uma vez que os níveis de resposta tenham sido atingidos, a administração de doses excessivas de gonadotropinas produz uma redução do número de ovulações e interfere nos mecanismos ovulatórios. -/- 7. RESUMO E PRIMEIRAS CONCLUSÕES A ovulação marca o culminar de uma série de alterações morfológicas, fisiológicas e endócrinas que se sucedem no aparelho reprodutor feminino e mais concretamente no ovário e nos folículos ováricos e cujo objetivo é a liberação, após a descarga ovulante de LH, de um ou mais ovócitos férteis, de acordo com as espécies. Da mesma forma, a ovulação se caracteriza pela retomada da meiose e a liberação do primeiro corpúsculo polar, bem como a iniciação da luteinização das células da granulosa e a reestruturação da parede do folículo. Isto ocorre tanto em espécies de ovulação espontânea como induzida. Todas estas alterações são condicionadas pela variação da concentração sanguínea das hormonas gonadotropinas devido ao feedback positivo ou negativo que os esteroides ováricos exercem sobre o hipotálamo em cada uma das fases do ciclo estral. Por este motivo, se num momento preciso do ciclo estral estimula-se a secreção, por parte da hipófise, de hormonas gonadotropinas mediante a injeção de fatores de liberação hipotalâmicos (GnRH) ou a aplicação de algumas técnicas de manejo (efeito macho e Flushing) ou mediante a incrementação da sua concentração no sangue através de injeções de preparações hormonais, será obtido um controle, sincronização e indução da ovulação. Os diferentes tratamentos de sincronização e indução da ovulação, embora apresentem algumas limitações, permitem regular o momento da ovulação e o número de folículos que chegarão a ovular, alcançando em alguns casos uma superovulação, objetivo pretendido na técnica de transplante de embriões. -/- 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -/- BARUSELLI, Pietro Sampaio; GIMENES, Lindsay Unno; SALES, José Nélio de Sousa. Fisiologia reprodutiva de fêmeas taurinas e zebuínas. 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REPRODUÇÃO ANIMAL: FECUNDAÇÃO E GESTAÇÃO -/- ANIMAL BREEDING: FERTILIZATION AND PREGNANCY -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva Departamento de Zootecnia da UFRPE E-mail: [email protected] WhatsApp: (82)98143-8399 -/- REPRODUÇÃO ANIMAL: FECUNDAÇÃO E GESTAÇÃO -/- 1. INTRODUÇÃO Em geral, a reprodução dos animais domésticos constitui o eixo sobre o qual se ramificam as produções animais mais importantes (leite, carne e ovos). Conhecer os fenômenos fisiológicos que ocorrem durante as diferentes fases da função reprodutiva e os mecanismos que a regulam demonstrou ser (...) primordial para a posterior aplicação das técnicas reprodutivas destinadas a regulá-la de acordo com os nossos interesses. Dentro deste amplo tema, a fecundação e a gestação, temas que se desenvolvem nesse trabalho, representam uma etapa relativamente longa e delicada sobre a qual apenas podemos intervir diretamente. No entanto, podemos facilitar as condições ambientais ideais, implantando um manejo cuidadoso e uma alimentação equilibrada, de acordo com os nossos conhecimentos. 2. A FECUNDAÇÃO As células sexuais cumprem a finalidade para a qual foram criadas no instante em que ocorre a sua união. Este fato, que garante a sobrevivência da espécie, é denominado fecundação. Consiste, em primeira instância, numa aproximação de ambos os gametas num lugar concreto do aparelho reprodutor feminino, para, posteriormente, ocorrer a penetração do espermatozóide no interior do ovócito. Segue-se a fusão dos elementos nucleares e citoplasmáticos dos dois gametas, constituindo-se uma célula ovo ou zigoto com a dotação cromossômica própria da espécie. A parte central do oviduto, a ampola tubária, é o local ou zona de fecundação. Esta experimenta, ao longo do ciclo estral e sob a ação hormonal, modificações internas destinadas a garantir o êxito da importante missão deste lugar das vias genitais femininas. 2.1 Transporte gamético Após a ruptura do folículo de Graaf, o oócito é captado pelo infundíbulo e introduzido no aparelho genital feminino, iniciando-se assim o seu percurso pelo oviduto. Na maioria dos mamíferos a ovulação ocorre antes de completar a segunda meiose, reiniciando-se esta e produzindo-se a expulsão do segundo corpúsculo polar uma vez ocorrida a penetração espermática. O deslocamento do gameta feminino pelo oviduto é promovido pela ação conjunta da atividade muscular do órgão (contrações peristálticas), os movimentos ciliares das células que tapizam o interior do tubo e, em algumas espécies, soma-se a ação dos fluidos internos. Da mesma forma, a velocidade de deslocamento depende do equilíbrio hormonal estrogênio-progesterona, com a mesma diminuição da ação estrogênica. Geralmente, a passagem do infundíbulo ao ponto de fecundação é rápida. O tempo requerido é estimado por uma oscilação de 30 a 180 minutos. Assim como o gameta feminino, os espermatozoides, uma vez depositado o sêmen na vagina, cérvix ou útero da fêmea, devem deslocar-se até a ampola tubária para que a fecundação possa realizar-se. O deslocamento destas células é geralmente também muito rápido, encontrando-se espermatozoides na zona tubária a poucos minutos depois de efetuada a cobrição. A velocidade com que ocorre depende de diversos fatores, entre os quais se incluem, o volume de ejaculação, o lugar em que se deposita e a anatomia do trato genital feminino. A própria mobilidade do gameta, a atividade contrátil da musculatura do órgão (motivada pela liberação de oxitocina durante a cobrição) e a atividade das células ciliadas do oviduto são os máximos responsáveis pela franquia da distância que separa o lugar de ejaculação e a ampola tubária. O transporte espermático constitui, em última análise, um modelo de seleção progressiva de células entre o ponto de deposição e o ponto de fecundação, no qual se vão auto-eliminando os espermatozoides menos viáveis. Na realidade os gametas se selecionam a si mesmos segundo sua capacidade, em especial ao atravessar a zona de barreira ou passagem do aparelho genital feminino. Por isso, apenas um número relativamente reduzido de células consegue atingir a zona de fertilização. Segundo Derivaux (1984), este número não excederá de 1.000 na rata, 5.000 na coelha e de 6.000 na ovelha, dos vários milhões que se derramam em cada ejaculação. Em suma, as células mais dotadas serão as que competem, uma vez atravessada a união útero-tubária, pela fertilidade do óvulo. 2.2 Duração da capacidade fertilizante dos gametas As células sexuais têm, após a sua liberação no aparelho reprodutor feminino, uma vida útil relativamente curta (tabela 1). Espécie Duração da fertilidade (horas) Ovócito Espermatozoide Duração da motilidade espermática (horas) Coelhos 6 – 8 30 – 36 43 - 50 Bovinos 8 – 12 28 – 50 15 - 56 Ovinos 16 – 24 30 – 48 48 Ratos 8 – 12 14 17 Equinos 6 – 8 144 144 Suínos 8 – 10 24 – 48 56 Homem 6 – 24 24 – 48 60 - 96 Tabela 1. Duração da fertilização e da motilidade espermática em ambos os gametas. Adaptado e elaborado a partir de COLE, 1977. Além disso, sabe-se que o envelhecimento dos gametas é incompatível com o desenvolvimento embrionário. Tais circunstâncias, condicionam o momento da cobrição ou da inseminação artificial, o qual deve estar praticamente sincronizado com o da ovulação da fêmea. Isto permitirá a ligação das células num momento propício, garantindo que as células espermáticas cheguem a zona de fecundação, enquanto o ovócito é expelido do folículo. Nas espécies em que a formação espermática é muito longa, o espermatozoide deve encontrar-se no trato genital feminino várias horas antes da ovulação. A viabilidade dos espermatozoides é determinada por dois aspectos: motilidade e fertilidade. Seu envelhecimento traduz-se em uma diminuição de ambas qualidades, sendo a fertilidade a primeira a diminuir depois da ejaculação. O envelhecimento do ovócito implica na diminuição da sua capacidade fecundante e origina um aumento do número de embriões anormais, aparentemente devido a uma falha no bloqueio contra a polispermia. Na maioria dos mamíferos o ovócito deve ser fertilizado nas horas imediatas a sua liberação e poucos deles podem ser fertilizados uma vez decorridas 12 horas desde a ovulação. 2.3 Capacitação e penetração espermática Os espermatozoides culminam o seu processo de maturação e se convertem em células aptas para a fertilização ao experimentarem, no interior do aparelho genital feminino, uma mudança fisiológica que lhes confere maior mobilidade e a faculdade de emitir enzimas proteolíticas pela região acrossômica da cabeça. Esta mudança física é chamada de capacitação espermática. A capacitação é considerada o resultado de dois mecanismos: a inativação de agentes antifertilidade ou fatores de descapacitação do plasma seminal que se encontram unidos à cabeça espermática e a produção de enzimas acrossômicas (reação acrossômica). A reação acrossômica origina uma mudança estrutural na parte anterior da cabeça espermática que permite a liberação de uma série de enzimas, fato que facilitará a penetração das coberturas do ovócito. Estas alterações incluem fusões diversas e progressivas entre a membrana acrossômica externa e a membrana plasmática celular, ficando a parte anterior da cabeça espermática limitada por uma série de vesículas, entre as quais fluem enzimas, principalmente hialuronidase e a acrosina. A primeira parece ter a missão de dissolver o ácido hialurônico, que mantém unido o cumulus oophorus, ao passo do espermatozoide. Durante a passagem pela zona pelúcida há a intervenção da acrosina. A capacitação e reação acrossômica são modificações prévias e indispensáveis para a penetração espermática ou parte mecânica do processo de fertilização, a qual termina com a passagem da membrana vitelina depois de ter salvado as barreiras que supõem as células do cumulus, a coroa radiada e a zona pelúcida. Em certas espécies (mulher, rata e cobaia), a penetração do espermatozoide é completa. Noutras (vaca, ovelha, coelha e cadela) é limitada exclusivamente à cabeça, permanecendo a cauda (flagelo) no exterior. A penetração do ovócito pelo espermatozoide dá lugar a uma série de fenômenos conducentes a um desenvolvimento normal do ovo fertilizado: o bloqueio da polispermia e a finalização da segunda meiose. Consumada a penetração, a reação da zona pelúcida e da membrana vitelina impedem a penetração de outro espermatozoide, evitando assim a polispermia, a qual originaria indivíduos poliploides não viáveis, sendo uma dotação cromossômica 3n ou mais uma alteração letal. Este mecanismo de reação, junto ao reduzido número de gametas masculinos que alcançam o oviduto, são aspectos que minimizam as possibilidades de fertilização polispérmica. O mecanismo de bloqueio da polispermia em mamíferos ainda não é conhecido com precisão. No entanto, sabe-se que as estruturas citoplasmáticas ovocíticas denominadas grânulos corticais desempenham um papel importante e que, ao descarregar o seu conteúdo, alteram a penetrabilidade da zona pelúcida e, por vezes, da membrana vitelina. O bloqueio, uma vez iniciado, propaga-se pela superfície ovular, estendendo-se a partir do ponto de origem, ou seja, do lugar onde o espermatozoide conecta-se com a superfície vitelina. Na maioria dos mamíferos domésticos (exceto cadela e égua) o ovócito é mantido na metafase da segunda divisão meiótica até que ocorre a penetração espermática, instante em que se estimula a sua reinicialização, completando-se a meiose com a expulsão do segundo corpúsculo polar. A partir daqui começam a desenvolver-se os pronúcleos masculino e feminino, os quais se convertem em duas massas cromossômicas que se repartem ao redor da placa equatorial na prófase da primeira mitose e que permitirá restabelecer o número cromossômico da espécie. A mistura de substâncias nucleares parentéricas é denominada anfimixis. As primeiras segmentações do zigoto ocorrem a nível do oviduto, pois, depois da fertilização os embriões permanecem durante algumas horas acima da junção ampola-istmo. Esta zona é abandonada para assim alcançar o meio uterino, onde transcorrerá o período de gravidez ou gestação. 3. A GESTAÇÃO A gestação compreende o espaço de tempo que vai desde o momento da fecundação até o parto. Podemos, a priori, diferenciar três fases do ponto de vista do desenvolvimento: fase de ovo, fase embrionária e fase fetal. A fase embrionária compreende a organogênese e a fase fetal o crescimento posterior dos órgãos, sendo a delimitação entre ambas muito difícil, uma vez que não existe nenhum fato ou circunstância determinante que as separe claramente, pelo que na prática se encontram sobrepostas. 3.1 Fase do ovo Esta fase, de curta duração, vai desde a fertilização do óvulo até à eclosão do blastocisto. O transporte do ovo para a zona uterina ocorre 2 dias depois na porca e entre o terceiro e o quarto dia em ruminantes, regulado por contrações da musculatura lisa da parede do oviduto sob a influência das hormonas esteroides ováricas. Seu estado de segmentação quando penetra no útero varia com as espécies: de 8 a 16 blastômeros na égua e na vaca, 16 na ovelha e 4 na porca. Durante estes primeiros momentos do desenvolvimento em que o ovo se desloca pelo oviduto (figura 1) sua nutrição é garantida pelas reservas citoplasmáticas do óvulo e pelo fluxo tubárico, especialmente abundante imediatamente após a ovulação. Entretanto, e sob a influência da progesterona proveniente do corpo lúteo em fase de crescimento, o útero experimenta mudanças destinadas a receber o embrião em fase de crescimento. Em primeiro lugar ocorre a proliferação de leucócitos polimorfonucleares que fagocitam os restos seminais e germes introduzidos durante a cobrição procurando esterilizar e adequar o ambiente. Em segundo lugar, verifica-se a proliferação do epitélio glandular uterino ou endométrio, produtor do fluido uterino ou histótrofo, que garantirá a nutrição do embrião até a posterior implantação do mesmo e, com isso, sua viabilidade. Figura 1. Esquema do deslocamento e do desenvolvimento do zigoto pelo interior do oviduto. Elaborado a partir de COLE, 1977 e HUNTER, 1987. Os embriões continuam o seu desenvolvimento através da mitose. A partir de 16 células os blastômeros são chamados de mórulas. Estes blastômeros segregam um fluido metabólico que se acumula no centro do blastocisto. Nesta fase, as células internas aumentam de tamanho e se diferenciam, sendo as destinadas a formar o botão embrionário a partir do qual terá lugar a organogênese embrionária; e as periféricas, mais pequenas e abundantes, que darão lugar ao trofoblasto ou membranas embrionárias. O conjunto encontra-se rodeado de uma membrana (zona pelúcida) que posteriormente se dilui ou se dissolve permitindo a eclosão, por pressão interna do fluido acumulado, do blastocisto. 3.2 Fases embrionária e fetal A eclosão do blastocisto põe, em contato direto, o aglomerado de células embrionárias com a mucosa uterina e permite, ao eliminar-se a retenção da zona pelúcida, o alongamento, mediante proliferação e reordenação das camadas celulares, dos embriões, afim de aumentar a superfície de contato com o endométrio, facilitando assim a nutrição das células. Neste momento, nas espécies multíparas, tem lugar o deslocamento e redistribuição dos embriões pelos córneos uterinos, assegurando-se espaço suficiente para cada um antes da implantação dos mesmos. Em geral, a implantação é considerada efetiva quando a posição do embrião no útero é fixa (tabela 2), estabelecendo-se contato definitivo com o mesmo; para isso, as camadas externas do blastocisto liberado diferenciam-se dando lugar às membranas fetais que constituirão a parte embrionária da placenta. Espécie Porca Ovelha Vaca Égua Dias 12 – 24 12 – 18 33 – 35 55 – 65 Tabela 2. Momento da implantação embrionária em diferentes espécies. Fonte: COLE, 1977 e HUNTER, 1980. A placenta é a estrutura que permite um contato vascular eficaz entre as membranas fetais e a superfície do endométrio materno, através do qual ocorre a troca de oxigênio e de princípios nutritivos fornecidos pelo sangue materno e CO2, além de produtos de excreção provenientes do sangue fetal. Para além desta função metabólica, a placenta protege e isola o feto, tendo também uma importante missão endócrina para a manutenção da gestação. Do ponto de vista anatômico, a placenta fetal está diferenciada em quatro membranas: âmnio, saco vitelínico, alantoide e córion. a) Âmnio - É o invólucro mais interno que envolve totalmente o feto. Em seu interior, vai-se gradualmente acumulando o líquido amniótico, que é o meio pelo qual flutuam o embrião e o feto durante sua vida intrauterina. Este líquido tem a missão mecânica de proteger o embrião, bem como de distender o útero e favorecer seu crescimento. Nos estágios mais avançados da gestação, permite ao feto efetuar as evoluções necessárias para adotar posturas eutocicas para o parto. No entanto, o papel fundamental é de natureza nutritiva, uma vez que o feto absorve e deglute grandes quantidades de líquido amniótico. O líquido amniótico é inicialmente incolor e de natureza mucosa, variando seu aspecto conforme avança a gestação já que vai acumulando substâncias de reserva e restos metabólicos excretados pelo feto. O seu conteúdo é rico em sais minerais, seroalbuminas, gorduras, frutose e aminoácidos essenciais. b) Saco de vitelino - É uma estrutura primitiva que desenvolve-se no início do período embrionário a partir do endoderma, desaparecendo rapidamente e ficando apenas um resíduo dentro das membranas fetais. A sua missão é nutritiva nos primeiros estágios da gestação, agindo de certa forma, como uma placenta rudimentar, uma vez que absorve e acumula o histotrofo e os resíduos metabólicos do jovem embrião. Sua importância diminui à medida que avança a gestação e instaura-se a definitiva placenta. c) Alantoide - Esta fina membrana aparece como um divertículo da parte posterior do intestino. Em sua parte externa vai desenvolver uma abundante rede vascular ligada à aorta fetal pelas artérias umbilicais e à veia cava posterior e fígado pelas veias umbilicais. O alantoide se funde com o trofoblasto, constituindo o alantocorion, que, como veremos, estará intimamente ligado ao endométrio. Sua camada interna, muito pouco vascularizada, se apoia contra o âmnios. Na vaca, porca e ovelha o alantoides e o âmnios estão unidos em vários pontos; na égua o âmnios flutua livremente. Entre as camadas internas e externas do alantoide se encontra a cavidade alantoide, que basicamente armazena os produtos de resíduos dos rins fetais, sendo importante a concentração de resíduos do metabolismo nitrogenado: ureia, ácido úrico, alantoína etc. c) Córion - É o invólucro mais externo derivado do trofoblasto, sendo um saco fechado que abriga o resto das membranas fetais e o feto. Nas espécies multíparas, no final da gestação, há um único corion comum que envolve todos os fetos e suas membranas fetais. A face externa do corion, à medida que a gestação avança, vai desenvolvendo vilosidades bastante vascularizadas (vilosidades coriais) que são as que vão estabelecer a relação entre a placenta fetal e o endométrio, possibilitando, em toda sua extensão, os intercâmbios materno-fetais (figura 2). Figura 2. 1 – Córion; 2 – Saco vitelínico; 3 e 4 – Alantoides; 5 – Âmnio e 6 – Corpo fetal. Fonte: RUTTER e RUSSO, 2002. Dependendo da ligação placentária entre a mãe e o feto, diferente para cada espécie, podem ser estabelecidas diferentes classificações de placentas. Limito a comentar dois tipos, alicerçado pelo ponto de vista anatômico e do ponto de vista histológico. Anatomicamente - levando em conta a distribuição das conexões útero-coriais podemos falar de: a) Placenta difusa: Conexão em toda a extensão de contato uterocorial (égua e porca). b) Placentas localizadas: 1. Cotiledônea - Trata-se de botões coriais distribuídos mais ou menos uniformemente pela superfície de contato (ruminantes). 2. Zonal - A ligação ocorre apenas numa zona específica central, como um anel (cães e gatos). 3. Discoide - A conexão ocorre em uma zona ou zonas de forma oval; é típica de roedores. Histologicamente - baseado no número e tipo de camadas histológicas que separam a circulação materna e fetal (classificação de Grosser), o que determinará, em parte, a permeabilidade placentária. Deste modo, o feto receberá mais ou menos, e diretamente, os elementos nutritivos, imunitários ou tóxicos que circulam no sangue materno. Há quatro tipos diferentes: a) Epiteliocorial - Aqui, encontramos seis camadas tecidulares entre as duas circulações: tecidos endotelial, conectivo e epitelial corial, por parte fetal, e tecidos epitelial e conectivo uterino e a membrana capilar materna. Este tipo de placenta encontra-se na égua e na porca. b) sindesmocorial - O tecido epitelial corial está ligado diretamente à conjuntiva uterina. Tradicionalmente, têm-se considerado esta placenta como sendo típica de ruminantes; todavia, atualmente, esta classificação aparece como demasiado simplista à luz dos progressos das investigações ultraestruturais; verificou-se que o epitélio materno persiste em bovinos e caprinos, pelo qual estas duas espécies devem ser consideradas epiteliocoriais. c) Endoteliocorial - O tecido epitelial corial está em contato direto com as membranas capilares maternas. Esta placenta é típica de carnívoros. d) Hemocorial - O sangue materno banha diretamente ao epitélio corial, estando suprimidas todas as camadas tecidulares maternas. 3.3 Nutrição fetal A nutrição inicial é garantida pelo histotrofo ou leite uterino e, posteriormente, pelo hemotrofo ou substâncias nutritivas que o alantocorion absorve pelos pontos de contato do sangue materno. Dentro dela podemos distinguir: a) Troca gasosa - A passagem do oxigênio, por difusão, da mãe para o feto, ocorre devido à grande afinidade que existe com a hemoglobina fetal e à grande capacidade de dissociação da oxihemoglobina materna que o libera. Também acontece que os capilares maternos e fetais situam-se paralelamente com fluxos contracorrentes que originam importantes diferenças de pressão de oxigênio, o que facilita a difusão do gás. A troca de CO2 funciona por mecanismos semelhantes, mas vice-versa. b) Aporte de princípios imediatos - Os glicídios são trocados por osmose favorecida pelas menores concentrações que se desenrolam no sangue fetal em relação à materna. É interessante destacar que no sangue fetal aparecem glicose e frutose e no sangue materno apenas glicose. A síntese de frutose ocorre na placenta e não flui do feto para a mãe. No que diz respeito aos lipídios, a placenta é apenas um local de passagem. Quanto aos prótidos, além da difusão de aminoácidos e proteínas da mãe para o feto, a placenta também é capaz de sintetizar seus próprios aminoácidos, bem como desdobrar proteínas maternas e resintetizar outras para suas próprias necessidades. Em relação às proteínas de elevado peso molecular, só são permeáveis as placentas de tipo endoteliocorial e hemocorial, uma vez que as imunoglobulinas maternas (anticorpos) não podem ultrapassar esta barreira nas espécies que apresentam placenta sindesmocorial e epiteliocorial (nestas espécies (bovinos à exemplo) a imunidade será transferida por via colostral durante as primeiras horas de vida do neonato). 3.4 Mecanismos hormonais de regulação da gestação Na presença do ovo fecundado, no ovário desenrolam-se uma série de transformações. O corpo lúteo, que geralmente involuciona pelo efeito luteolítico da prostaglandina F2a, no caso da gestação permanece e se mantém produzindo progesterona. Parece que o estímulo antiluteolítico ocorre após a eclosão do blastocisto. A presença do ovário é fundamental em todas as espécies para a manutenção da gestação, sobretudo em seus primeiros momentos, tanto pela produção de progesterona como de estrogênio. Neste sentido, difere bastante uma espécie de outra, assim em ovelhas são citados 55 dias como tempo mínimo em que a produção de progesterona ovariana é indispensável, na égua 150 dias: no entanto, em vacas, cabras e porcas, uma ovariectomia realizada em qualquer momento da gestação provoca a sua interrupção. Ou seja, nas primeiras espécies, a partir de certos momentos, a placenta pode assumir o equilíbrio endócrino da gestação; nas segundas parece haver uma sinergia desta com o ovário, mas sem chegar a substituí-lo. a) Papel dos estrogênios - Embora os níveis de estrogênios, após a fecundação, baixem consideravelmente no sangue, a secreção ovárica continua, e é sobre os órgãos mais ativados pelos estrogênios que se manifestam mais as concentrações crescentes de progesterona, aumentando a permeabilidade capilar do útero, a multiplicação das suas células epiteliais, a acumulação de glicogênio nas suas células musculares, a hipertrofia das mesmas, etc. À medida em que a gestação progride, os níveis plasmáticos de estrogênios aumentam devido, sobretudo, à produção placentária. b) Papel da progesterona - A progesterona atua sobre o útero em diferentes níveis: — A nível da mucosa facilita as mudanças da mesma, preparados pelos estrogênios, aumentando também o desenvolvimento glandular. — Ao nível da musculatura uterina inibe, durante toda a gestação, as contrações do miométrio. — Ao nível do lobo anterior da hipófise bloqueia a produção de FSH e LH, parando as ondas cíclicas de maturação folicular. 3.5 Duração da gestação A duração da gestação é diferente segundo as espécies e dentro destas, com porcentagens menores de variação de acordo com a raça, o indivíduo, o estado sanitário, o sexo do feto, o número de fetos, a estação, etc. (tabela 3). Espécie Porca Ovelha/Cabra Vaca Égua Coelha Dias 114 (102-128) 154 (140-159) 283 (273-295) 340 (329-345) 31 (30-32) Tabela 3. Duração média e intervalo da gestação em diferentes espécies. Fonte: COLE, 1977. -/- 3.6 Diagnóstico da gestação O diagnóstico de gestação precoce é de grande importância nas espécies de interesse zootécnico, já que nelas procura-se, em geral, intensificar ao máximo o ciclo produtivo, limitando, na medida do possível, os períodos de incerteza. Nas espécies de ciclo curto e produção de carne, como a porca e a coelha, a intensificação é ainda maior e, portanto, o interesse do diagnóstico precoce de gestação aumenta. Os métodos de diagnóstico de gestação mais frequentes são: a) palpação - Para ser viável, é necessária a qualificação prática da pessoa que a realiza. Distinguem-se basicamente dois tipos: 1. Retal - Muito usada nos grandes animais como bovinos e equinos, permitem-nos diagnosticar, com uma porcentagem de cerca de 90% de acerto, a gestação da égua entre 45 e 60 dias após a cobrição e cerca de 45 dias na vaca. 2. Abdominal - Esta é praticada com sucesso quase exclusivamente em coelhas, podendo ser feito o diagnóstico entre os dias 11 e 14 de gestação. b) Ultrassons - Utilizados em ovelhas e porcas com bons resultados, embora, teoricamente, poderia ser utilizado em mais espécies. Em ovelhas permite-nos diagnosticar entre os 60 e 70 dias e na porca cerca dos 40 dias. c) hormonais - Utilizados principalmente em éguas. Baseado na presença de PMSG no sangue durante a gestação e a ação folículo estimulante e luteinizante da mesma ao ser injetado plasma de égua prenha em outra espécie animal de laboratório. 4 RESUMO E PRIMEIRAS CONCLUSÕES A fecundação pressupõe a fusão do gameta masculino e feminino numa zona específica do aparelho reprodutor da fêmea: a ampola tubária. Tal acontecimento é possível quando o óvulo e o esperma conseguem alcançar essa zona, se sua capacidade fecundante é ótima no momento do encontro, se produz a capacitação espermática e se, finalmente, o espermatozoide consegue penetrar o interior do óvulo. A fusão gamética representa o início da fase mais delicada na vida de uma reprodutora: a gestação. Regida hormonalmente pela progesterona, o período gestante compreende uma fase embrionária em que ocorre a organogênese e uma etapa fetal de desenvolvimento e crescimento do mesmo. A gestação, de duração variável segundo a espécie, termina com o parto ou expulsão da cria ou crias para fora do corpo materno. Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – Departamento de Zootecnia da UFRPE. Recife, 2020. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -/- BRACKELL, B. G.; JR SEIDEL, G. E.; SEIDEL, S. Avances en zootecnia nuevas técnicas de reproducción animal. Zaragoza: Acribia, 1988. COLE, H. H.; CUPPS, P. T. Reproduction in domestic animals. 1ª ed. 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RELAÇÃO E EFEITOS BIOQUÍMICO-NUTRICIONAIS SOBRE O RETARDO DA MATURIDADE SEXUAL EM BOVINOS -/- -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva -/- Departamento de Agropecuária – IFPE Campus Belo Jardim -/- [email protected] ou [email protected] -/- WhatsApp: (82)98143-8399 -/- -/- 12. RETARDO DA MATURIDADE SEXUAL -/- -/- Nos animais em crescimento, as deficiências em qualquer dos nutrientes: proteína, energia, macro ou microminerais, vitaminas e aporte hídrico, geram inibição das sínteses de proteínas específicas como os fatores de crescimento. Neste tipo de situação, as (...) taxas de ganho de peso e o desenvolvimento dos diferentes segmentos do trato reprodutivo se alteram. Os animais atrasam a idade a que chegam à puberdade, atrasando a entrada na vida produtiva como animais aptos a se reproduzir. O quadro de atraso à puberdade ocasiona atraso na idade a que se apresenta o primeiro parto, fator responsável por grande parte das falhas na eficiência reprodutiva. Sem dúvida, aspectos nutricionais são os maiores limitantes no crescimento e na maturidade reprodutiva, sendo assim, esse trabalho têm como cunho a apresentação de alguns destes fatores: -/- 12.1 Relação Energia:Proteína -/- A maturidade sexual relaciona-se com um consumo adequado de energia e com a obtenção de um peso corporal adequado; o crescimento depende, em grande medida, da ingestão abundante de elementos energéticos. Uma ração deficiente em energia diminui a velocidade de crescimento, reduz a produção de leite, retarda a puberdade, reduz a fertilidade e diminui a resistência às doenças e ao parasitismo. -/- Uma das causas mais comuns da baixa fertilidade e do atraso da maturidade sexual nas vacas leiteiras é a falta de energia em relação às necessidades do animal ou um balanço de energia negativo; além disso, este atraso no início tardio da maturidade sexual diminui o tempo de vida durante o qual os animais têm uma reprodução ativa. -/- A falta de energia na ração pode ser causada por um consumo insuficiente de alimentos ou por uma baixa digestibilidade de seus componentes (dieta de baixa qualidade) e, por um teor elevado de umidade na dieta. O baixo consumo de energia é normalmente o resultado de restrições alimentares. Em qualquer uma das situações, a falta de energia impede o animal de expressar seu potencial genético de produção e o problema complica-se se, por sua vez, existe deficiência em proteínas, minerais e vitaminas. -/- Como referenciado anteriormente, a energia têm papel fundamental em todos os mecanismos fisiológicos do animal, seja para a reprodução, fornecimento de leite ou para produção de carne, uma vez que possui relação direta com as mitocôndrias celulares. A energia é considerada um tipo de gordura, e possui relação direta com o sistema reprodutivo da vaca. Para a produção de leite, uma vaca pode utilizar suas reservas de gordura e transformá-las em leite, isto é, a cada quilo de gordura corporal pode-se obter de 7 a 9 quilos de leite. O fornecimento de energia têm como fator a categoria animal, o sistema produtivo, a idade etc. logo, a administração de energia deve obedecer os parâmetros de 1,75 a 1,25 Mcal/kg do alimento fornecido, seja matéria seca, volumoso ou ração concentrada. Vale frisar novamente que os níveis de energia administrada devem ser altos (1,72 Mcal/kg) para as vacas no início da lactação e deve-se diminuir gradativamente conforme chega o final da lactação, chegando a 1,54 Mcal/kg ou menos. No caso de prevenção contra o retardamento dos animais à idade reprodutiva, os níveis de energia para as bezerras de 0-3 meses com ± 150 kg deve ser de 1,70 Mcal/kg de MS para mantença e de 1,06 Mcal para ganho de peso diário; para bezerras com idade entre 6-12 meses e um peso de ± 250 kg o nível de energia deve ser de 1,54 Mcal para mantença e de 0,97 para ganho; por fim, para bezerras chegando a categoria de novilhas (> 12 meses) o ideal é o fornecimento de 1,39 Mcal para mantença e de 0,81 Mcal para ganho. Os alimentos que mais fornecem energia são o sebo, a gordura protegida, o milho, etc. -/- O efeito da proteína da dieta na reprodução é complexo. Em geral, quantidades inadequadas de proteína na dieta reduzem a produção de leite e o desempenho reprodutivo (maturidade sexual). Deficiências de proteínas diminuem os níveis de proteínas de reserva ou de transporte no sangue, fígado e músculos o que predispõe o animal a várias doenças que podem levar a não manifestação da maturidade sexual ou mesmo a morte. -/- Há tipos de proteínas como a PB (proteína bruta), a PDR (proteína degradada no rúmen), proteína metabolizável entre outras, ambas possuem relação com a PB e são primordiais no entendimento da nutrição de ruminantes. Os níveis de PDR se forem baixos mostra uma boa população microbiana presente no rúmen do animal, esse compartimento que se desenvolve conforme a ingestão de alimentos concentrados. -/- Para que se possa prevenir o retardamento dos animais à maturidade sexual, deve-se estar atentos aos níveis de proteína que se administra aos animais, em especial para as bezerras que entrarão logo na puberdade estando aptas para se reproduzir. Contudo, o tipo e a quantidade de proteína se limita a fatores como os ingredientes da ração, método alimentar utilizado na propriedade e o potencial produtivo do lote que se maneja. Sendo assim, os níveis oscilam conforme a categoria, idade e peso como demonstra na tabela 1, que traz os níveis ideias de proteína que devem estar presentes na alimentação das bezerras conforme idade e peso médio das mesmas. -/- Tabela 1: Exigências de proteína em bezerras e novilha -/- Nutriente 3-6 meses (± 150 kg) 6-12 meses (± 250 kg) > 12 meses (± 400 kg) -/- PB % 16 12 12 -/- PDR % 8,2 4,3 2,1 -/- Fonte: TEIXEIRA, 1997. -/- Para que as bezerras entrem na maturidade sexual sem atraso ou quaisquer problema, é ideal que a ração que viera ser fornecida para as mesmas possuam uma quantidade básica de 22% de PB presente na composição. Os alimentos mais proteicos são os de origem animal como a farinha de sangue, de penas etc., porém sua administração deve ser limitada. Sendo assim, a tabela 2 traz os possíveis melhores alimentos a serem ofertados aos animais e sua quantidade diária para que se possa suprir os requerimentos dos animais e prevenir o retardamento sexual ou qualquer outro problema reprodutivo que tenha relação nutricional. -/- Tabela 2: Alimentos proteicos e quantidades ideais para bovinos -/- Alimento PB% Quantidade % da mistura ou kg/cab./dia -/- Caroço de algodão 21 ± 50% da mistura da ração (1 kg = 0,5 kg de caroço) -/- Farelo de glúten de milho 23 Pode substituir o volumoso (máximo 3,5 kg/cab./dia) -/- Grão de soja 38 ± 20% da mistura (1 kg = 0,2 kg de grão) ou no máximo 2,5-3,5 kg/cab./dia -/- Farelo de algodão 41 ± 30-40% da mistura (1 kg = 0,3-0,4 kg de farelo) ou no máximo 4,5 kg/cab./dia -/- Fonte: TEIXEIRA, 1997. -/- A Ureia e outras substâncias que contêm nitrogênio não proteico (NNP) podem ser utilizadas pelos microrganismos do rúmen para a produção de proteínas bacterinas. Em geral, a utilização da NNP não é recomendada, exceto em situações especiais de alimentação e sob controle técnico, uma vez que um manejo inadequado, nomeadamente de excessos de consumo, pode provocar intoxicações com efeitos letais (ROIG, 2003; FERGUSON et al., 1989). É claro que as fontes de NNP não possuem aminoácidos e que muitos deles são essenciais e não são sintetizados pela microbiota ruminal. -/- Alguns autores argumentam que o nitrogênio não proteico (NNP) como a ureia, pode ser muito bem utilizado desde que não exceda um terço do total de nitrogênio na dieta diária ou 3% da ração de grãos de cereais e após adaptação gradual de, pelo menos, três semanas. A boa utilização da ureia nos ruminantes depende da ração conter pelo menos 75% de nutrientes digestíveis totais NDT, disponibilidade suficiente de amido e de CNE para converter o nitrogênio da ureia em proteína microbiana e quando o teor de proteína verdadeira da ração não for inferior a 12% (ROIG, 2003). -/- 12.2 Minerais (K e I) -/- Um excesso de potássio no sangue ocorre quando o consumo excede a capacidade do rim de o eliminar, provocando um atraso na maturidade sexual, ciclos sexuais irregulares e baixa natalidade; também interfere na absorção intestinal do magnésio, dificultando a absorção e o metabolismo do cálcio, magnésio e sódio; geralmente afeta fêmeas de alta produção leiteira (com o leite é excretado muito magnésio). -/- No macho, o excesso de potássio diminui a fecundidade, altera as vesículas seminais e influencia a composição espermática. Na fêmea prejudicaria os ciclos sexuais (duração e intensidade). -/- A excreção de íons de potássio diminui quando se ingere pouca quantidade deste elemento e de sódio, e quando há acidose aguda ou insuficiência das glândulas adrenais. -/- O potássio é um elemento de muitas funções no metabolismo animal e participa de múltiplos mecanismos fisiológicos, dentre eles o reprodutivo. Sendo assim, é importante o criador estar atento sobre a administração do mineral na alimentação das bezerras que vão entrar para a maturidade sexual. De forma geral, é indicado fornecer matéria seca que contenha K na ordem de 0,6 a 1% da composição do alimento. Em média, uma vaca de 600 kg que produz 15 kg de leite ingira cerca de 230 gramas desse mineral diariamente. -/- Em crescimento, a função tireoide tem um papel protetor da sexualidade e estimula a puberdade por suas relações com as funções hipofisária e ovariana, atuando como sensibilizador da gônada para o aparecimento do estro; sendo, na fêmea sinérgico com a FSH. Uma deficiência na produção de hormonas da tireoide induzirá uma redução na troca de energia e na liberação de calor corporal, ou seja, ocorre uma diminuição no metabolismo basal do -/- As iodo-proteínas ou tireoproteínas (T3 e T4) beneficiam o crescimento e a secreção láctea, no macho estimulam a puberdade (maturidade sexual) e são gametogênicas (a hipófise é estimulada pela tiroxina e a vitamina A). -/- Para se livrar do atraso e da desordem da administração dos animais e do cronograma da fazenda, o proprietário deve atentar ao fornecimento adequado de I que varia entre 0,34 e 0,88 mg/kg de MS. -/- As formas de prevenção por parte desses minerais poderá ser manejada através dos alimentos, da água ou via suplementação mineral injetável. Por fim, o criador poderá ficar tranquilo e ter seu cronograma estabelecido sendo posto e prática e obtendo êxito no plantel. -/- -/- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -/- -/- BARRENHO, Gonçalo José Pinheiro. Nutrição e fertilidade em bovinos de leite. 2016. Dissertação de Mestrado. Universidade de Évora. -/- BINDARI, Yugal Raj et al. Effects of nutrition on reproduction-A review. Adv. Appl. Sci. Res, v. 4, n. 1, p. 421-429, 2013. -/- BOLAND, M. P. Efectos nutricionales en la reproducción del ganado. XXXI Jornadas Uruguayas de Buiatría, 2003. -/- CASTILLO-BADILLA, Gloriana et al. Efecto de la edad al primer parto sobre parámetros productivos en vacas Jersey de Costa Rica. Agronomía Mesoamericana, v. 24, n. 1, p. 177-187, 2013. -/- DEHNING, R. Interrelaciones entre nutrición y fertilidad. In: Curso Manejo de la Fertilidad Bovina18-23 May 1987Medellín (Colombia). CICADEP, Bogotá (Colombia) Universidad de La Salle, Medellín (Colombia) Instituto Colombiano Agropecurio, Bogotá (Colombia) Sociedad Alemana de Cooperación Técnica-GTZ (Alemania), 1987. -/- DE LUCA, Leonardo J. Nutrición y fertilidad en el ganado lechero. XXXVI Jornadas Uruguayas de Buiatría, 2008. -/- DIAS, Juliano Cesar et al. 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GERENCIAMENTO DA REPRODUÇÃO: ETAPAS E TÉCNICAS PARA REALIZAÇÃO DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva Técnico em Agropecuária – Normalista e Acadêmico em Zootecnia Departamento de Zootecnia da UFRPE E-mail: [email protected] WhatsApp: (82)98143-8399 -/- 1. INTRODUÇÃO -/- O método mais comumente usado para realizar inseminação artificial (IA) em bovinos é a técnica retovaginal. O conhecimento essencial para realizar esta técnica pode ser obtido com cerca de 3 dias de prática, sob a supervisão e instrução de um profissional. (...) Com tempo e prática, você pode ganhar mais competência e mais confiança. Independentemente de o inseminador ser canhoto ou destro, é recomendável que a mão esquerda seja usada no reto para manipular o trato reprodutivo e a mão direita seja usada para manusear a pistola de inseminação. Isso ocorre porque o rúmen ou o estômago da vaca estão no lado esquerdo da cavidade abdominal e deslocam o trato reprodutivo levemente para a direita. Portanto, pode ser mais fácil encontrar e manipular o trato com a mão esquerda. -/- 2. BENEFÍCIOS DA REPRODUÇÃO POR INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL -/- Maiores melhorias genéticas Melhores conquistas na reprodução Nenhuma despesa oculta Capacidade de controlar a propagação de doenças Facilidade de travessia Bezerros mais uniformes Sem chance de ter touros perigosos 3. ETAPAS E TÉCNICAS DA INSEMINAÇÃO ARTIFICIAL -/- Etapa 1 : Imobilize o animal a ser inseminado. Há muitos detalhes que devem ser considerados ao escolher um local para inseminação animal. Por exemplo, a segurança do animal e do inseminador, a facilidade de uso do local e a proteção contra intempéries. Pode ser útil dar tapinhas no animal ou falar suavemente quando o inseminador se aproxima para evitar que a vaca fique alarmada ou surpreendida. -/- Etapa 2 : levante a cauda com a mão direita e massageie suavemente o reto com a luva lubrificada na mão esquerda. Coloque a cauda na parte de trás do antebraço esquerdo para que não interfira no processo de inseminação. Coloque a mão esquerda com os dedos juntos em uma forma pontiaguda e insira-a no reto até o pulso. -/- Etapa 3 : limpe a vulva cuidadosamente usando uma toalha de papel para remover todo o excesso de esterco e outros detritos. Cuidado para não aplicar muita pressão, o que pode manchar a vulva e a vagina com estrume. Faça um punho com a mão esquerda e pressione a parte superior da vulva. Isso abrirá os lábios da vulva e permitirá acesso gratuito por várias polegadas à ponta da pistola antes de fazer contato com as paredes vaginais. Etapa 4 : insira a pistola em um ângulo de 30 ° para evitar penetrar na abertura uretral e na bexiga, as quais estão no chão da vagina. Com 6 ou 8 polegadas da arma dentro da vagina, levante a parte traseira da vagina, coloque-a em uma posição nivelada e deslize-a para frente. -/- Para obter uma inseminação bem-sucedida, é muito importante sempre saber onde está localizada a ponta da pistola de inseminação. As paredes vaginais consistem em finas camadas musculares e tecido conjuntivo mole. A pistola pode ser facilmente sentida com a mão esquerda no reto. Ao inserir a pistola na vagina, mantenha a mão enluvada nivelada com a ponta da pistola (Figura 1). A presença de esterco no reto muitas vezes impede o inseminador de sentir o colo do útero e a ponta da arma. No entanto, raramente é necessário remover todo o estrume do intestino. Em vez disso, mantenha a mão aberta com a palma da mão no chão do reto, para permitir que o estrume passe sobre a mão e o braço (Figura 2). Com a mão no reto, o inseminador pode notar estreitamento ou "anéis" do cólon tentando forçar o braço esquerdo para fora da vaca. Para relaxar esses anéis, coloque dois dedos no centro de um anel e massageie para frente e para trás. O anel finalmente relaxará, passará sobre a mão e o braço e o inseminador poderá continuar o processo de palpação (figura 3). -/- Como o trato reprodutivo se move livremente, as vacas que respondem com fortes contrações no reto e no abdômen quando se sentem palpadas podem eventualmente colocar seu trato reprodutivo dentro da cavidade pélvica. Isso pode causar muitas dobras na vagina. Nesses casos, a pistola pode atolar nessas dobras e há muito pouco a ser feito até serem removidas. Se você encontrar o colo do útero, agarre-o e empurre-o suavemente para frente. Isso fará com que a vagina se endireite e a pistola passe com segurança para o colo do útero (Figura 4). O inseminador notará uma sensação peculiar de cartilagem na arma ao tocar o colo do útero. -/- O colo uterino (Figura 5) consiste em tecido conjuntivo denso e músculo e é o principal ponto de referência para inseminar animais. Diz-se frequentemente o tamanho e a consistência de um pescoço de peru. No entanto, o tamanho pode variar com o intervalo pós-parto e com a idade do animal. O colo do útero geralmente tem de três a quatro anéis ou dobras anulares. A abertura do colo uterino se projeta para dentro da vagina. -/- Na maioria das vacas, o colo do útero está localizado no chão da cavidade pélvica, próximo ao lado anterior (frontal) da pelve. Em vacas mais velhas, o colo do útero pode ser posicionado ligeiramente acima do osso pélvico e para dentro da cavidade abdominal. Etapa 5 :Depois que a pistola toca a superfície externa do colo do útero, o inseminador está pronto para começar a passar o colo pelo final da pistola. Coloque o colo do útero sobre a arma; Observe que não é a arma que passa pelo pescoço. Movimento excessivo ou sondagem com a pistola durante esta etapa raramente são produtivos. A chave para dominar esta etapa do processo de inseminação é saber como entender e manipular o colo do útero, bem como a concentração para fazer o trabalho com a mão dentro da vaca e não com a arma. Quando a pistola toca pela primeira vez no colo do útero, o inseminador geralmente notará que a ponta está na área do fornix diretamente acima do topo da abertura cervical. Se isso acontecer, Segure a abertura externa do colo do útero com o polegar acima e os outros dedos abaixo (Figura 6). Isso faz com que as partes inferior e superior do fornix se fechem. Também é importante que você ainda saiba a localização da ponta da arma. Para fazer isso, toque a pistola com a palma da mão e com os dedos médio e anelar da mão que está em seu reto. Use a palma da mão e esses dois dedos para apontar a arma para a abertura no colo do útero entre o polegar e o indicador. Com uma sonda macia, a abertura do colo do útero deve estar localizada. O inseminador sentirá a arma deslizar para a frente até tocar o segundo anel do colo do útero. Também é importante que você ainda saiba a localização da ponta da arma. Para fazer isso, toque a pistola com a palma da mão e com os dedos médio e anelar da mão que está em seu reto. Use a palma da mão e esses dois dedos para apontar a arma para a abertura no colo do útero entre o polegar e o indicador. Com uma sonda macia, a abertura do colo do útero deve estar localizada. O inseminador sentirá a arma deslizar para a frente até tocar o segundo anel do colo do útero. Também é importante que você ainda saiba a localização da ponta da arma. Para fazer isso, toque a pistola com a palma da mão e com os dedos médio e anelar da mão que está em seu reto. Use a palma da mão e esses dois dedos para apontar a arma para a abertura no colo do útero entre o polegar e o indicador. Com uma sonda macia, a abertura do colo do útero deve estar localizada. O inseminador sentirá a arma deslizar para a frente até tocar o segundo anel do colo do útero. -/- Etapa 6 :Mantenha uma pressão suave, mas constante, na pistola, deslize o polegar e o indicador logo à frente da ponta da pistola e segure o colo do útero novamente. Como o colo do útero é composto de tecido conjuntivo e músculo densos, é difícil distinguir claramente a ponta da pistola quando ela está dentro da estrutura. No entanto, o inseminador pode determinar a localização aproximada dobrando o colo do útero. Aproveitando a flexibilidade do pulso, torça e dobre o colo do útero até que o segundo anel deslize sobre a ponta da pistola (figura 7). Repita o processo até que todos os anéis tenham passado pela ponta da pistola. Lembre-se de que é o colo do útero que é colocado sobre a pistola e que não é a arma que passa pelo colo do útero. O que é mais necessário é uma pressão suave para a frente, enquanto o movimento da pistola deve ser mínimo. Uma vez que todos os anéis foram liberados do colo do útero, a pistola deve deslizar para a frente sem dificuldade. Como as paredes do útero são muito finas, o inseminador poderá sentir a ponta da arma novamente. -/- Passo 7 : Chegou a hora de verificar a localização da arma e depositar o sêmen. Gire a mão com a luva até ficar acima do colo do útero. Usando o dedo indicador dessa mão, localize a outra extremidade do colo do útero (Figura 8). Puxe a pistola para trás até que a ponta esteja diretamente sob o dedo indicador, perto da abertura interna do colo do útero. Levante o dedo e deposite lentamente o sêmen (figura 9). Empurre lentamente o êmbolo para que gotas de sêmen caiam diretamente no corpo do útero. -/- Com a técnica de inseminação artificial e a colocação apropriada da arma, o sêmen será depositado no corpo do útero. Posteriormente, as contrações do útero transportam o esperma para os tubos e ovidutos, com uma boa distribuição dos dois lados (Figura 10). Se a pistola penetrar mais de uma polegada após o colo do útero, todo o sêmen será depositado em um dos tubos (figura 11). Certifique-se de levantar o dedo indicador após verificar o posicionamento da pistola. Não fazer isso pode entupir um dos tubos, causando uma distribuição desigual do sêmen. Ao verificar o posicionamento da ponta da pistola, tome cuidado para não aplicar pressão excessiva. As delicadas paredes do útero são facilmente danificadas, o que pode causar infecções e reduzir a fertilidade. Certifique-se de empurrar com o êmbolo e não puxe a pistola para trás. Puxar a arma para trás pode resultar em grande parte da dose de sêmen sendo depositada no colo do útero e na vagina, e não no corpo do útero. Embora o local recomendado para depositar o sêmen seja o corpo do útero, as pesquisas sugerem que, se houver dúvida quanto ao posicionamento exato da ponta da arma, depositar o sêmen em um dos tubos uterinos tem menos possibilidades de comprometer a fertilidade do que quando depositada no colo do útero. No entanto, se o muco cervical de uma vaca que já foi inseminada parecer grosso e pegajoso na arma, isso pode ser uma indicação de que a vaca está grávida. Nestes casos, deposite o sêmen mais ou menos pela metade dentro do colo do útero. Etapa 8 : depois de depositar o sêmen com sucesso, remova lentamente a pistola do trato reprodutivo. Retire a luva do reto. Examine a ponta da arma em busca de vestígios de sangue, infecção ou sêmen vazando do coldre da arma. Faça anotações para consultas futuras e para o veterinário local. Retire o coldre da pistola e segure-o com a mão enluvada. Verifique novamente para ver qual animal foi usado. Remova a luva começando do topo do braço e virando-a do avesso para que resíduos de adubo, cobertura e sujeira fiquem dentro. Descarte a luva e seu conteúdo em um recipiente apropriado. Lave e seque a pistola e retorne-a para onde está armazenada. A seguir, algumas das coisas mais importantes a serem lembradas ao inseminar vacas: • Faça com cuidado (não aplique muita força) • A inseminação é basicamente um processo de duas etapas: levar a arma para o colo do útero e, em seguida, colocar o colo sobre a arma • Deposite o sêmen logo após o colo do útero e no corpo do útero • Não tenha pressa • Relaxe A inseminação correta resultará em uma reprodução mais eficiente. Após isso, mais atenção pode ser direcionada aos aspectos econômicos, como a produção de leite, que permitirá um maior retorno do dinheiro gasto no sêmen. -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – DZ da UFRPE. Recife, 2020. -/- Apoio -/- Realização -/- . (shrink)
Começo por distinguir entre proibição em abstrato (tipicidade) e proibição em concreto (ilicitude), situando o estado de necessidade justificante ao nível das causas de exclusão da ilicitude. Relaciono a exclusão da ilicitude resultante do estado de necessidade com a noção de ‘bem’ em sentido integral ou agregado. Depois, passo ao ponto principal deste ensaio, aplicando a teoria da diferença, usada no cálculo da indemnização em sede de responsabilidade civil, para aferir se há ou não superioridade do interesse salvaguardado face ao (...) interesse sacrificado. Por fim, defendo essa aplicação de algumas objeções que podem ser levantadas. (shrink)
FISIOLOGIA DA REPRODUÇÃO BOVINA -/- 3 – GESTAÇÃO -/- -/- INTRODUÇÃO -/- -/- O estabelecimento da gestação é o objetivo fundamental dos programas reprodutivos. Após a fertilização, o zigoto se divide e dá origem a embriões de duas, quatro, oito, dezesseis células, e no sétimo dia o embrião tem mais de 80 células. Entre os dias 16 e 18 do ciclo estral, o embrião se alonga e atinge 15 cm de comprimento. O estabelecimento da gestação depende da supressão da secreção (...) de PGF2α pelo embrião, que é realizada por meio da secreção de interferon-τ. Em vacas leiteiras, uma alta proporção de embriões morre antes do reconhecimento materno da gravidez. -/- Para evitar perdas embrionárias, é importante conhecer a fisiologia da gestação. Este capítulo descreve os principais processos fisiológicos que levam ao estabelecimento e manutenção da gestação e ao manejo da vaca prenhe. -/- -/- 3.1 Transporte de gametas -/- -/- Os gametas, óvulo e esperma, são definidos como células germinativas maduras que possuem um número haploide (n = 23) de cromossomos que, quando unidos, dão origem a um novo indivíduo geneticamente diferente de ambos os pais. -/- -/- 3.1.1 Transporte dos espermatozoides -/- -/- Os espermatozoides obtidos diretamente do testículo são funcionalmente imaturos, incapazes de fertilizar o óvulo. Durante sua permanência no epidídimo, os espermatozoides sofrem alterações na morfologia, mobilidade e metabolismo, o que lhes dá a capacidade de fertilização. No entanto, eles terão que passar algum tempo no trato genital feminino para que adquiram o estado ideal para fertilizar; processo conhecido como capacitação. -/- Durante a monta natural, a ejaculação ocorre na vagina e são depositados cerca de 5 x 109 de espermatozoides (volume ejaculado de três a cinco ml e concentração espermática de 1 x 109 a 1,2 x 109 por ml) suspensos no plasma seminal, este é basicamente constituído pelas secreções das vesículas seminais e da próstata. Após a ejaculação, o transporte dos espermatozoides é favorecido pelas contrações uterinas e vaginais que ocorrem durante e após a relação sexual. Nos primeiros minutos após a cópula, os espermatozoides já podem ser encontrados no oviduto, o que se deve às contrações do trato genital. Durante o transporte dos espermatozoides, a mobilidade individual é importante, já que apenas os espermatozoides com essa capacidade chegam ao local da fertilização. -/- O primeiro local para o estabelecimento de uma população de espermatozoides é a cérvix do útero, principalmente nas criptas, onde permanecem protegidos da fagocitose. É importante observar que apenas os espermatozoides móveis permanecem nas criptas; aqueles que estão mortos ou sem movimento são eliminados pelos fagócitos ou pelo movimento do muco cervical em direção a vagina. Embora uma população temporária de espermatozoides seja estabelecida no colo do útero, o reservatório funcional de espermatozoides está localizado na região distal do istmo. -/- As características do muco cervical são importantes para o transporte dos espermatozoides; assim, durante o estro e a ovulação, o muco fica mais aquoso, o que favorece a migração dos espermatozoides, enquanto na fase lútea o muco torna-se mais viscoso, dificultando sua movimentação. -/- Já no útero, o transporte de espermatozoides depende principalmente das contrações uterinas. Aqui, os espermatozoides ficam suspensos nas secreções uterinas, cuja função é promover sua viabilidade e transporte. As secreções uterinas contêm fagócitos que removem os espermatozoides mortos e imóveis, embora os espermatozoides normais também sejam removidos por esse meio. Algumas substâncias, como prostaglandinas e ocitocina, promovem o transporte. -/- O oviduto desempenha um papel muito importante no transporte e maturação dos gametas, bem como na fertilização e desenvolvimento embrionário inicial. As características das secreções do oviduto variam de acordo com a região do oviduto e o estágio do ciclo estral. Uma vez que os espermatozoides atingem o oviduto, eles são distribuídos em dois lugares. Alguns espermatozoides são imediatamente transportados para a região da ampola; esses são os primeiros que encontram o ovócito, mas sua capacidade de fertilização é limitada. O outro local de distribuição é a região caudal do istmo; aqui eles permanecem até que a ovulação seja iminente. Para que a fertilização ocorra, é necessário que o espermatozoide se estabeleça neste local por um período de seis a oito horas, antes da ovulação. Uma a duas horas, antes da ovulação, um movimento ativo do espermatozoide é observado em direção à região da ampola. -/- No oviduto, o transporte de espermatozoides depende de seu movimento, do fluido ovidutal e das contrações musculares. É comum que alguns espermatozoides continuem seu movimento e saiam pela fímbria. A viabilidade do espermatozoide de uma ejaculação varia de 24 a 48 horas. -/- -/- 3.1.2 Transporte do ovócito -/- -/- A ovulação é o processo pelo qual o ovócito é liberado. Este evento é desencadeado pela secreção de LH conhecida como pico de LH ovulatório ou pré-ovulatório. -/- Devido ao efeito de LH o cúmulos descola-se da parede folicular e começa a observar-se um adelgaçamento em uma pequena área da parede folicular, causada pela isquemia e pela ação de enzimas proteolíticas. Mais tarde, nesta área, uma pequena vesícula protuberante (estigma) se forma e eventualmente se quebra. Depois que o estigma é quebrado, o cúmulos que contém o ovócito junto com as células da granulosa. O ovócito é capturado pela fimbria; processo apoiado por movimentos dos cílios da mucosa e por contrações das pregas desta estrutura. Assim que o oócito é capturado, ele é transportado para a ampola. -/- 3.8 Manejo da vaca seca -/- -/- Em programas de manejo anteriores, a vaca seca recebia comida de pior qualidade e permanecia no esquecimento até o parto ocorrer. No entanto, os resultados dos estudos mostram que o período de seca é decisivo para que a vaca atinja um nível ótimo de produção e tenha um bom desempenho reprodutivo pós-parto. Por outro lado, o manejo correto no período seco reduz a incidência de doenças metabólicas no puerpério. O objetivo do período de seca é oferecer um descanso à vaca antes do parto, durante o qual o tecido mamário se regenera, o feto atinge seu crescimento máximo e a vaca atinge uma condição corporal adequada para enfrentar uma nova lactação. A duração recomendada do período de seca é de seis a oito semanas (60 dias). A involução do tecido da glândula mamária leva de duas a três semanas e um período semelhante é necessário para reiniciar a síntese do leite antes do parto. Assim, um período de seca de 60 dias é suficiente; entretanto, a duração desse período é questionada e tempos mais curtos foram propostos. Provavelmente, nos próximos anos, mais informações estarão disponíveis para apoiar a redução do período de seca. -/- Em termos de produção, o objetivo do manejo durante o período de seca é levar a vaca ao pico de lactação cinco a seis semanas após o parto, com produção máxima de leite. Estima-se que para cada kg de leite que aumenta no pico da lactação, ocorre um aumento de 120 kg ao longo da lactação. Para atingir este objetivo é necessário que a vaca tenha um consumo adequado de matéria seca após o parto; porém, três semanas antes do parto, a vaca reduz seu consumo em até 30%, para o qual é necessário estabelecer um manejo eficaz para promover um alto consumo de matéria seca durante a parte final do período de seca e durante as três primeiras semanas pós-parto (período de transição: três semanas antes e três após o parto). -/- A falta de capacidade de consumir as necessidades de matéria seca após o parto obriga a vaca a mobilizar suas reservas de gordura. Praticamente todas as vacas após o parto mobilizam suas reservas de gordura e perdem a condição corporal. A mobilização da gordura corporal causa degeneração gordurosa do fígado e é responsável por distúrbios metabólicos e retardo da atividade ovariana pós-parto. O grau de degeneração da gordura está relacionado à magnitude da mobilização da gordura corporal, que é diretamente dependente da capacidade de consumir matéria seca. Dessa forma, vacas com alto consumo de matéria seca no pós-parto, mobilizam menos gordura e, portanto, o dano ao fígado é menor. -/- O período de secagem é dividido em duas partes, a primeira compreende desde a secagem até duas semanas antes do parto; a segunda parte inclui as últimas duas semanas de gestação e é conhecida como período de desafio. -/- O período de desafio é decisivo para o desempenho produtivo e reprodutivo. Durante este período, uma dieta semelhante em ingredientes e forma deve ser oferecida à dieta que farão após o parto. Para facilitar esse manejo, as vacas deste grupo devem ser separadas do restante das vacas secas. -/- No período de seca, atenção especial deve ser dada para que as vacas não alcancem escores de condição corporal de quatro ou mais, uma vez que o excesso de gordura causa problemas metabólicos durante o puerpério, que afetam negativamente o comprometimento uterino e início da atividade ovariana pós-parto (figura 8). -/- -/- -/- Figura 8: Estágios fisiológicos e reprodutivos da vaca leiteira. Período de espera voluntário (PVE). -/- -/- 3.9 O período de transição -/- -/- O período de transição na vaca leiteira é três semanas antes e três após o parto (também conhecido como periparto). Nos últimos anos, esse tema tem merecido muitas pesquisas, pois o que for bem ou mal feito durante ele terá impacto na eficiência reprodutiva e na produção de leite. Durante o período de transição, a glândula mamária se prepara para a lactogênese, o feto cresce exponencialmente, a resposta imune é suprimida e o consumo de matéria seca diminui; além disso, o rúmen deve se adaptar à dieta recebida pelas vacas in natura (primeiras três semanas pós-parto), dieta caracterizada por alto teor de energia na forma de grãos. -/- Muitos distúrbios que se manifestam nas duas primeiras semanas pós-parto (hipocalcemia clínica e subclínica, cetose, retenção placentária, prolapso uterino, metrite, mastite, deslocamento do abomaso etc.), como os que se apresentam posteriormente (laminite, cistos ovarianos , endometrite e anestro) têm sua origem nos erros cometidos durante o período de transição. Em grande parte, os problemas estão relacionados à diminuição do consumo de matéria seca durante o período de transição; assim, o consumo diminui cerca de 30% durante as últimas três semanas de gestação, mas a maior parte da redução ocorre cinco a sete dias antes do parto. O manejo correto do período de transição tem como objetivo manter a normocalcemia, fortalecer o sistema imunológico, adaptar o rúmen a uma dieta rica em energia e aumentar a ingestão de matéria seca. Algumas recomendações gerais de manejo durante o período de transição são: separar as novilhas das vacas, ter comedouro suficiente para todos os animais, ter as mesmas características dos comedouros de vacas frescas e a dieta deve estar disponível 24 horas por dia (figuras 9 e 10). -/- -/- -/- Figura 10: O desempenho produtivo e reprodutivo das vacas depende em grande parte da condição corporal no momento do parto. Nesta fotografia são mostradas vacas recém-paridas, com uma condição corporal ideal (3,5). -/- Figura 9: Vacas no curral do desafio. Recomenda-se separar as novilhas das vacas, ter espaço suficiente com comedouro e a dieta deve estar disponível 24 horas por dia. -/- -/- RESUMO -/- -/- Cerca de 5 bilhões de espermatozoides são depositados em a genitália da vaca durante a cópula. Os espermatozoides devem permanecer no istmo e na região da junção útero-tubária por seis a oito horas antes da ovulação para obter uma alta taxa de fertilização. A viabilidade dos espermatozoides no útero é de 24 a 48 horas. A polispermia é efetivamente bloqueada nas primeiras 10 horas após a ovulação. Os blastômeros de embriões de duas, quatro e oito células são pluripotentes. A eclosão do embrião ocorre no oitavo dia. O tempo que o embrião leva para chegar ao útero é de três a quatro dias. Entre os dias 16 e 18 do ciclo, o embrião produz interferon-t, para bloquear a secreção de PGF2α. Entre os dias 17 e 18, o embrião se fixa ao endométrio. A medição da progesterona entre os dias 20-24 pós-infecção é 100% precisa na identificação de vacas não gestantes. A vaca deve atingir seu pico de lactação entre cinco e seis semanas após o parto. Para cada kg de leite que é aumentado no pico da lactação, um aumento de 120 kg é alcançado na lactação de 305 dias. Três semanas antes do parto, a vaca reduz seu consumo em até 30%. O período de transição inclui três semanas antes e três após o parto. As vacas ao parto não devem ter mais do que quatro pontos de condição corporal. A proporção de vacas secas deve ser de 15% (12,5% de vacas secas e 2,5% de novilhas). -/- -/- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -/- -/- BEARDEN, Henry Joe et al. Applied animal reproduction. Reston Publishing Company, Inc., 1984. -/- Endocrinologia da Reprodução Animal. Recife, UFRPE, 2020. -/- Fisiologia da Reprodução Animal: Fecundação e Gestação. Recife: UFRPE, 2020. -/- HAFEZ, Elsayed Saad Eldin; HAFEZ, Bahaa. Reprodução animal. São Paulo: Manole, 2004. -/- HIDALGO, Galina et al. Reproducción de animales domésticos. México: Limusa, 2008. -/- HOLY, Lubos; MARTÍNEZ JÚSTIZ, G. Colab. Biología de la reproducción bovina. Havana: Revolucionária, 1975. -/- HOPPER, Richard M. (Ed.). Bovine reproduction. John Wiley & Sons, 2014. -/- LEBLANC, Stephen. Monitoring metabolic health of dairy cattle in the transition period. Journal of reproduction and Development, v. 56, n. S, p. S29-S35, 2010. -/- SARTORI, Roberto; BASTOS, Michele R.; WILTBANK, Milo C. Factors affecting fertilisation and early embryo quality in single-and superovulated dairy cattle. Reproduction, Fertility and Development, v. 22, n. 1, p. 151-158, 2009. -/- SENGER, Phillip L. et al. Pathways to pregnancy and parturition. Current Conceptions, Inc., 1615 NE Eastgate Blvd., 1997. -/- VIVEIROS, Ana Tereza de Mendonça. Fisiologia da reprodução de bovinos. Lavras: UFLA, p. 62, 1997. (shrink)
Este artigo propõe pensar o método arqueológico de Michel Foucault, exposto em “As Palavras e as Coisas” e em “Arqueologia do Saber”, e como este se catalisa a partir da obra de Borges, relacionando-se intimamente com a Literatura. Para tal, analisar-se-á, primeiramente, algumas marcas epistemológicas e metodológicas de Foucault, tais com o estruturalismo e a hermenêutica, para, então, se retomar as passagens de Borges na obra do filósofo e se estabelecer as possíveis reverberações e impactos do autor argentino no método (...) arqueológico –marcando-se, assim, a importância dos operadores estético-literários no pensamento de Michel Foucault. (shrink)
FISIOLOGIA DO PARTO E DA LACTAÇÃO ANIMAL -/- ANIMAL REPRODUCTION: PHISIOLOGY OF PARTURITION AND ANIMAL LACTATION -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva Departamento de Zootecnia da UFRPE WhatsApp: (82)98143-8399 -/- 1. INTRODUÇÃO O sucesso biológico do processo de reprodução culmina com a sobrevivência das crias. Durante a gestação, o feto desenvolve-se no útero materno protegido das influências externas, e obtendo os nutrientes e o oxigênio através da mãe. O parto é o processo biológico que marca o fim da gestação (...) e o início da vida extrauterina do animal. Para garantir a sobrevivência do recém-nascido o parto deve ser um processo controlado para que se inicie unicamente quando o feto tiver alcançado desenvolvimento suficiente que lhe permita enfrentar a vida extrauterina. Após o nascimento, a secreção de leite pela glândula mamária proporciona ao neonato tanto os nutrientes necessários para seu desenvolvimento como as defesas (imunoglobulinas) que lhe protegerão contra as possíveis infecções durante as primeiras fases de sua vida. Parto e lactação constituem a última etapa de um ciclo reprodutivo completo nas fêmeas dos animais domésticos, estando ambos os processos regulados e sincronizados por complexas mudanças hormonais na mãe. Estas mudanças são, em última análise, provocadas e governadas pelo próprio feto ou recém-nascido, o qual acomoda as respostas maternas às suas necessidades garantindo a sua sobrevivência. 2. O PARTO O parto é definido como o processo fisiológico pelo qual ocorre a expulsão de um ou mais fetos maduros, bem como das membranas fetais existentes no útero materno. Este processo é desencadeado por uma interação complexa entre as hormonas maternas (fatores maternos) e fetais (fatores fetais). Para que se realize a expulsão do feto é necessário que o útero deixe de ser um órgão quiescente, essencial para a manutenção da gestação, para ser um órgão contrátil. Ao mesmo tempo, o cérvix ou colo uterino, que durante a gestação permanece firmemente fechado para impedir a expulsão prematura do feto e evitar a entrada de agentes infecciosos, relaxa e dilata para facilitar a passagem do feto na hora do parto. Esta modificação na atividade do útero e do colo uterino, ocorrem como consequência das mudanças hormonais que o organismo materno experimenta à medida que a data do parto se aproxima. 2.1 Fatores maternos A gestação dos animais domésticos ocorre com elevada concentração de progesterona que, dependendo da espécie animal, é secretada seja pelo corpo lúteo do ovário (vaca, porca e cabra) ou pela placenta (ovelha e égua). A progesterona desempenha um papel fundamental durante a gestação, inibindo as contrações da musculatura lisa do útero (miométrio), permitindo assim a acomodação do feto durante o seu crescimento. Os estrogênios, estimulantes da atividade contrátil do miométrio, mantêm-se a baixas concentrações durante a maior parte da gestação. À medida que se aproxima o momento do parto, os níveis destes hormônios esteroides modificam-se, produzindo-se a diminuição nos níveis circulantes da progesterona ao mesmo tempo que se incrementam os valores sanguíneos dos estrogênios (figura 1). A redução dos níveis de progesterona suprime a sua ação inibitória sobre a atividade contrátil do miométrio, permitindo que se manifestem os efeitos estimulantes dos estrogênios sobre este órgão. A concentração de estrogênios começa a aumentar geralmente no final da gestação, atingindo os seus valores máximos no momento do parto (figura 1). O aumento da concentração de estrogênios favorece a atividade contrátil espontânea do útero ao: a) estimular a síntese de proteínas contráteis; b) aumentar, sob medida, a sensibilidade do miométrio uterino à ação estimulante das prostaglandinas; c) induzir a formação de receptores de oxitocina no útero. -/- Figura 1. Níveis de progesterona e estrógenos durante a gestação e parto das espécies ovina, caprina, suína e bovina. Fonte: HAFEZ, 2013. Os estrogênios estimulam a síntese e secreção de prostaglandina (PGF2a), que constitui o elemento essencial para o início do parto devido aos efeitos que esta substância provoca. Assim, nas fêmeas, cujos níveis de progesterona gestacional dependem da presença do corpo lúteo, a secreção de PGF, origina a regressão deste (luteólise), com a consequente diminuição da progesterona a níveis basais. Além disso, a PGF2a origina contrações de crescente intensidade no útero sensibilizado pela ação dos estrogênios. Esta ação contrátil da PGF2a deve-se a um aumento da concentração de cálcio intracelular das fibras musculares uterinas. A PGF2a também está envolvida no relaxamento do colo do útero, inibindo a formação de colágeno cervical ao mesmo tempo que estimula a síntese de enzimas (colagenase) que degradam a matriz de colágeno formado no início da gestação. A dilatação do colo do útero está também associada à pressão que o feto exerce sobre o mesmo e, no caso da porca, a relaxina pode também estar envolvida. Esta hormona é também de grande importância para a preparação do parto em todas as espécies animais, uma vez que é responsável pelo relaxamento dos ligamentos e músculos que rodeiam o canal pélvico para favorecer a separação da sínfise púbica durante a expulsão do feto. Nos grandes animais (vaca, égua) as mudanças que ocorrem nos tecidos e ligamentos pélvicos são muito evidentes e constituem um sintoma de parto iminente. O início do parto, ou primeira fase do parto, caracteriza-se pelo aumento das contrações uterinas provocadas pela PGF2a coincidindo com a dilatação do colo uterino para permitir a passagem do feto para o canal do parto, momento em que começa a segunda fase do parto. A distensão vaginal que produz-se para a passagem do feto pelo canal do parto origina um estímulo nervoso que viaja através da medula espinal para o hipotálamo, onde se encontram os neurônios responsáveis pela síntese de oxitocina. As terminações nervosas destes neurónios são projetadas para o lobo posterior da hipófise (neurohipófise), onde a oxitocina é secretada para ser, posteriormente , transportada pela circulação sanguínea. Este reflexo neuroendócrino chamado reflexo de Ferguson determina a secreção súbita de oxitocina, provocando o aumento tanto na intensidade como na frequência das contrações uterinas necessárias para a expulsão final do feto. O papel da oxitocina é ativar a conclusão do processo de expulsão, uma vez que esta hormona não está envolvida no início do parto. A alteração mais significativa entre a gestação e o parto é a alteração na atividade contrátil do miométrio uterino. Esta mudança é devido às alterações hormonais que ocorrem na mãe quando a gestação chegou a fim. No entanto, para que estes mecanismos maternos sejam acionados, é necessário que o feto indique de alguma forma à mãe o seu estado de desenvolvimento, de modo que o nascimento realize-se quando o feto estiver preparado para enfrentar a vida extrauterina. 2.2 Fatores fetais A destruição experimental da hipófise e/ou das glândulas adrenais do feto origina o prolongamento da gestação nos animais domésticos. Pelo contrário, a administração exógena de cortisol (corticosteroides adrenais), ou do seu precursor hipofisário (ACTH), à circulação fetal provoca, em poucas horas, o início do parto. Estes fatos evidenciam a importância do eixo hipófise-adrenal do feto para desencadear o início do parto (figura 2). Figura 2. Mecanismos fetais que controlam o parto em ovelhas. Fonte: LIGGINS et al, 1972. No final da gestação, o feto maduro apresenta um aumento da concentração de corticosteroides plasmáticos devido ao efeito estimulante da hormona adrenocorticotróide (ACVH) secretada pela hipófise fetal sobre as glândulas adrenais do feto. Os corticosteroides fetais por sua vez estimulam as enzimas placentárias para transformar a progesterona em estrogênio. O resultado final é a diminuição dos níveis de progesterona ao mesmo tempo que se eleva a concentração de estrogênios que, por sua vez, estimulam a libertação de PGF2a responsável pelas contrações uterinas. Este raciocínio explica algumas doenças caracterizadas por gestação prolongada em ovelhas, como ocorre na África do Sul, onde estes animais são obrigados, durante as épocas de seca, a ingerir as folhas de um arbusto chamado Salsola tuberculate. O prolongamento da gestação ocorre quando estas folhas são ingeridas durante o último terço da gestação cujos efeitos estão relacionados com a supressão do eixo hipotálamo-hipófise, com o qual as adrenais não recebem o estímulo necessário (ACTH) para a síntese e liberação de corticoides. O efeito contrário é observado nas cabras da raça Angorá, nas quais se produzem, com relativa frequência, partos prematuros que podem estar relacionados com um desenvolvimento precoce das glândulas adrenais. Isto significa que, nos animais domésticos, o feto determina a data do parto. O sinal hormonal que indica à mãe o grau de maturidade do feto é o desenvolvimento do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal que origina o aumento na secreção de corticoides fetais que são os responsáveis por desencadear as alterações hormonais no organismo materno necessárias para iniciar o parto. A figura 2 mostra como a remoção da hipófise e as adrenais do feto prolongam a gestação, enquanto a administração exógena de ACTH ou corticoides (cortisol) ao feto originam um parto prematuro. O momento em que ocorre o aumento da concentração plasmática de corticoides no feto varia de acordo com a espécie: de 25 a 30 dias antes do parto na vaca, de 7 a 10 dias na porca e de 2 a 3 dias na ovelha. 2.3 Desenvolvimento e fases do parto O parto inicia-se com o início das contrações peristálticas e regulares do miométrio uterino ao mesmo tempo que o colo do útero se dilata progressivamente. Nas fêmeas que gestam um único feto (monotecas), as contrações começam na extremidade anterior do córneo uterino, enquanto que nas espécies que gestam vários fetos (politocas) as contrações começam pela extremidade cervical para começar a expulsar o feto que se encontra mais próximo do cérvix. Durante o parto são reconhecidas três fases: 1. Fase preparatória - Na qual as contrações uterinas estimulam a rotação do feto (fêmeas monotecas) para adotar a posição dorsal (extremidades anteriores e cabeça forçadas contra o cérvix) que lhe permite oferecer a menor resistência para sua expulsão. A PGF2a provoca as contrações miometriais e a dilatação do cérvix, deslocando o feto contra e através desta estrutura. 2. Fase de expulsão - A passagem do feto através do colo uterino e da vagina causam a completa dilatação destas estruturas, originando a secreção de oxitocina (reflexo de Ferguson), que provoca contrações de maior frequência e intensidade. Por sua vez, estas contrações uterinas são reforçadas pela pressão e contração dos músculos abdominais, chegando estes últimos a ser a força principal (forças de expulsão) envolvida no processo de expulsão do feto. O cordão umbilical rompe-se bem ao levantar-se a mãe ou pelos movimentos do recém-nascido. 3. Fase de expulsão da placenta - Após o parto, as contrações rítmicas do útero continuam a facilitar a expulsão da(s) placenta(s). O tempo necessário para este processo varia de acordo com a espécie animal. Este processo é rápido na égua, já que a separação do corion (membrana fetal) de sua inserção uterina ocorre durante a expulsão do feto, com o qual o parto deve ser concluído rapidamente ou, caso contrário, o potro se asfixiaria. Nos ruminantes, a expulsão da placenta cotiledonaria é um processo mais lento que exige a separação dos cotilédones (membrana fetal) das carúnculas do útero. Por conseguinte, a troca de nutrientes e oxigênio entre a mãe e o feto continua até que este tenha sido totalmente expelido, devido ao cordão umbilical destes animais ser bastante longo. Nas fêmeas politocas, como a porca, geralmente as placentas de vários leitões são expulsadas no final, quando os leitões já foram expelidos, se bem que o último leitão poderá ser expelido durante a expulsão da massa placentária. 3. LACTAÇÃO A lactação constitui o processo que define os mamíferos como classe biológica. O desenvolvimento pós-natal dos mamíferos vai depender, em grande medida, dos nutrientes e defesas fornecidos pela mãe através da secreção de leite (imunoglobulinas). Assim, uma vez concluído o desenvolvimento gestacional do feto, a glândula mamária irá substituir, de certa forma, a função nutritiva e protetora da placenta durante a gestação. 3.1 Anatomia funcional da glândula mamária A estrutura funcional da glândula mamária é muito semelhante em todos os mamíferos, embora o tamanho, forma e número de glândulas varia dependendo da espécie animal. As glândulas mamárias desenvolvem-se como estruturas pares cujo número varia de um par (égua, cabra e ovelha), dois pares (vaca) até sete ou nove (porca). A localização das glândulas também difere sendo inguinal em vaca, égua, cabra e ovelha, enquanto que na porca, cadela e gata se estendem por todo o comprimento do tórax e abdômen. Nos animais domésticos em geral as glândulas mamárias recebem o nome de úberes. Tomando como modelo a vaca, a glândula mamária se organiza em duas estruturas: o estroma, formado por tecido conjuntivo procedente dos ligamentos suspensório medial, localizado entre os dois pares de glândulas, dando suporte à segunda estrutura que é o tecido secretor. Este é formado por acúmulos de células secretoras formando estruturas ocas chamadas alvéolos, que são as unidades fundamentais secretoras de leite. Os alvéolos estão circulados internamente por células epiteliais (secretoras) e rodeados externamente por células mioepiteliais contráteis, cuja contração origina a ejeção do leite (figura 3). O agrupamento de vários alvéolos adjacentes formam um lobo secretor. Figura 3. Diagrama de um agregado de alvéolos na glândula mamária de uma cabra. Fonte: COWIE et al, 1980. Os lobos expelem a secreção através de ductos que, por sua vez, drenam os ductos galactóforas (ductos lácteos) de maior diâmetro, para desembocar em áreas especializadas em armazenar o leite chamadas cisternas (vaca, cabra). Finalmente, a cisterna abre-se para o exterior através do canal papilar da teta. A presença do músculo liso na teta permite-lhe agir como esfíncter para impedir que o leite seja expelido passivamente do interior da glândula. O mamilo/teta é provido de numerosos receptores sensitivos cuja excitação durante a ordenha ou amamentação vai desencadear estímulos nervosos de grande importância para a manutenção da lactação. 3.2 Desenvolvimento da glândula mamária (mamogênese) A glândula mamária difere das demais glândulas do organismo no escasso desenvolvimento que apresenta no nascimento da fêmea, o qual não se inicia até que esta não atinja a puberdade. O início da atividade cíclica do ovário (puberdade) dá origem à síntese de estrogênios (fase folicular do ciclo estral) e progesterona (fase lútea). Os estrogênios originam o alongamento e ramificação dos ductos e a formação de pequenas massas esféricas de células (os futuros alvéolos). Embora este desenvolvimento seja dependente do estrogênio, é também necessária a ação sinérgica da prolactina, hormona do crescimento (GH) e corticoides adrenais, como demonstrado pelos estudos realizados em ratos aos quais foi removida a hipófise, glândulas suprarrenais e ovários (figura 4). A função da progesterona no desenvolvimento da glândula mamária é estimular o crescimento do lobo-alveolar, mas como no caso anterior também requer a ação conjunta dos hormônios acima mencionados. Figura 4. Hormonas relacionadas com o crescimento da glândula mamária e início da secreção de leite na rata hipofisectomizada-adrenoectomizada-ovariectomizada. Fonte: COWIE, 1980. O desenvolvimento da glândula, durante cada ciclo estral, vai depender da duração da fase folicular (níveis elevados de estrogênio), já que nas restantes fases do ciclo, quando os níveis de estrogênio são baixos, os ductos sofrem uma ligeira regressão. Nas espécies com ciclos curtos (rata), em que a fase folicular do ciclo é predominante, enquanto a fase lútea é quase inexistente, verifica-se um grande desenvolvimento dos ductos; enquanto que aquelas que apresentam um corpo lúteo funcional de longa duração (cadela e primatas), além do crescimento dos ductos, mostram um grande desenvolvimento lóbulo-alveolar semelhante ao que ocorre na gestação. É durante a gestação que o sistema alveolar sofre uma hipertrofia considerável, resultando em lobos proeminentes e no desenvolvimento da luz interna dos alvéolos, fato que é evidente na maioria dos animais domésticos por volta da metade do período gestacional. Em algumas espécies, as células que circundam interiormente os alvéolos contêm produtos secretores, indicando que a glândula mamária já está preparada para a fase da lactação. O desenvolvimento glandular durante a gestação deve-se ao efeito conjunto da progesterona e dos estrogênios com as hormonas hipofisárias acima mencionadas: prolactina, hormona do crescimento (GH) e adrenocorticotropina (ACTH). A proporção entre estrogênios e progesterona varia de acordo com a espécie, mas geralmente é necessária uma maior concentração de progesterona (proveniente do corpo lúteo ou da placenta). Quanto às hormonas hipofisárias, a prolactina desempenha um papel fundamental na diferenciação da glândula mamária (mesmo a baixas concentrações) ao estimular o desenvolvimento do epitélio secretor dos alvéolos. A GH favorece o crescimento dos ductos e a ACTH estimula a secreção de corticoides nas adrenais que, por sua vez, favorecem de forma generalizada o crescimento das glândulas. 3.3 Secreção da glândula mamária (lactogênese) A lactogênese, ou o processo pelo qual se produz a síntese e secreção do leite pela glândula mamária, começa no final da gestação coincidindo com o desencadeamento do parto. O primeiro leite formado imediatamente antes ou depois do parto é denominado colostro. No entanto, a lactação não pode desenvolver- se completamente até que se inicie o processo de parto. Isto deve-se ao fato de que o processo de lactação resulta de uma interação complexa de hormonas que preparam a glândula mamária para a secreção do leite. Os requisitos hormonais mínimos para o início da lactogênese são: aumento da secreção de estrogênios, prolactina e corticoides, juntamente com a diminuição da concentração de progesterona, perfis hormonais que estão intimamente relacionados com o desencadeamento do parto. Isto deve-se ao fato de que a progesterona inibe a atividade lactogênica da prolactina bloqueando a formação dos seus receptores na glândula mamária durante a gestação impedindo, assim, a prolactina de sintetizar os componentes fundamentais do leite. Pelo contrário, o aumento da concentração de estrogênios no final da gestação (figura 1, na seção do parto) estimula a síntese, o armazenamento e a secreção hipofisária de prolactina. Assim, apesar da glândula mamária estar preparada para iniciar a secreção de leite, muito antes da data prevista para o parto, a elevada concentração de progesterona (existente durante esse período de gestação) impede a fase láctea (saída do leite pelas tetas) de ocorrer antes da expulsão do feto. Desta forma, o feto poderá beneficiar das vantagens que o fornecimento do colostro materno irá trazer para a sua sobrevivência (imunização, nutrição e favorecimento da exoneração do mecônio). O aumento da concentração de estrogênios nos dias que antecederem o parto resulta num rápido aumento das concentrações plasmáticas de prolactina e corticoides. A prolactina é a hormona lactogênica mais importante na síntese dos componentes do leite. No entanto, para que esta hormona possa exercer a sua função, é necessária a participação dos corticoides, já que os mesmos são os responsáveis pelo desenvolvimento das organelas citoplasmáticas (retículo endoplasmático rugoso e aparelho de Golgi) onde se realiza a síntese do leite. No desenvolvimento da lactogênese, para além da prolactina e dos corticoides, participam também outras hormonas como a insulina, a tiroxina e o hormônio do crescimento. A insulina estimula a proliferação de novas células epiteliais na glândula mamária, enquanto a tiroxina, embora não seja essencial para a lactação, pode influenciar no volume de leite produzido pela fêmea (alta produção leiteira). Por último, a hormona do crescimento favorece, em geral, a lactação, existindo atualmente um interesse considerável no uso desta hormona para promover a produção adicional de leite em vacas através da sua administração exógena (trabalho e projeto desenvolvido pela professora titular e médica-veterinária do IFPB Campus Sousa Marianne Christina Velaqua). 3.3.1 Síntese e secreção dos componentes do leite Os principais constituintes do leite são: proteínas (caseína, alfa-lactalbumina, albumina sérica e imunoglobulinas), açúcares (lactose), gorduras (principalmente sob a forma de triglicerídeos), vitaminas, minerais e citrato (no caso dos ruminantes). As proteínas (caseína e alfa-lactalbumina) são sintetizadas no retículo endoplasmático rugoso e posteriormente embaladas em vesículas secretoras do aparelho de Golgi para serem liberadas da célula para a luz alveolar mediante um processo de exocitose. A lactose é o principal açúcar do leite que, além disso, atua regulando a pressão osmótica do mesmo de modo que o volume de leite que a glândula mamária segrega está diretamente relacionado com a quantidade de lactose presente. A síntese da lactose ocorre no aparelho de Golgi pela condensação de glicose e galactose; esta reação é catalisada por uma enzima (lactose sintetase) presente na membrana do aparelho de Golgi que, por sua vez, é ativada pela proteína alfa-lactalbumina. Esta proteína só aparece na glândula mamária e é essencial para a síntese da lactose, o que demonstra que este açúcar é exclusivamente formado no leite. A lactose é também embalada junto com o cálcio, o fosfato e as proteínas nas vesículas secretoras para ser expulsada ao lúmen alveolar por exocitose. As imunoglobulinas (anticorpos IgA) são formadas pelas células plasmáticas, derivadas dos linfócitos B do sangue, como consequência da exposição da mãe a diferentes microrganismos. Estes anticorpos passam para a glândula mamária por migração dessas células a partir dos tecidos adjacentes. Os triglicerídeos são sintetizados no citoplasma e no retículo endoplasmático liso a partir de ácidos graxos provenientes da circulação sanguínea; em seguida, unem-se formando glóbulos de gordura que se dirigem até o vértice da membrana plasmática para serem finalmente expelidos para a luz do alvéolo, rodeados pela membrana, formando assim uma dispersão de glóbulos de gordura (figura 5). Figura 5. Estrutura de três células alveolares durante a síntese do leite. Fonte: COWIE, 1980. Do ponto de vista quantitativo, a caseína e os triglicerídeos constituem as proteínas e as fontes de energia, respectivamente, mais importantes do leite. Por último, o citrato é um intermediário do metabolismo da glicose que ocorre em grande concentração no leite dos ruminantes. Este composto é também englobado no interior das vesículas secretoras, junto com os outros compostos, para sua expulsão à luz alveolar. A composição do leite varia dependendo da espécie animal, e difere também até entre a mesma espécie. Estas variações estão relacionadas com a raça, idade, estágio de lactação e estado nutricional do animal. O teor de gordura no leite de ovelhas, porcas, cadelas e gatas varia entre 7 e 10%. No gado leiteiro estes valores variam de 3,5 a 5,5%, dependendo da raça. Em relação às cabras, os valores de gordura são muito semelhantes aos das vacas, enquanto o leite das éguas é o que tem menor teor de gordura (tabela 1). Espécie Gordura Proteína Lactosa Cinzas/Cálcio Gata 7,1 10,1 4,2 0,5 Vaca holandesa 3,5 3,1 4,9 0,7 Cadela 9,5 9,3 3,1 1,2 Cabra 3,5 3,1 4,6 0,8 Égua 1,6 2,4 6,1 0,5 Tabela 1. Composição do leite em várias espécies (%). Fonte: JACOBISON, 1984. 3.4 Manutenção da lactação (galactopoiese) A capacidade da glândula mamária de secretar um grande volume de leite começa em/ou imediatamente antes do parto, para aumentar no período pós-parto durante um tempo variável e, posteriormente, diminuir de forma gradual. Em geral, existe um paralelismo entre a atividade secretora da glândula e a procura de leite por parte do lactente. Isto deve-se ao fato de sucção pelo lactente, ou a extração por ordenha, que constituem o fator fundamental para a manutenção da lactação. A sucção estimula a lactação de duas formas: a) reduzindo os efeitos inibitórios da pressão intramamária produzida pela acumulação de leite, e b) estimulando intensamente a secreção de hormonas necessárias para manter a síntese e secreção de leite nos alvéolos. As hormonas que desempenham um papel fundamental na manutenção da lactação são: I) a prolactina, que é responsável pela estimulação da síntese e secreção de leite nas células epiteliais nos alvéolos, e 2) a oxitocina, que provoca a contração das células musculares que circundam externamente os alvéolos e os ductos (células mioepiteliais). A libertação de ambos os hormônios ocorre como resultado de um reflexo neuroendócrino originado pela estimulação do mamilo. 3.4.1 Secreção reflexa de prolactina A secreção de prolactina é regulada por dois fatores hipotalâmicos: a dopamina, que inibe a secreção de prolactina e um fator cuja identidade não está bem definida, conhecido como fator liberador de prolactina (PRF)que estimula a liberação deste hormônio. O estímulo sensorial originado como sequência da estimulação do mamilo, pela sucção do lactente, é transportado através da medula espinhal para o hipotálamo, onde atua na inibição da dopamina ou estimulando a secreção do PRF para desencadear a secreção de prolactina da adenohipófise para a circulação sanguínea (figura 6). Figura 6. Reflexos neuroendócrinos secretores de prolactina e oxitocina. Fonte: HAFEZ, 2000. A prolactina estimula a secreção dos componentes do leite para a luz dos alvéolos, afim de repor o volume de leite extraído durante a última ordenha ou sucção. Ao mesmo tempo, a prolactina induz a síntese das proteínas, incluindo a alfa-lactalbumina para estimular novamente a síntese da lactosa, bem como as enzimas necessárias para a produção dos triglicerídeos. Desta forma, a secreção de prolactina originada pelo lactente durante o aleitamento proporciona um mecanismo simples para combinar o volume de produção de leite com as necessidades do lactente. A quantidade de prolactina liberada durante cada período de sucção depende do número de crias, da duração do estímulo e dos intervalos de tempo decorridos entre os períodos de sucção (ou ordenha). No caso das vacas leiteiras, as ordenhas são geralmente realizadas de doze em doze horas, intervalo de tempo suficiente para manter a lactogênese. Os valores plasmáticos de prolactina aumentam imediatamente após o início da ordenha, mas os valores mais elevados são obtidos cerca de meia hora após o início do estímulo (ordenha ou sucção). A secreção de prolactina e a produção de leite são influenciadas de alguma forma pelo fotoperíodo, uma vez que, em alguns animais se comprovou como o aumento do número de horas de exposição à luz dá origem a um aumento da concentração de prolactina circulante, bem como uma maior produção de leite (entre 6 e 10%) (trabalho e projeto elaborado pelos estudantes do curso técnico em agropecuária e da graduação em Medicina Veterinária do IFPB Campus Sousa sob a coordenação e orientação da profa. Me. Esp. Marianne C. Velaqua). 3.4.2 Reflexo da ejeção do leite A sucção do mamilo pelo lactente estimula os receptores sensoriais presentes nesta estrutura, originando a geração de impulsos nervosos que são transmitidos pelas vias nervosas ascendentes da medula espinhal para os corpos celulares produtores de oxitocina no hipotálamo. O estímulo desencadeia a síntese e liberação de um bolo de oxitocina através das terminações nervosas dos núcleos hipotalâmicos para a neurohipófise, da qual é transmitida, através do sangue, para a glândula mamária, provocando a contração das células mioepiteliais que rodeiam os alvéolos (figura 6). Além da estimulação direta do mamilo provocada pela sucção, qualquer estímulo relacionado à ordenha é capaz de gerar o reflexo da ejeção, por exemplo: os estímulos sensoriais auditivos (ruído dos cubos na hora da ordenha), visuais (ambiente da sala de ordenha), táteis (lavagem manual dos mamilos antes da ordenha) e os estímulos olfatórios que se produzem em torno do animal. O desencadeamento do reflexo de ejeção pelos estímulos sensoriais, que não estão diretamente relacionados com a sucção ou ordenha, indica a possível participação de centros superiores do sistema nervoso central para controlar a secreção de oxitocina. Esta teoria é baseada em que os estímulos relacionados com situações de estresse em animais de estimação (medo, ansiedade, frio, etc.) inibem a ejeção do leite. A contração das células mioepiteliais gera um aumento da pressão intra-alveolar mamária, provocando o deslocamento do leite para os ductos maiores da glândula. Este efeito é popularmente conhecido como diminuição do leite e constitui um mecanismo fisiológico muito eficaz para controlar a expulsão do leite para o mamilo, assegurando que a ejeção do leite se realize unicamente quando o lactente o demanda. O efeito estimulante da oxitocina é de grande importância já que a maior parte do leite se encontra nos alvéolos e nos ductos, com o qual, a ausência deste hormônio provocaria um lento movimento do leite para a cisterna do úbere e, portanto, uma menor quantidade de leite. Assim, quando os alvéolos e ductos menores são contraídos, ocorre o relaxamento dos ductos principais, bem como da cisterna (ruminantes) e do mamilo, o que dá origem a um aumento destas estruturas para alojar o volume de leite expelido. Como resultado da volumosa ejeção do leite dos alvéolos e ductos menores, ocorre um aumento da pressão intramamária de modo que o lactente terá que vencer a resistência do esfíncter do mamilo para poder extrair o leite. A produção de leite pela glândula mamária diminui gradualmente à medida que os intervalos de tempo entre os dois períodos de amamentação do lactente diminuem e os estímulos necessários para manter as concentrações de prolactina e oxitocina na circulação sanguínea. A diminuição ou cessação da secreção de leite, geralmente coincide com a mudança na alimentação das crias (desmame) para passar à dieta característica da espécie. 3.5 Colostro O colostro é o primeiro leite que se forma na glândula mamária coincidindo com o parto. A ingestão de colostro por recém-nascidos é de grande importância para a sua sobrevivência, não só pelo seu elevado valor nutritivo, mas também pelo seu teor em imunoglobulinas (IgA) que lhe confere a imunização passiva necessária para o proteger contra patologias. Em algumas espécies (homem, coelho e cobaia) grande parte dos anticorpos passam para a circulação do feto através da placenta durante a gestação. Nos animais domésticos (vaca, égua, ovelha, cabra, porco) as características da placenta (número de camadas entre a circulação materna e fetal) não permitem a passagem destas proteínas. Como resultado, a imunização das crias nestas espécies animais vai depender da transferência das imunoglobulinas através do colostro. O epitélio intestinal dos recém-nascidos permite a passagem destas imunoglobulinas durante as primeiras 24 a 48 horas de vida. Passado este tempo, o epitélio torna-se impermeável à passagem dos anticorpos, fato que põe em evidência a importância que tem para os animais recém-nascidos e desprovidos de defesas a ingestão do colostro durante os primeiros dias. A composição do colostro caracteriza-se (em relação ao leite normal) por um teor mais elevado de proteínas, vitaminas, minerais e uma menor concentração de lactose. A composição do colostro muda gradualmente durante os primeiros três dias após o parto para se transformar em leite normal. 4. RESUMO E PRIMEIRAS CONCLUSÕES O parto, ou processo fisiológico pelo qual se expulsa o feto, é o resultado da maturação sequencial de um sistema de comunicação hormonal. A sequência inicia-se no sistema nervoso central do feto de onde os sinais são transmitidos e amplificados, através da hipófise, para as glândulas adrenais fetais, as quais respondem ao estímulo mediante a secreção de cortisol. O aumento da concentração de cortisol por parte do feto indica que este conseguiu o desenvolvimento necessário para enfrentar a vida extrauterina e, portanto, é hora de interromper a gestação. O cortisol atua sobre a placenta para aumentar a secreção de estrogênios que, por sua vez, estimulam a síntese e a liberação de prostaglandinas. O resultado é a diminuição da progesterona, que é a hormona encarregada de manter a gestação ao inibir as contrações espontâneas do útero, impedindo assim a expulsão prematura do feto. O útero, sob os efeitos da prostaglandina, começa a contrair-se ao mesmo tempo que o colo uterino amolece e dilata progressivamente (fase preparatória do parto). A passagem do feto ao canal do parto origina a secreção reflexa de oxitocina (fase de expulsão), causando contrações de maior frequência e intensidade que culminam com a expulsão do feto. Finalmente, as contrações uterinas continuam durante algum tempo até que finalmente é expulsa a placenta (fase de expulsão da placenta). O desenvolvimento da glândula mamária durante a gestação e a subsequente capacidade desta estrutura para secretar leite, coincidindo com o parto, oferece aos animais pertencentes à classe biológica dos mamíferos a vantagem de alimentar as suas crias para assegurar a sua sobrevivência durante as primeiras fases do seu desenvolvimento e, portanto, a continuidade da espécie. A lactação constitui um dos processos fisiológicos mais complexos em consequência do grande número de hormonas que, segregadas de forma coordenada, controlam as diferentes fases pelo que atravessa este processo: I) mamogênese ou desenvolvimento dos dutos e estruturas lóbulo-alveolares durante a gestação; 2) lactogênese ou síntese láctea por células epiteliais e sua secreção para a luz alveolar coincidindo com o parto, e 3) galactopoiese ou manutenção da síntese e secreção do leite como consequência da sua extração da glândula mamária seja pela sucção da cria ou pela ordenha. -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – Departamento de Zootecnia da UFRPE. Recife, 2020. -/- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS -/- BEIGHLE, D. E. The effect of gestation and lactation on bone calcium, phosphorus and magnesium in dairy cows. Journal of the South African Veterinary Association, v. 70, n. 4, p. 142-146, 1999. BRACKELL, B. G.; JR SEIDEL, G. E.; SEIDEL, S. 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Reproducción en los animales domésticos. Montevidéu: Melibea, 2002. (shrink)
Emanuel Isaque Cordeiro da Silva1 [email protected] WhatsApp: (81) 97109-4655 -/- Somente a partir do século XX, a democracia passou a ser considerada por muitos um critério de legitimação da vida política. Ao longo de sua trajetória, o pensamento democrático se modificou, incorporando e abolindo diferentes elementos. Desse modo, duas expressões da democracia, a direta e a representativa, tiveram lugar na história ocidental. Democracia direta Na democracia clássica, em Atenas, todos aqueles que fossem considerados cidadãos podiam e deviam participar da criação (...) e da manutenção de uma vida em comum. O demos (povo) era a autoridade soberana para exercer funções legislativas e judiciárias. Ou seja, a cidadania ateniense requeria participação direta dos cidadãos nos assuntos da pólis (cidade). Ostracismo, uma prática da Grécia antiga Com atual significado de isolamento, exclusão ou afastamento das próprias funções, a prática do ostracismo era uma forma de desterro na Grécia antiga. De tempos em tempos, ocorria uma votação em que os indivíduos considerados uma ameaça à comunidade podiam ser deportados. Utilizando um pedaço de cerâmica (ostraka, em grego), os cidadãos anotavam o nome da pessoa impopular para que ela fosse banida por dez anos. Apesar da punição, não havia prejuízos para o condenado o que se referia aos direitos e bens. A virtude cívica, princípio de compromisso de todos os atenienses, implicava dedicação à cidade republicana e subordinação da vida privada aos assuntos públicos e ao bem comum. Nesse modelo, o conceito de cidadão está associado à participação, pois cada cidadão interfere diretamente nos interesses do Estado. Na prática, o exercício da democracia direta consiste na discussão, sem intermediários, das principais questões de interesse comum. Na Grécia antiga, as assembleias populares reuniam os cidadãos na Ágora, praça pública onde se deliberaram leis, impunham-se sanções etc. Esse modelo, entretanto, dificilmente seria possível em comunidades mais numerosas do que as das cidades-Estado gregas, nas quais o conceito de “cidadão” era aplicado a um número restrito de pessoas. Democracia representativa O conceito moderno de democracia representativa surgiu com as revoluções burguesas da Europa, entre os séculos XVII e XIX, especialmente com os ideais iluministas de liberdade e primado da razão, bem como da independência dos Estados Unidos, no século XVIII. O pilar desse modelo é a noção de soberania popular, que se efetiva pelo exercício do voto. Além dela, outras instituições políticas foram criadas e se tornaram indispensáveis para caracterizar um regime como democrático: a separação dos poderes, o respeito às leis, a livre manifestação do pensamento e a cidadania. O modelo se caracteriza pela representação política. Na democracia representativa as deliberações coletivas não são tomadas diretamente pelos cidadãos, mas por pessoas eleitas para tal finalidade. A participação dos cidadãos é indireta, periódica, formal e se expressa por meio das instituições eleitorais e dos partidos políticos. Nas últimas décadas, em diversas partes do mundo, inclusive no Brasil, surgiram questionamentos ao modelo representativo, na medida em que, em muitos casos, os representantes eleitos pelo voto popular constam agir em defesa de interesses de grupos dominantes. Democracia participativa Em muitos países ocidentais, como os da América Latina, a democracia representativa mostrou-se incapaz de fazer que os governos agissem de acordo com os interesses da maioria dos cidadãos. Então, a democracia participativa surgiu como alternativa de superação das deficiências do sistema representativo, já que os dois não são necessariamente antagônicos. Suas principais propostas buscam ampliar a participação cidadã nos assuntos públicos e reduzir a distância entre representantes e representados. Apesar de não ser amplamente adotada, a democracia participativa visa propiciar uma ação política mais igualitária, baseada em grande número de grupos sociais, que, articulados em rede contribuem para orientar as ações governamentais no sentido de atender às necessidades da maioria dos cidadãos. Um dos exemplos desse modelo de democracia é o orçamento participativo, que tem o intuito de sujeitar o uso dos recursos municipais à opinião pública. Por meio de reuniões comunitárias, propostas são coletadas, prioridades são votadas e, com base nessas emendas, é elaborada a Lei Orçamentária Anual (LOA), que depois é encaminhada ao poder legislativo para votação. Nesse caso, a sociedade civil passa a preencher espaços que antes eram ocupados por uma elite burocrática, muitas vezes distante da realidade da população local e que atende outros interesses. De acordo com o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, a democracia participativa é exercida por mecanismos que buscam ampliar a participação social. Essa maneira de atuação do cidadão procura superar falhas do modelo representativo, já que este se tornou um método de formação de governo quando deveria ser uma prática social que inserisse na política os atores sociais excluídos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS SILVA, A. et. al. Sociologia em Movimento. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2016. (shrink)
OBJETIVO Com essa unidade, o objetivo é apresentar o funcionamento do sistema endócrino e o controle que ele exerce sobre os processos reprodutivos. Logo, o estudante com-preenderá que os processos endócrinos de um organismo não podem estar dissociados do que ocorre com o restante do organismo nem das alterações do entorno. Por essa razão, o sistema endócrino e o sistema nervoso se comunicam entre si, formando em seu conjunto o sistema neuroendócrino. Sendo assim, o intuito desse trabalho é descrever as (...) funções dos órgãos endó-crinos mais importantes relacionados a reprodução, assim como o papel dos principais hormônios produzidos em cada um desses. INTRODUÇÃO Os processos reprodutivos requerem uma estreita coordenação entre diferentes ór-gãos do aparelho reprodutivo, além de estarem acompanhados por mudanças metabólicas que permitem a adaptação do animal aos requerimentos de cada etapa dos processos que nele realizam-se. A reprodução deve ser capaz de responder ou ajustar-se as condições externas, como a época do ano, a disponibilidade de nutrientes, além da presença ou au-sência de animais do sexo oposto. Essa coordenação e adaptação são alcançados graças a comunicação endócrina entre diversas células e órgãos. HIPOTÁLAMO O hipotálamo é um órgão central do sistema neuroendócrino. Está constituído por uma região do sistema nervoso central estrategicamente localizado para receber informa-ção de todos os órgãos dos sentidos; direta ou indiretamente recebe projeções provenien-tes da retina, dos bulbos olfatórios primários e secundários, o ouvido, a pele e os órgãos internos. Ademais, o hipotálamo possui receptores hormonais, receptores para substân-cias como a glicose e os ácidos graxos, barorreceptores para registrar a pressão sanguínea, e os termo-receptores para a temperatura corporal. Pode-se afirmar que o hipotálamo conhece o que está acontecendo dentro e fora do organismo, e consequentemente encontra-se em uma posição específica para tomar decisões transcendentais na vida do animal. Além disso, o hipotálamo regula funções vitais como a fome, a sede e o sono. Também é um órgão encarregado de regular uma função que é essencial para a sobrevivência de qualquer espécie que nada mais é do que a reprodução e a perpetuação da espécie. Apesar de sua grande importância, o hipotálamo representa uma pequena porcen-tagem de massa encefálica. É constituído por núcleos que são grupamentos de neurônios especializados. A maioria dos núcleos são bilaterais, situados um de cada lado do tercer ventrículo que é uma cavidade pequena que contém líquido cerebrospinal que ocupa o centro do hipotálamo. Em alguns casos os neurônios estão mais dispersos, ao qual em lugar de se denominar núcleos se alcunha de áreas hipotalâmicas (figura 1). Continua... (shrink)
In this article I examine the so called principle of identity, originally formulated by Aristotle, showing it applies to falsehoods only as truths -- or true falsehoods -- hence that self-identity regards only truths -- of either true falsehoods or simple truths.
In the academic world, despite their corrective nature, there is still a negative stigma attached to retractions, even more so if they are based on ethical infractions. Editors-in-chief and editors are role models in academic and scholarly communities. Thus, if they have multiple retractions or a record of academic misconduct, this viewpoint argues that they should not serve on journals’ editorial boards. The exception is where such individuals have displayed a clear path of scholarly reform. Policy and guidance is needed (...) by organizations such as the Committee on Publication Ethics. (shrink)
A surge in post-publication activity related to editing, including by technical editors and copyeditors, is worthy of some discussion. One of these issues involves the issue of 'tortured phrases', which are bizarre terms and phrases in academic papers that replace standard English expressions or jargon. This phenomenon may reveal an attempt to avoid the detection of textual similarity or to masquerade plagiarism, and yet remain undetected by editors, peer reviewers and text editors. Potentially thousands of cases have already been discovered (...) and reported publicly on the post-publication platform PubPeer. In this opinion paper, 35 cases from ranked scholarly journals are presented, mainly the fields of materials, computer and engineering sciences. This collation serves to expand discussion about this integrity-related phenomenon and to increase educational awareness of the topic. (shrink)
A meliponicultura é a criação racional de abelhas nativas sem ferrão. A criação r acional de abelhas indígenas é uma atividade auxiliar na geração de trabalho e renda, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida dos criadores, além de ser uma atividade economicamente viável, ecologicamente sustentável e socialmente justa. -/- O conhecimento sobre as abelhas sem ferrão e a meliponicultura nas Américas é muito antigo quando comparado com as atividades envolvendo, nesse continente, as abelhas Apis mellifera. Há muito tempo, (...) povos indígenas de diversos territórios se relacionam com os meliponíneos de muitas formas, seja estudando-os, criando-os de forma rústica ou explorando-os de forma predatória. -/- Antes da chegada da abelha Apis mellifera no continente americano, ou da exploração da cana para fabricação de açúcar, o mel das abelhas nativas caracterizava-se como principal adoçante natural, fonte de energia indispensável em longas caçadas e caminhadas que esses povos realizavam na busca por alimento. -/- Muito do conhecimento tradicional acumulado pela população nativa foi gradativamente assimilado pelas diferentes sociedades pós-colonização, tornando a domesticação das abelhas sem ferrão uma tradição popular que se difundiu principalmente nas regiões norte e nordeste do Brasil. A herança indígena presente na atual lida com as abelhas é evidenciada pelos nomes populares de muitas espécies, como é o caso da Uruçu Nordestina ou Uruçu Verdadeira (Melipona scutellaris), uma palavra que vem do tupi "eiru'su", que nessa língua indígena significa “abelha grande”. -/- O nome "uruçu" está relacionado com diversas abelhas do mesmo gênero, encontradas não só no Nordeste, mas também na região amazônica. A tendência, porém, é a de reservar o termo “uruçu” para a abelha da zona da mata do litoral baiano e nordestino, que se destaca pelo tamanho avantajado (semelhante à Apis), pela produção de mel expressiva entre os meliponíneos e pela facilidade do manejo, pois são abelhas mansas. -/- Estudos já realizados mostraram o relacionamento da uruçu com a mata úmida, que apresenta as condições ideais para as abelhas construírem seus ninhos, além de encontrarem, em árvores de grande porte, espécies com floradas mais abundantes, que são seus principais recursos alimentares, bem como locais de morada e reprodução. A Uruçu (Melipona scutellaris) possui uma preferência floral mais seletiva do que as abelhas africanizadas, razão porque se encontram em vias de extinção. (shrink)
-/- OS NOVOS CAMINHOS OPOSTOS DA UTOPIA: O HOMEM ENTRE DEUS E ANIMAL -/- THE NEW OPPOSITE WAYS OF UTOPIA: THE MAN BETWEEN GOD AND ANIMAL -/- Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva -/- Na Antiguidade, em particular em Aristóteles, os homens eram definidos por duas grandes oposições. Acima deles, havia os deuses; abaixo deles, havia os animais. O que os homens tinham em comum com um opunha-os ao outro; e o que os distinguia de um ligava-os ao outro. (...) Os homens tinham em comum com os deuses o fato de serem racionais — o que os opunha aos animais, que não podem argumentar ou raciocinar. Mas os homens tinham em comum com os animais o fato de serem viventes mortais — o que os opunha aos deuses, que são viventes imortais. Havia, portanto, três tipos de viventes (zôa) ou, por assim dizer, três "faunas": os viventes imortais racionais, os viventes mortais irracionais e o homem, entre seus dois "Outros": nem irracional como os animais nem imortal como os deuses. Isso garantia a natureza humana. O homem está no centro do mundo, não no sentido de que é a espécie superior, mas no sentido de que sua natureza, por mais imperfeita que seja, está encerrada, e como que a meio caminho, entre duas outras naturezas perfeitas: o animal e o deus. Sabíamos o que tínhamos de fazer, pois sabíamos o que somos. Mas porque sabíamos que não somos nem animais nem deuses, sabíamos também o que não podíamos fazer. Querer subir ao céu dos deuses era pecar por húbris, pela "desmedida" daquele que quer ultrapassar seus limites naturais. Inversamente, tender a descer ao nível dos animais, abandonar sua faculdade racional, era cair na vergonhosa bestialidade. Hoje, porque não sabemos mais quem somos, nós, seres humanos, ora nos identificamos com os animais (liberais), ora com os deuses (libertarianos). Essas são as duas utopias de nossa Modernidade. Não utopias de quem imagina viver em outro lugar, mas utopias de quem imagina ser outro. Não podemos mais pensar o que somos: seres humanos. Perdemos as duas referências que nos definiam: nossos limites superior e inferior. Como os outros animais, somos fruto da evolução natural e o que nos diferencia deles não é nem uma diferença absoluta nem uma oposição de natureza. Hoje sabemos que existe consciência na maioria dos animais superiores; que há modos de comunicação em muitas espécies sociais e de inteligência nos primatas; e que há modos de transmissão de conhecimentos culturais em certas espécies de chimpanzés etc. Por outro lado, não acreditamos mais que o Céu seja habitado por deuses imortais. Para boa parte da Modernidade, o Céu é vazio: é o que chamamos de secularização do mundo; e para outra parte da Modernidade, para a qual Deus ainda é mestre absoluto, Ele é tão inconcebivelmente grande, tão elevado e tão distante de nós que não podemos mais nos definir em relação a Ele. Portanto, não há nenhuma distinção que nos separe dos animais, mas ao mesmo tempo há uma distância infinita que nos separa do além. Surgem então as duas grandes utopias que hoje se contrapõem no horizonte humano. De um lado, a utopia pós-humanista é herdeira do ideal libertário do gozo; ela sonha como um novo "eu", mais poderoso do que jamais foi, e triunfante sobre sua própria animalidade e mortalidade. De outro lado, a utopia animalista é herdeira das grandes esperanças de libertação coletiva do século XX; ela sonha com um novo "nós", uma nova comunidade além da política, a comunidade de todos os animais sensíveis. Sonhamos para o homem um futuro divino ou um destino animal. Haveria lugar para uma utopia humanista entre essas duas utopias anti-humanistas? Ainda é possível sonhar para a humanidade um destino à sua medida? É muito tarde para uma nova utopia política ou ainda não é hora para uma utopia humanista, para a revolução cosmopolítica? Seria possível deduzir a priori esses três ideais a partir de uma única certeza: nós nos tornamos indivíduos. Mas como seriam os programas revolucionários na era dos direitos subjetivos? Livrar-nos do Mal. Nós quem? Talvez você e eu. Ou os habitantes de uma nova Cidade pós-política. O primeiro tipo de programa seria o de uma utopia libertariana: o Mal seria tudo que obstrui e limita a ação, o pensamento e a vida individuais: a doença, a velhice, a morte, em resumo: a animalidade. O direito seria o privilégio de viver melhor, viver mais, viver sempre. Eu tenho esse direito! Quem seríamos nós? Seríamos apenas, e para sempre, eus. Nossa ética seria na primeira pessoa: ser eu plenamente. Pós-humanismo. Quanto ao segundo tipo de programa, das duas uma. Ou os habitantes da nova Cidade seriam de um gênero novo ou então a própria Cidade é que seria de um gênero novo. No primeiro caso, os indivíduos não seriam mais humanos, pois a Cidade seria estendida a todos os seres sensíveis. O Mal seria o sofrimento ou a dominação. A Cidade ideal, a Calípolis de Platão, seria uma Zoópolis. Todos os seres sensíveis seriam detentores dos mesmos direitos, isto é, de imunidades. Quem seríamos nós? Seríamos animais sensíveis aos animais sensíveis. Nossa ética seria na segunda pessoa: compaixão, culpa. Animalismo. No segundo caso, os indivíduos seriam humanos, pois a Cidade seria estendida a todos os homens. O Mal seria a guerra ou a condição de estrangeiro. A Cidade boa, a Calípolis de Platão, seria uma Cosmópolis. Todos os seres humanos seriam detentores dos mesmos direitos, isto é, de liberdades iguais. Quem seríamos nós? Seríamos a humanidade. Nossa ética seria na terceira pessoa: justiça. Cosmopolitismo. -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – Agropecuarista, Autodidata, Escritor, Estudante, Pesquisador e Professor. Acadêmico do curso de Zootecnia na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). WhatsApp: (82) 9.8143-8399. (shrink)
SOCIOLOGIA DO TRABALHO: O CONCEITO DO TRABALHO DA ANTIGUIDADE AO SÉCULO XVI -/- SOCIOLOGY OF WORK: THE CONCEPT OF WORK OF ANTIQUITY FROM TO THE XVI CENTURY -/- RESUMO -/- Ao longo da história da humanidade, o trabalho figurou-se em distintas posições na sociedade. Na Grécia antiga era um assunto pouco, ou quase nada, discutido entre os cidadãos. Pensadores renomados de tal época, como Platão e Aristóteles, deixaram a discussão do trabalho para um último plano. Após várias transformações sociais entre (...) diferentes eras e povos, o trabalho foi ganhando espaço nos debates entre os povos, como os caldeus, hebreus e romanos. O trabalho conferiu-se no escopo da discussão social. Na Idade Média, com Agostinho, Santo Aquino e outros o labor foi concebido como algo benéfico e divino. O que se via como algo “escravo” ao povo, transformou-se em necessidade e benevolência divina. -/- Palavras-chave: Conceito; Trabalho; História; Definição. -/- ABSTRACT -/- Throughout the history of mankind, work has figured itself in different positions in society. In ancient Greece it was a little matter, or almost nothing, discussed among the citizens. Renowned thinkers of such a time, like Plato and Aristotle, left the discussion of the work for a last plan. After several social transformations between different eras and peoples, work was gaining space in the debates among peoples, such as the Chaldeans, Hebrews and Romans. The work has taken place within the scope of social discussion. In the Middle Ages, with Augustine, Saint Aquinas and others the work was conceived as something beneficial and divine. What was seen as something “slave” to the people, became need and divine benevolence. -/- Keywords: Concept; Work; History; Definition. -/- BASES TEMÁTICAS DESSE TRABALHO -/- ➢ O trabalho é um conceito construído socialmente; -/- ➢ A modernidade trouxe consigo mudanças significativas quanto à valorização do trabalho; -/- ➢ A origem dos mercados de trabalho, juntamente com o surgimento do capitalismo, minimizou o trabalho como um mero emprego assalariado; -/- ➢ O trabalho, no entanto, apresenta múltiplas manifestações nas nossas sociedades. -/- 1. A VISÃO GREGA DE TRABALHO -/- Comecemos pelos gregos, uma civilização excitante que, durante muitos séculos antes de Cristo, já começava a elaborar riquíssimas reflexões sobre vários aspectos da vida humana. No entanto, surpreende aqueles de nós que já ler os primeiros filósofos gregos, como entre tantas análises rigorosas e “diálogos”, um elemento tão central na vida social dos povos, como o trabalho havia tido escassa repercussão. A explicação só faz sentido, justamente, ao analisar a valorização que esses grandes pensadores tinham acerca do nosso objeto de estudo que é o trabalho. Embora, como supracitado, os gregos não tivessem uma visão unânime sobre o trabalho, não é menos certo assinalar que para esta civilização o trabalho foi considerado um fato altamente desvalorizado. O trabalho, para eles, dado a sua vinculação com a dimensão de constrangimento e necessidades, limitava a liberdade dos indivíduos, condição indispensável para integrar o mundo da “pólis” na qualidade de cidadão. O homem livre realizava atividades absolutamente desinteressadas: a atividade intelectual (que não era considerada trabalho) fazia parte do ócio e da contemplação. O trabalho, reservado apenas aos escravos, como bem sinala Hopenhayn (1955), significava uma mera função produtiva. Portanto, o escravo passou a ser unicamente uma força de trabalho. Como tal, ele não tem personalidade e pertence ao seu mestre, como uma coisa entre muitas. Como objeto de propriedade, escapa ao pensamento antropológico que domina a filosofia sofista e socrática, porque para o cidadão grego falar de escravo não implica um sujeito pensante, senão uma coisa ou, no máximo, a força. Também escapa ao pensamento platônico, porque, como uma coisa, parece totalmente desvalorizado na construção idealista-dualista da realidade (HOPENHAYN, 1988. p. 23 – Tradução própria). -/- Três termos fundamentais que devemos recordar da tradição grega: -/- 1 – Ponos: penalidade, fadiga; -/- 2 – Banausia: trabalho mecânico, e -/- 3 – Ergon: realização. -/- Vejamos como essa noção de trabalho é construída como algo servil (ponos), ao qual uma visão positiva de lazer e contemplação foram contrastadas como uma atividade puramente humana e libertadora. As raízes do supracitado são encontradas no valor eticamente supremo da autarquia socrática. Segundo essa noção alcunhada por Sócrates (469-399 a.C.), todo aquele que trabalha está submetido tanto à matéria como aos homens para quem trabalha. Nessa medida, sua vida carece de autonomia e, portanto, de valor moral. Naturalmente, não só os escravos, mas também qualquer trabalhador dedicado a todos os tipos de tarefas manuais, foram desprezados por um pensamento helênico indubitavelmente aristocrático. Para Platão (427-347 a.C.), de origem aristocrática, descendente do último rei de Atenas e discípulo de Sócrates, a autarquia continua a ser perpetrada como um valor ético supremo e, em consonância com os interesses da aristocracia fundiária, afirmava que somente a agricultura evocava autêntica autonomia. Dessa forma, o pensamento platônico restringiu a participação política a escravos, comerciantes e artesãos. Todos eles têm em comum a dependência das condições materiais em que produzem e trocam mercadorias. O plano político estará intimamente relacionado ao econômico-trabalhista: somente quem é capaz de governar a si mesmo (e como sabemos, acontece com aqueles que não trabalham ou possuem terras), pode governar os outros. Somente a liberação total da prática mundana do trabalho abre as possibilidades de dedicar-se, como fez Platão, à contemplação (σχολή), à filosofia e às ciências, e por meio disso saber distinguir o bem do mal, o justo do injusto, o verdadeiro do falso. Quem poderia dedicar-se a tais “tarefas nobres”? Evidentemente, aqueles que não precisam fazer parte da população trabalhadora, isto é, a aristocracia. Esse sistema de governo aristocrático foi defendido, obviamente, por Platão. Em sua “A República” sinala que o governo perfeito é o aristocrático, e que a este se sucedem a timocracia (governo dos guerreiros), a oligarquia (dos ricos) e a democracia (“governo daqueles que amam o prazer, a mudança e a liberdade), que perece por seus excessos nas mãos de alguns homem audaz que se coloca à frente do povo para defender a democracia e “do tronco desses protetores do povo nasce o tirano”, dando origem à tirania.(2) Em seu diálogo “Político” podemos ler: Aqueles que possuem a si mesmos através da compra, e aqueles que podem ser chamados sem nenhuma discussão de escravos, não participam da arte real [...] E todos aqueles que são livres, se dedicam espontaneamente a atividades servis como as supracitadas, transportando e trocando produtos da agricultura e de outras artes; que nos mercados, indo de cidade em cidade por mar e terra, trocando dinheiro por outras coisas ou por dinheiro, o que chamamos de banqueiros, comerciantes, marinheiros e revendedores, poderão, por acaso, reivindicar para eles algo da ciência política? [...], mas também aqueles que estão dispostos a prestar serviços a todos por salários ou por subsídios, nunca os encontramos participantes na arte de governar [...] Como os chamaremos? Como você acabou de dizer agora: servidores, mas não governantes dos estados (PLATÃO, 1983. pp. 237-8 – adaptado). Esse estado ideal que Platão projetou em seus ensinamentos estava longe, a propósito, da democracia ateniense defendida por Péricles. De certa forma, Platão só confiava em uma elite no poder constituída por uns poucos (oligarquia) que não deveriam se render às tarefas servis da produção e circulação das riquezas. Para ele, as crianças aristocráticas deveriam ser selecionadas desde a infância, recebendo uma educação suficiente tanto em filosofia quanto nas “artes da guerra”. Aos trinta anos, eles já seriam capazes de passar por um exame donde seriam selecionados os “filósofos-reis” encarregados do governo. De fato, no entanto, suas concepções de governo nunca poderiam ser executadas com pureza; ou pela chamada “contrarrevolução aristocrática”, ou pela invasão estrangeira subsequente. Essa visão do trabalho que estamos a analisar, como bem sinala Henri Arvon (1914- 1992), conduz a uma sociedade basicamente conservadora e estancada no produtivo. (3) A ideia de liberdade, ócio e contemplação como valores superiores, propõe um desprezo pelo trabalho que, como vimos, é uma atividade puramente transformadora. Há aqueles que, mediante tal contestação, arriscam fundamentar que grande parte do subdesenvolvimento tecnológico na Grécia derive justamente a essa cultura tão peculiar em relação ao trabalho. Caso contrário, se houvesse escravos, por que avançar em conhecimentos que facilitaram o trabalho? Não nos surpreende, nesse sentido, que uma civilização capaz de criar conhecimentos espetaculares em áreas particularmente complexas como a geometria (Euclides), por outro lado, não soubesse (ou não gostaria) de avançar em conhecimentos técnicos aplicáveis ao campo econômico-trabalhista. Já vimos como a cidadania era o escopo da de alguns aristocratas da civilização helênica. Hannah Arendt (1906-1975) sinalava que os gregos distinguiam entre os escravos, os inimigos vencidos (dmôes ou douloi) que estavam encarregados do trabalho doméstico, e os demiourgoi, homens livres para se deslocarem do domínio privado para o público. Somente depois do século V, sinala Arendt, a pólis começou a classificar as ocupações de acordo com os esforços que eles exigiam. Nisso, Aristóteles (384-322 a.C.) teve que desempenhar um papel preponderante que colocou aqueles cujo “corpo está mais deformado” na faixa mais baixa. Ele não admitiria, portanto, aos estrangeiros (os escravos), nem tampouco aos banausoi, antes dos demiourgoi, trabalhadores e artesãos que deviam resignar-se ao mundo dos “oikos”. Estes, não só estavam submetidos à necessidade como eram incapazes de ser livres, mas também incapazes de governar a parte “animal” do seu ser (República, 590). Serão eles, não obstante, aqueles que permitem o florescimento da chamada democracia helênica, pois, quem senão os trabalhadores (escravos ou artesãos) poderia manter com seu esforço o ócio e a contemplação dos “homens livres”, cidadãos do mundo? Como foi supracitado, será Aristóteles quem delimitará ainda mais os direitos de cidadania. Sua cidade ideal, como em Platão, diferenciaria os governantes dos governados. O primeiro, constituído pela classe militar, estadistas, magistrados e sacerdócio. O segundo, pelos agricultores, artesãos e os camponeses. Com os comerciantes há uma certa ambivalência: embora ele considerava uma ocupação antinatural, estava disposto a admiti-los até certo ponto em sua cidade ideal, cuja base seguiria sendo a escravidão. Em sua Política, ele explana: A cidade mais perfeita não fará do trabalhador manual (artesão) um cidadão. Caso o admitir como tal, a definição de virtude cívica [...] não alcança todos os cidadãos, nem apenas os homens livres, mas só os que estão isentos de trabalhos indispensáveis à sobrevivência. Destes, os que estão a serviço de um só indivíduo, são escravos; os que servem a comunidade, são trabalhadores manuais (artesãos) ou trabalhadores não qualificados (ARISTÓTELES, 1998. p. 203). Tampouco compreenderá os agricultores como reivindicava Platão: “Tampouco deverão ser agricultores os futuros cidadãos, pois para a formação de sua virtude e para a atividade política, o ócio é necessário”. Essa prolifera discussão ocorreu em uma civilização onde começaram a surgir as primeiras mudanças produtivas derivadas do crescimento econômico feito do descobrimento do ferro, e sua posterior divisão do trabalho, onde florescem os grupos de comerciantes e a aristocracia proprietária de terras começa a dominar. Os pensadores da época, mais aliados a estes últimos, contrariavam os princípios da acumulação comercial. Em sua Política, Aristóteles aconselha os cidadãos a absterem-se de qualquer profissão mecânica e de toda especulação mercantil. O primeiro, porque limita intelectualmente, e o segundo, porque degrada o ético. Somente o ócio (scholé), para esses pensadores, permite a virtuosidade e a capacidade de julgar. A Koinonia politiké (comunidade dos homens livres) era típica daqueles que não precisavam de trabalho, relegando a população trabalhadora ao mero âmbito da reprodução material (chrematistiké), o que só era possível em um contexto de alta divisão do trabalho onde um grupo minoritário (oligarquia) vivia à custa do trabalho da maioria (muitos deles escravos). O termo “ócio” provém de “scholé”, entendido entre os gregos como tempo para si mesmo, para a contemplação (sjolé) e, portanto, para a formação (scholé = escola). Desse ponto de vista, o ócio para os gregos é um fim em si mesmo. Entre os romanos, no entanto, adquire outra conotação. Em latim octium, designa o campo contraposto ao neo-octium (negócio), ou seja, é o tempo de descanso que permite dedicar-se ao negócio. Tal visão sobre o trabalho e o ócio, respectivamente, não foi, no entanto, como supracitado no início, unanimemente desenvolvida em toda a história da civilização helênica. Os textos de Homero(4) (séculos IX e VIII a.C.) são mais reservados a respeito, mas acima de tudo, na Grécia antiga encontramos autores como Hesíodo (século VIII), que postulavam outras teses. Para o autor de “Os trabalhos e os dias”, o trabalho se constituía em um justo e necessário castigo que Zeus impôs aos homens pelo pecado de Prometeu. Note a similitude com a crença bíblica que veremos adiante. Hesíodo explana: Lembre-se sempre do meu conselho e trabalhe [...] os deuses e os homens se indignam com quem ocioso vive, semelhante em caráter aos zangões sem ferrão, que consomem o esforço das abelhas [...] O trabalho não é nenhuma desonra; desonra é não trabalhar (HESÍODO, 2012. p. 93 e 95). Também entre alguns sofistas (aqueles que vendiam sua sabedoria a quem gostaria de comprá-la), como Protágoras (século V a.C.), “o primeiro e o maior deles”(5), coloca o estudo e a arte (técnica) na mesma faixa, e Antifonte (século V a.C.) disse: “[...] e as honras e preços, e toda a espécie de encorajamento que Deus incumbiu aos homens, devem necessariamente resultar de fadiga e suor”. Como conviveu a cultura grega com essas noções tão diferentes? Tenho a ideia, juntamente com Hopenhayn, que o desprezo dos pensadores gregos pelo manual foi causado pela violência dos guerreiros e dos aristocratas de plantão, que impuseram aos seja derrotados o jugo. Do trabalho árduo e difícil. Porque a aristocracia queria trabalhar nessas condições? A própria divisão do trabalho em si possibilitou o crescimento da civilização helênica, estava gerando diferentes classes com visões distintas sobre o trabalho. Por outro lado, surgiram os camponeses pobres, os derrotados e aqueles que tinham que viver do trabalho artesanal. Essas pessoas, na maioria das vezes isoladas do mundo da “polis”, gerariam suas próprias leituras dos acontecimentos, seus próprios espaços para o desenvolvimento cultural, inclusive sua própria religião, distante daquela imposta pela visão aristocrática, olímpica, contemplativa e estética dos “homens livres”. -/- 2. A VISÃO DOS CALDEUS ACERCA DO TRABALHO -/- A leitura de outros povos e civilizações sobre este tema tem sido diferente. Entre os caldeus, por exemplo, a visão pejorativa analisada entre os gregos não é registrada. Nas escrituras sagradas da religião de Zaratustra (o Avesta), lemos: “É um santo aquele que constrói uma casa, na qual mantém o fogo, o gado, sua mulher, seus filhos, os bons párias. Aquele que faz a terra produzir trigo, que cultiva os frutos do campo, cultiva corretamente a pureza” (HOPENHAYN, 1988. p. 35). Para os caldeus, como se pode observar, o trabalho implica, de uma posição diametralmente oposta à helênica, uma contribuição na ordem econômica, mas também na espiritual. Trabalhar não é só “cultivar o trigo” (dimensão das necessidades fisiológicas), mas também “cultivar a pureza”, dimensão esta, relacionada com a satisfação das necessidades espirituais. Por que apreciamos uma diferença tão acentuada entre essas culturas? Provavelmente, os diferentes graus de desenvolvimento dos povos levaram a isso. Enquanto entre os gregos primava uma divisão do trabalho, onde alguns tinham o status de “homens livres” dedicados à contemplação e ao ócio, outros não tinham escolha a não ser trabalhar, em uma situação de domínio em relação às naturezas daqueles que o empregaram. Esse não foi o caso dos caldeus, que possuía um escasso dividido trabalho, em que a todos se correspondia uma atividade laboriosa. -/- 3. A VISÃO DOS HEBREUS SOBRE O TRABALHO -/- No meio do caminho entre os caldeus e os gregos, encontramos a avaliação do trabalho feita pelos hebreus, dessa vez, tingindo de ambivalências. Tal como ponderava Hesíodo entre os gregos, para os hebreus, o trabalho se constituía de um mal necessário; em um meio para expiar os pecados; dessa vez não de Prometeu, mas de Adão e Eva. Vamos ver, no entanto, alguns aspectos mais complexos. A primeira coisa a se notar da perspectiva hebraica (compartilhada com o cristianismo) é o que se resulta da leitura do livro de Gênesis, aquela história poética e cheia de imagens para elucidar facilmente a origem da criação. Lá se estabelece a ideia de um deus criador-trabalhador: “No princípio Deus criou o céu e a terra [...] No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou [...] de toda a obra que realizara na criação”.(7) Esse Deus como primeira causa (São Tomás de Aquino (1225-1274)) denota laboriosidade seu correspondente descanso, um binômio que será fundamental para compreender a evolução do direito do trabalho e do direito ao descanso semanal contemporâneo. Digamos, em segundo lugar, que o Senhor Deus providenciou o trabalho no Éden: “O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo”.(8) Portanto, não é certa a ideia de que o trabalho é o resultado do pecado: ao contrário, é um trabalho árduo aquele que deriva do pecado segundo a tradição hebraico-cristã. Antes, na ausência do pecado, havia uma espécie de bom trabalho. Foi o pecado original, que levou Deus a condenar Adão e Eva, e por isso a toda a humanidade, a “ganhar o pão com o suor da sua testa”. “Por isso o Senhor Deus o mandou embora do jardim do Éden para cultivar o solo do qual fora tirado”. (9) O Talmude diz: “Se o homem não encontra seu alimento como animais e pássaros, precisa ganhá-los, isso se deve ao pecado”. Essa sentença, de caráter histórico, promove a ideia de trabalho como meio para expiar o pecado original, mas também como meio para produzir; isto é, legitimando a mudança inerente a todo trabalho e, portanto, legitimando também aquela vontade transformadora que caracterizou desde sempre os povos hebreus.(10) Agora, ao contrário dos caldeus, para os hebreus da antiguidade, o trabalho nunca teve um fim ético em si mesmo, mas foi constituído apenas como um meio. Essa visão esteve sempre presente, e caracteriza muito claramente a concepção que muitos integrantes de nossas sociedades contemporâneas possuem sobre o trabalho, além da religião de cada um. -/- 4. OS ROMANOS E O TRABALHO -/- Os romanos, por sua vez, deram uma importante contribuição para o desenvolvimento do conceito de trabalho. Se bem que, a grosso modo, não houvesse grandes diferenças com o pensamento dos gregos, com quem eles tinham em comum, além disso, uma maior divisão do trabalho fruto do desenvolvimento econômico e o uso massivo de mão de obra escrava(11); a maior contribuição do ponto de vista de sua originalidade histórica estava presente na tradição jurídica que inauguraria o Império Romano. O maior impacto por meios jurídicos e não filosóficos é explicado pelo fato de que os romanos, ao contrário dos gregos, não conseguiram “inspirar” a produção de grandes pensadores sociais. Com efeito, para os romanos, como o escravo não era considerado uma pessoa, o viam-no desprovido de personalidade jurídica. Isso conduziu a negação da relação de trabalho entre a pessoa encarregada de um trabalho manual (escravo) e seu dono. Tal relação correspondia, acima de tudo, ao direito de propriedade que os juristas romanos haviam garantido quase sem limites para seus cidadãos. O problema, como aponta Hopenhayn, surgiu quando o proprietário não ocupa seu escravo, mas aluga-o para terceiros. Surge assim a figura do arrendamento de serviços, que deriva do arrendamento das coisas. Porém, como na realidade o que se alugava era a força de trabalho, a qualidade jurídica desloca-se para a atividade realizada pelo escravo. Dessa forma, a atividade do trabalhador, primeiro do escravo, posteriormente do homem livre, começa a ser tratada como uma coisa, e se converte em antecedente do arrendamento de serviços do Direito Civil moderno. Ademais, na tradição romana, o trabalho manual estava desprestigiado. Cícero (106-43 a.C.) em De Officiis, estabeleceu com fria claridade “ipsa merces est auctoramentum servitius”(12) (todo trabalho assalariado é trabalho escravo). A vida era difícil para esses trabalhadores: nos territórios sob domínio romano, Augusto (63-14 a.C.) tinha imposto um tributo à todos os homens que exerciam algum tipo de trabalho manual, além do imposto à residência, às valas e outros mais particulares como o imposto para a detenção de porcos. Certamente, aqueles que levaram a pior parte no tempo da Roma Imperial foram os escravos (servi) sob domínio e propriedade de seus donos (domini). Me seus tempos de auge, a demanda de escravos em Roma era de 500.000 ao ano. Se compararmos com os 60.000 escravos negros trazidos a América nos anos de maior tráfico, teremos uma ideia mais ou menos exata da magnitude desse triste fenômeno. -/- 5. O CRISTIANISMO E O TRABALHO -/- As mensagens do cristianismo primitivo, são inseridas logo, nesse tempo histórico, onde Roma se tornava o centro das maiores mobilizações de rebeldia da antiguidade. Isaías, nesse sentido, proclamaria que o Messias viria: “[...] a pregar boas novas aos abatidos, a vendar aos quebrantados de coração, a publicar liberdade aos cativos, e aos presos a abertura do cárcere”.(13) Jesus, efetivamente, incluiu em sua missão, mensagens de libertação aos pobres e oprimidos. Porém, ao contrário do supracitado, como bem sinala Eric Roll (1907-2005), dos antigos profetas hebreus, não o faria saudando as comunidades tribais com seu espírito de grupo; mas animado por uma mensagem mais universal e permanente, proclamando uma mudança mais completa e integral na conduta do homem em sociedade, onde os valores de justiça e amor se colocariam em um primeiro plano. Evidentemente, a mensagem do cristianismo primitivo, e mais concretamente de Cristo, distava muito dos filósofos gregos. Deixemos que Roll explique: Temos visto que as doutrinas econômicas de Platão e, em certa medida, de Aristóteles, nasciam da aversão aristocrática ao desenvolvimento do comercialismo e da democracia. Seus ataques contra os males que acarreta o afã de acumular as riquezas são reacionárias: olham para trás, e o de Cristo olha para frente, pois exige uma mudança total, mas relações humanas. Aqueles sonhavam com um estado ideal destinado a proporcionar a “boa vida” para os cidadãos livres unicamente e cujas fronteiras eram as da cidade-estado daquele tempo; Cristo pretendeu falar por todos e para todos os homens. Platão e Aristóteles haviam justificado a escravidão; os ensinamentos de Cristo sobre a fraternidade entre todos os homens e o amor universal eram incompatíveis com a ideia da escravidão, apesar das opiniões expostas depois por São Tomás de Aquino. Os filósofos gregos, interessados somente pelos cidadãos, sustentaram opiniões muito rígidas sobre a diferente dignidade das classes de trabalho, e consideravam as ocupações servis, com exceção da agricultura, como próprias apenas para os escravos. Cristo, ao dirigir-se aos trabalhadores de seu tempo, proclamou pela primeira vez a dignidade de todas as classes de trabalho, assim materiais como espirituais (1942. p. 42 – Tradução própria). Não pode escapar desse estudo, o fato de que o próprio Jesus Cristo herdou o ofício de carpinteiro de seu “Pai” José; e que escolheu seus discípulos entre os pescadores e artesãos da região. Essa visão primitiva do cristianismo, no entanto, deve ser analisada no quadro das escrituras sagradas do Antigo Testamento que compartilha com a cultura (e obviamente a religião) hebraica. Nesse sentido, o trabalho não deixa de ser um meio, descartando-se como um fim em si mesmo. Mas, agora atribuindo-lhe um novo valor, sempre em tento um meio para um fim virtuoso: o trabalho será fundamental para permitir a satisfação das necessidades de cada um, mas também seus frutos, deverão ser inseridos em uma dimensão comunitária, onde o “próximo” necessitado esperará a contribuição fraterna e solidária do cristão. O trabalho, nessa perspectiva, não só possibilita o “tomar”, mas também o “dar”. Em relação a dupla perspectiva, é onde podemos entender a crítica do cristianismo a acumulação da riqueza. Como aponta o evangelista Mateus, “acumular o tesouro no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde os ladrões não perfuram nem roubam. Onde está o seu tesouro está seu coração”. (14) Com São Paulo se incorpora um novo componente valioso: a obrigatoriedade moral do trabalho. Em sua carta aos Tessalonicenses dita claramente “ao que não trabalha que não coma”. Diz São Paulo: Vocês sabem em que forma têm que nos imitar: nós trabalhamos enquanto estivemos entre vocês, não pedimos a ninguém um pão que não teríamos ganhado, senão que, de noite e dia, trabalhamos duramente até nos cansarmos, para não ser carga para nenhum de vocês [...] Além disso, quando estávamos com vocês lhes demos está regra: se alguém não quiser trabalhar, não coma. Mas agora ouvimos que há entre vocês alguns que vivem sem nenhuma disciplina e não fazem nada, muito ocupados em meter-se em tudo. A estes lhes mandamos e lhes rogamos, por Cristo Jesus, nosso Senhor, que trabalhem tranquilos para ganhar a vida (II Tes. 3:10). Essa frase, entendida somente no contexto de uma sociedade donde não existia um conceito de desemprego tal como entendemos atualmente, é curiosamente reproduzida pelo modelo soviético em pleno século XX. Com efeito, a Constituição da União Soviética estabeleceu em seu Artigo 12: “O trabalho é, na Rússia, uma questão de dever e de honra para todo cidadão fisicamente capaz. Essa obrigação é baseada no princípio: “quem não trabalha não come”. (15)(16) Para São Paulo, o trabalho deve ser o meio para ganhar a vida. Ele quis ser exemplo e enquanto pregava continuava trabalhando, presumivelmente como tecelão de tendas. A obrigatoriedade moral se aplica na medida em que a pessoa está em condições de o fazer. Para os incapacitados a fazê-lo (idosos, crianças, deficientes, doentes, acidentados etc.) existia a obrigatoriedade do socorro segundo a máxima do amor (ágape) ao próximo. Essas sentenças morais têm hoje em dia uma importante quota de explicação para com as contemporâneas políticas sociais. -/- 6. O TRABALHO NA IDADE MÉDIA -/- A Idade Média, período que ocupa desde o crepúsculo do Império Romano do Ocidente no século V pelos bárbaros, até o século XV, com a queda de Constantinopla, evidentemente mostra um conjunto importante de escolas e pensadores que marcaram pautas importantes para discernir o valor do trabalho nas diferentes culturas. A organização econômica mais visível nestes mil anos, onde operou o trabalho, consistia em extensões grandes de latifúndios errados do Império Romano (o sistema econômico denominado feudalismo), onde (mediante a falta de escravos) recorreu-se à mão de obra camponesa para o trabalho. O sistema, implicava o arrendamento de parte dessas terras a ex-escravos ou homens livres, em troca de uma renda em dinheiro e espécies, além do cultivo das próprias terras senhoriais. Por certo, a figura do servo não distava muito da do escravo se tivermos em conta as condições de funcionamento do contrato de trabalho. O comércio também teve seu lugar no sistema feudal, o mesmo adquiriu grande importância em certas regiões ou lugares, à exemplo de Constantinopla. A atividade econômica seguia seu rumo na história, e depois dos séculos IX e X, o crescimento das forças produtivas deu lugar a uma maior acumulação por parte de componentes e artesãos e, por certo, a uma maior apropriação de excedentes por parte do Senhor feudal. Essa situação foi ativante para a construção dos primeiros Burgos ou cidades, onde o comércio e a indústria artesanal teriam um marco mais adequado para o seu desenvolvimento. Essa é a etapa do nascimento dos primeiros grêmios corporativos (17). Então para o século XII, a estrutura feudal começa a desmoronar porque a produção de determinados bens começa a ser mais eficiente em cidades e não no feudo. O dinheiro, então, passou a ganhar maior peso que a terra, o que obriga os senhores feudais a aumentar seus rendimentos. Isso leva a um empobrecimento lógico dos camponeses, o que não dura muito, porque na primeira metade do século XIV, a maior parte dos servos alcança sua liberdade. Por sua vez, nessa apertada síntese da história econômica da Idade Média, devemos assinalar que pelo século XIV, e depois das Cruzadas e o posterior desenvolvimento do comércio internacional entre os impérios arábico e bizantino, inaugura-se uma etapa pré-capitalista que durará três séculos. É lá que se levanta mais energética a voz de alguns homens da Igreja contra a tendência à exaltação da riqueza já começava a avivar-se na Europa. São Tomás de Aquino, nesse sentido, não considerará ao comércio pré-capitalista bom ou natural. No entanto, ele o julgava inevitável uma vez que era o meio ao qual o comerciante tinha que manter a sua família. Dessa forma, os lucros do comércio não era outra coisa senão o fruto do trabalho. Se tratava, então, de colocar o acento na justiça da mudança efetuada, para o qual Aquino recorre a Aristóteles, cuja análise sobre o valor de mudança é figurado no seu estudo da Justiça. Muitos padres da Igreja, desde então, pretenderam formular um conceito de “preço justo”. Nesse sentido, o Cristianismo apresenta uma evolução do seu pensamento sobre o comércio que partia de uma visão absolutamente contrária ao começo da Idade Média (Santo Agostinho (354-430), São Jerônimo (347-420) etc.), a outra mais transacionável, que acompanhou, sobretudo, o pensamento de Aquino. Algo similar ocorreu com outro dos “preceitos” da Igreja em matéria econômica: a usura. Esta era considerada pela igreja como a melhor forma de obter lucro. O mesmo evangelista Lucas (século I d.C.) foi categórico ao rejeitar essa linha de operações. A lei hebraica também fez isso, e podemos encontrar no livro do Êxodo (22,25) tal proibição a respeito. Mais atrás no tempo, há antecedentes de condenação à usura entre os hindus (Rigveda, cerca de 1500 a.C.) e budistas (século VI d.C.), além do Islã mais próximo do nosso tempo (século VI d.C.). Ao princípio da Idade Média, como testemunha Roll, a proibição somente alcançava a Igreja, já que o escasso desenvolvimento mercantil não merecia outra coisa. No final da Idade Média, no entanto, que a situação é outra; e a prática secular foi orientada no sentido de promover o empréstimo de dinheiro cobrando por isso um juro. Alarmada ante esses fatos, a Igreja condena mais uma vez a usura no Terceiro Concílio de Latrão de 1179. No mesmo escreveu e ensinou São Tomé (século I d.C.) e outros discípulos da Igreja. No entanto, as práticas econômicas foram minando a autoridade eclesial e está terminou, através de sucessivas etapas, por aceitar, em certas condições e sob certas circunstâncias, a cobrança de juros sobre a concessão de um empréstimo. Em tal sentido, um dos autores mais representativos só início da Idade Média foi Santo Agostinho. Foi este um dos pilares, em seu tempo, das noções “anticapitalistas” que foram seguidas e complementadas por homens do tamanho de São João (347-407), São Ambrósio (340-397), São Clemente (150-215), São Cipriano (200-258) entre outros. (18) Santo Agostinho valoriza o trabalho recordando em tal sentido a São Paulo, a que cita com muita frequência em seus textos. Segundo o Bispo de Hipona, todo trabalho manual é bom pelas razões dadas pelo cristianismo primitivo. Concilia, além disso, seu dualismo platônico, ao sustentar que enquanto o homem trabalha tem a alma livre, de modo que é perfeitamente compatível pensar em Deus ao mesmo tempo em que se trabalha. Essa particular sintonia entre o trabalho e a oração foi perfeitamente posta a prova pelos monges beneditinos, cujo lema “Ora Et Labora” (orar e trabalhar) é paradigmático. “Trabalha e não desesperes” dizia seu fundador, São Bento de Núrsia (480-547), de seus monastérios distribuídos em um primeiro momento a Subiaco, no início do século VI. Também corresponde a São Bento uma sentença que perdura até o dia de hoje no imaginário moral sobre o trabalho: “Otiositas inimica est animae” (a ociosidade é inimiga da alma), tal qual diz uma expressão popular castelhana: “el ocio es la madre de todos los vicios” (o ócio é a mãe de todos os vícios). Tomás de Aquino, alguns séculos depois, continua a reflexão sobre o trabalho e estabelece uma hierarquia de profissões, onde localiza o trabalho agrícola e artesanal acima do comercial. Uma quota de originalidade na história do pensamento sobre o trabalho consistiu em considerá-lo como uma obrigação somente se necessário para subsistir; ou dito de outra maneira: quem não tem necessidade de trabalhar não tem que fazê-lo. Isso sim, à falta de trabalho, devia dedicar-se à oração e contemplação divina, atividades por certo mais elevadas para o autor da Suma Teológica. Logo, considerará que Deus é a causa primária, a que tudo deve a sua existência; por derivação, o homem é causa segunda, procurando atreves do trabalho “criar” em suas dimensões humanas. “Entre todas as formas com que a criatura humana tenta realizar a semelhança divina, não há outra de relevo mais destacado que a de trabalhar, isto é, ser em o mundo causa novos efeitos”, disse o Santo. (19) Aquino, além disso, utilizando categorias platônicas, hierarquiza o trabalho, considerando o intelectual acima do manual. Chama “artes servis” a estes últimos, enquanto que o trabalho intelectual corresponde ao conjunto das “artes liberais”, dignas de maior remuneração ao fazer uso da inteligência. Esta distinção própria da Escolástica, dá lugar à divisão clássica entre as 7 artes liberais: o Trívium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (astronomia, geometria, aritmética e música). Outras contribuições de São Aquino têm a ver com sua posição diante do trabalho agrícola ao qual o considera como o melhor meio para assegurar a subsistência de um povo; a maior importância dada à vida contemplativa sobre a ativa, embora considerando a primeira como “laboriosa”; sua posição sobre a escravidão, que não considerava como natural, no entanto, entendê-la “útil”(20); e sua interpretação sobre o contrato de trabalho: neste, o operário não vende a si mesmo, nem seu corpo, nem sua inteligência, nem sequer sua faculdade de trabalho. Isso significa que o Direito Natural proíbe considerar o trabalho como um objeto de mudança. Propõe, em vez disso, considerar o contrato como um arrendamento de serviço. Em termos gerais, a valorização que sobre o trabalho se realiza na Idade Média, rebaixando ao trabalho manual em relação a outras tarefas, fica explícita na divisão tripartida que recorre, entre outros, Adalberão Bispo de Laon (947-1030): “Triplex Dei ergo domus est quae Creditor uma nunca oran, alii pugnat, Aliique laborant” (ternária é a casa do Senhor e não uma: aqui sobre a terra uns oram, outros lutam e outros trabalham). Não gostaria de deixar passar por alto, finalmente, entre os movimentos originados na Idade Média, a contribuição que sobre o tema do trabalho teve a ordem franciscana. Essa, contra o que muitos podem crer, é uma ordem não mendicante no sentido estrito, mas sim trabalhadora e de pobreza. São Francisco de Assis (1181/82-1226), no final do século XII, marcaria como ninguém dentro do cristianismo, uma vida ascética baseada no trabalho e na pobreza. Inclui, além disso, um elemento pela primeira vez descoberto na cultura europeia: o sentido da alegria que acompanha o trabalho. “Essa condição de 'suor de sua testa' com 'a alegria de seu coração' outorga ao trabalho uma condição diferenciada”. Avançando então na história da humanidade, entramos na época moderna, caracterizada por cinco grandes eventos: -/- 1. A decadência do poder moral da Igreja e o enfraquecimento de seu poder econômico frente ao da crescente burguesia; -/- 2. O renascimento intelectual e artístico; -/- 3. As viagens paras as índias e a descoberta da América; -/- 4. A formação e a constituição dos Estados-nação; -/- 5. As reformas religiosas de Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564). -/- Nesse contexto, os séculos XV e XVI mostraram como o mercantilismo ia avançando apesar dos esforços de alguns pensadores da Igreja que eventualmente perderam o pulso diante do desenrolar dos acontecimentos. Sucessivas encíclicas papais terminaram por legitimar o interesse nos empréstimos e, por meio desta, levou-se a maior acumulação de riquezas por parte dos banqueiros. Esse foi o meio ideal para o desenvolvimento da atividade do mercador, para quem, o trabalho passou a ser considerado um meio para obter sucesso. Ao dinamizar-se a atividade econômica e mercantil, a visão humanista do trabalho começa a perder valor, realçando-se ao mesmo como um simples meio para fins de enriquecimento. Talvez a exceção a essa noção estendida entre os novos atores tenha sido a proporcionada pelo humanismo renascentista. Para Campanella (1568-1639), por exemplo, sua “Cidade solar”, não existe o divórcio entre trabalho manual e intelectual, isso quando o segundo começa a ser supervalorizado por sua ação no plano das invenções e das novas técnicas.(22) Na mesma linha se situa Thomas More (1478-1535), o autor de “Utopia”, outra reação do cristianismo às projeções que estava adquirindo o cada vez mais influente mercantilismo. Embora o trabalho não seja considerado como um mau, pelo contrário, apresenta características humanizadoras, é sugestivo comprovar como em Utopia a jornada do trabalho não supera as seis horas diárias e na Cidade solar não se devia trabalhar mais que quatro horas. Indubitavelmente, essas versões de sociedades ideais terminariam por impactar sobre maneira a constituição das Missões Jesuítas na América do Sul; e as Franciscanas na Baixa Califórnia. É o Renascimento, o lugar propício, além disso, para renovar o conceito da virtuosidade, agora traduzida na figura do empresário ou financista audacioso e empreendedor. Essa linha foi reforçada logo por Calvino, para quem os negócios são um bom serviço a Deus, e a riqueza não é mais que um fruto de uma vida dedicada ao trabalho desde uma perspectiva ética que analisarei com Weber mais tarde, mas que confere ao trabalho a particularidade de ser um caminho para o sucesso. Esse puritanismo impulsionou sobremaneira a versão do “homo economicus” que mais tarde, em pleno auge do capitalismo pós-industrial, ao qual, segundo Daniel Bell (1919-2011), fora substituído pelos valores hedonistas. -/- REFERENCIAL TEÓRICO AGOSTINHO. Cidade de Deus: contra os pagãos. Trad. O. P. Leme. 2ª ed. Bragança Paulista: Editora Universitária, 2008. (Col. Pensamento humano). _____________. O livre-arbítrio. Trad. N. A. Oliveira. 1ª ed. São Paulo: Paulus, 1995. AQUINO, T. de. Suma Teológica. 2ª ed. 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Existem excelentes livros de fisiologia e manejo da reprodução bovina, nos quais os processos que regulam a reprodução e as técnicas reprodutivas são revistos em pormenor e em profundidade, mas a maioria deles estão escritos em língua inglesa. Em nossa língua há muito poucos livros de reprodução de bovinos com uma abordagem prática e de acordo com as condições do rebanho leiteiro em sistemas confinados de produção intensiva. O presente livro foi concebido neste contexto, nesta obra os estudantes e clínicos (...) da reprodução encontrarão informação útil, abreviada, atualizada e de fácil compreensão, o suficiente para o seu melhorar seu desempenho profissional. Os capítulos foram ordenados de acordo com as diferentes etapas do manejo reprodutivo das vacas leiteiras: Ciclo Estral, Estro e Serviço, Gestação, Puerpério, Anestro, Fertilidade, e Reprodução em Novilhas. Em cada capítulo é revista a fisiologia suficiente para a compreensão dos processos, o manejo da vaca, os principais distúrbios reprodutivos e o seu tratamento. Desejo agradecer a todos os meus professores, não só da área animal, mas também de humanas, ambos colaboraram comigo na escritura e discussão da presente obra. Agradeço, também, aos meus colegas clínicos da reprodução em gado leiteiro, por sua generosidade por compartilhar suas experiências profissionais. Dou graças em especial para Arthur Éden, Éderson Vinícius e Emanuele Vitória (Flor), filhos do coração; e para Alana Thaís e Eduarda Carvalho por me apoiarem psicologicamente e profissionalmente em tudo aquilo que estou disposto a fazer. -/- Sumário: 1. Ciclo Estral. 2. Estro e Serviço. 3. Gestação. 4. Puerpério. 5. Anestro. 6. Fertilidade. 7. Reprodução em Novilhas Leiteiras. -/- Nesse obra, o leitor encontrará informação básica, condensada e atualizada sobre a fisiologia reprodutiva da vaca leiteira. Os processos fisiológicos são descritos de maneira sucinta, e são narrados sua relação com a prática clínica e zootécnica. Se examinam, também, os principais fatores que influenciam a eficiência reprodutiva, as diferentes opções para mitigar seus efeitos e são detalhados os programas modernos de manejo reprodutivo. Este livro é um material útil para os estudantes, médicos veterinários e zootecnistas que desejam aprofundizar seu conhecimento acerca da reprodução da vaca leiteira. (shrink)
Bolzano propôs uma teoria da verdade que se diferencia das restantes por defender que as proposições são objetivas (não são juízos nem frases) e, consequentemente, que também as proposições verdadeiras (e as falsas) são objetivas (não constituem a correspondência entre um juízo/uma frase e um facto objetivo nem uma qualquer relação entre juízos/frases). Para além disso, considero que propõe uma teoria metafísica da correspondência (à qual não adiro), de acordo com a qual a verdade consiste na correspondência entre uma proposição (...) objetiva e um facto. (shrink)
A filosofia não é apenas atividade de pensadores brilhantes porém excêntricos, como popularmente se pensa. Filosofia é o que todos fazemos quando estamos livres de nossas atividades cotidianas e temos uma chance de nos perguntar o que é a vida e o universo. Nós, humanos, somos criaturas naturalmente curiosas e não conseguimos deixar de fazer perguntas sobre o mundo à nossa volta e o nosso lugar nele. Também somos equipados com uma capacidade intelectual poderosa, que nos permite tanto raciocinar como (...) apenas divagar. Ainda que não o percebamos, ao raciocinar praticamos o pensamento filosófico. Chegar às respostas para as questões fundamentais é menos determinante para a filosofia do que o próprio processo de busca dessas respostas pelo uso da razão, em vez de aceitar sem questionamentos as visões convencionais ou a autoridade tradicional. Os primeiros filósofos, nas antiguidades grega e chinesa, foram pensadores que, insatisfeitos com as explicações usuais fornecidas pela religião e pelos costumes, procuraram respostas embasadas em justificações racionais. E, assim como compartilhamos nossas observações com amigos e colegas, eles discutiram ideias entre si e fundaram "escolas" para ensinar não apenas as conclusões a que chegaram, mas a maneira como chegaram até elas. Eles encorajavam os alunos a discordar e a criticar ideias, como meio de refiná-las e de alcançar visões novas e diferentes. Uma concepção popular equivocada é aquela do filósofo em isolamento chegando sozinho a suas conclusões, pois isso dificilmente acontece. Novas ideias surgem por meio da discussão, investigação, análise e crítica de ideias alheias. (shrink)
INTRODUÇÃO A FORMAÇÃO DO ESTADO E DA POLÍTICA -/- Não existe a fixação exata de quando se formou a primeira organização política, entendida esta como uma relação assimétrica, em que um, ou alguns, governam e a grande maioria é governada. Pode ter sido em Jericó, na Palestina, onde se encontrou uma velha muralha de pedra, de dez mil anos atrás, supondo-se ter abrigado de dois a três mil habitantes. A diferença possível de se fixar era de que, antes, havia apenas (...) aldeias cujas organizações eram tribais ou de clãs, onde as relações eram simétricas, cujo chefe apenas representava o grupo enquanto expressasse a vontade do mesmo. Existe, então, uma grande diferença, entre uma organização política, ainda que representando apenas o povo de uma cidade, e as organizações não políticas, pois na primeira existe um governo, responsável pelo destino de todos, enquanto nessas outras o chefe trata-se apenas da exteriorização da vontade do grupo. -/- Da primeira cidade palestina, a outras que se formaram, principalmente na Suméria, surgiram as primeiras organizações políticas. Das cidades independentes da região, ao Egito antigo e aos impérios da Ásia Menor, cada vez mais o poder político exteriorizava uma diferenciação social profunda, em que a grande maioria produzia para alguns poucos e a produção era organizada pelo poder estatal. De forma análoga, houve os regimes políticos no -/- subcontinente indiano, na China e na Mesoamérica. -/- Depois, ocorreu o alvorecer das polis gregas, inicialmente governadas por monarquias, em seguida por aristocracias, até que algumas chegaram às democracias antigas, como o caso de Atenas. A função política aí era vista como um dever da cidadania e, não, como um privilégio, tanto que diversos cargos eram atribuídos por meio de sorteios e a instância máxima era uma assembleia, dos cidadãos, excluindo mulheres, estrangeiros e escravos. A sofisticação cultural e política grega permitiu que houvesse diversos pensadores incumbidos de entender o enigma da política. -/- O Império romano, também, teve alto grau de sofisticação, especialmente quanto às funções públicas. Houve, inicialmente, uma realeza, depois um sistema aristocrático até que se chegou muito perto das democracias representativas, no chamado governo misto, em que existiam dois cônsules, para representar a monarquia, o senado dos patrícios, relativo à aristocracia, e a assembleia da plebe, tido como o elemento democrático. O modelo acima criou diversas influências, principalmente para o Mundo Ocidental, em instituições como o Município. -/- O Völkerwanderugen, as invasões bárbaras nas áreas do Império romano, destruíram as instituições tradicionais, mas conservaram algumas, como o commendatio, o beneficium e o immunitas, que colaboraram com o perfil das organizações feudais. Por outro lado, o mundo germânico, ainda baseado num sistema de clã e, não, na forma estatal, contribuiu com o gefolgschaft, ou séquito, um vínculo pessoal de lealdade e afeição entre um líder guerreiro e sua comitiva de colaboradores. O mundo feudal nasceu desses institutos, em que cada castelo converteu-se em um centro de governo independente do poder central. -/- O sistema acima confluiu para o ständestaat, entendida como uma comunidade política de estados, significando estes como ordem ou classe social representada nas antigas assembleias -/- ou cortes. O ingresso de cidades independentes do castelo feudal, muitas vezes comprando ou lutando pela liberdade, mudou o cenário político, com aquelas se voltando para o poder central, contra o poder fracionado que lhes ameaçavam mais. -/- Houve, então, um fortalecimento do governo central e absorção de territórios menores e mais fracos pelos maiores e mais fortes, chegando à formação de um número pequeno de Estados independentes entre si, cada um se afirmando como soberano. O poder político, então, aí pode ser entendido como uma relação simétrica entre os Estados soberanos e uma relação assimétrica entre o Estado e os súditos. Houve, com isso, a formação dos Estados absolutistas, cuja “autoridade assentava agora exclusivamente no monarca, que tinha reunido em si todas as prerrogativas públicas de governo efetivo”. A própria denominação Estado nasceu, na Itália, a partir da palavra status, que indicava a situação pessoal do dirigente que formara em torno de si uma organização política territorial. O Estado moderno, o absolutista, ou nacional, em que todas expressões que significam um novo tipo de organização, jamais visto antes, tinha o poder político como em decorrência de uma decisão racional da sociedade, para melhor se defender dos perigos da anarquia e da violência. -/- Do sistema absolutista, houve um processo de aquisição de cidadania, entendida esta como uma situação concernente aos membros integrais de uma comunidade, com iguais direitos obrigações. A cidadania civil, inicialmente, concedia direitos necessários à liberdade individual, começando a ser atribuída nos séculos XVII a XVIII, a partir da Revolução Inglesa, em 1688, da Revolução Americana, em 1776, e da Revolução Francesa, em 1789. Foi a época em que o discurso político esteve voltado para a ideia do contrato social, com suas diversas matizes, mas caracterizado pelo processo de constitucionalização do Estado. -/- Depois, veio a chamada cidadania política, com o poder de escolher e ser escolhido representante no governo ou no parlamento e, também, de se manifestar sobre o comportamento das instituições, inicialmente no século XVIII, mas que se consolidou no século XIX até o século XX, quando finalmente as mulheres passaram a ter direito ao voto. A forma de democratizar o Estado foi, então, se atribuir a cidadania política a cada vez maior número de pessoas, sendo esta a principal preocupação do pensamento liberal, contestado pelo pensamento marxista, visto como insuficiente para a igualdade social. -/- Por fim, veio a cidadania social, entendida como o direito ao bem-estar econômico, com direito a remunerações compatíveis com a dignidade humana, bem como os benefícios do sistema educacional e de saúde e dos serviços sociais, direitos pleiteados no século XIX, mas só reconhecidos devidamente no século XX. Não foi um processo simples, mas complexo, que assistiu a consolidação em textos constitucionais como a Constituição mexicana, em 1917, a Declaração do Povo Oprimido e Trabalhador da Rússia, em 1918, e, finalmente, a Constituição de Weimar, em 1919. Todas as lutas pela cidadania acabaram mudando o aspecto do Estado e, em consequência, do poder político. Já agora, no século XXI, existe uma preocupação com a forma pela qual o poder é exercido. Em primeiro lugar, aparece a racionalização técnica como a forma de discurso e de comunicação, cuja informática e a Internet são sua exteriorização mais evidente. Em segundo lugar, as fusões das grandes instituições econômicas fazem com que elas superem em poder econômico a grande maioria dos Estados independentes. Em terceiro lugar, ocorre o processo de massacre da individualidade, em nome da chamada globalização. Em quarto, surge a ameaça física à espécie humana, em razão da poluição e da violação dos ecossistemas, gerando uma nova pressão de cidadania pelos direitos de última geração. Por fim, existe a visível mudança das organizações políticas, através de macroestruturas, inicialmente de conteúdo econômico, mas que mudam para novas formas políticas, como a União Europeia e, talvez, o Unasul, na América do Sul. -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - Técnico em Agropecuária pelo Instituto Federal de Pernambuco campus Belo Jardim. Normalista pela Escola Frei Cassiano Comacchio. (shrink)
Produção de conhecimento: uma característica fundamental das sociedades humanas -/- 1. As diferentes formas de conhecimento A espécie humana não se limita a sobreviver no mundo. Ela também procura entendê-lo e modificá-lo de acordo com as diferentes formas como percebe a realidade. Essa busca, que articula a realidade objetiva e a subjetiva, é a matriz sobre a qual se constrói o que convencionamos chamar de conhecimento. Podemos definir o conhecimento como toda compreensão e prática adquiridas, cuja memória e transmissão permitem (...) lidar com as tarefas do dia a dia. Quando uma pessoa age de acordo com sua experiência de vida, expressa uma forma de conhecimento do mundo. Correr a favor do vento e segurar um martelo pelo cabo são habilidades adquiridas com a experiência, um tipo de conhecimento construído na vida comum. Do mesmo modo, quando um cientista anuncia uma descoberta, também apresenta um tipo de conhecimento sobre a realidade. Portanto, podemos afirmar que somos todos capazes de produzir conhecimento, mas existem diferenças de acordo com a forma como esse conhecimento é produzido. Orientado pela experiência e transmitido por gerações, o conhecimento produzido nas sociedades adquire formas tão diversas quanto as próprias sociedades. Pode-se, por exemplo, resolver um problema imediato (como atravessar um rio sem se afogar), responder uma questão transcendental, isto é, que vai além da nossa existência material (como o sentido da vida e da morte), resolver uma pendência social (como determinar o justo proprietário de uma terra) ou desvendar as estruturas do Universo (de que forma definir a menor partícula que compõe a matéria). É possível tentar explicar as mais diversas questões com base na experiência ou mediante o que se aprende com os pais, na crença em Deus ou em seu livro sagrado, em sistemas lógicos de pensamento ou, ainda, em regras e critérios sistemáticos de investigação e de verificação. As explicações obtidas com regras e critérios sistemáticos de investigação e de verificação constituem a forma de conhecimento que chamamos de ciência. Pela possibilidade de ser criticada e corrigida, pela flexibilidade para absorver inovações e expandir sua área de atuação, pela eficiência na forma como orienta a intervenção no mundo, pelo caráter plural que permite sua prática em diferentes culturas, a ciência é hoje o modo mais aceito de produção de conhecimento. No entanto, ainda que ela seja importante para a produção material da sociedade, outros conhecimentos produzidos dia a dia, baseados na prática e na experiência, estão presentes na vida social. As conquistas das lutas políticas e a eficácia dos saberes tradicionais dos povos, assim como diferentes produtos da inteligência coletiva (desenvolvida por meio do trabalho colaborativo e disponibilizada para a sociedade especialmente por meio das novas tecnologias informacionais, como a internet), são exemplos disso. -/- 1.1 Conhecimento religioso O fato de a ciência ser o meio de produção de conhecimento mais amplamente aceito nas sociedades industrializadas, não significa que outros meios tenham desaparecido. Quando o conhecimento sobre o sentido da vida ou sobre como proceder diante da inevitabilidade da morte é fundamentado na crença em Deus ou em um livro sagrado, ele é chamado conhecimento teológico ou religioso. Diferentemente da ciência, a religião é um conhecimento sustentado pela crença na existência de uma realidade exterior ao mundo que influencia a percepção e a explicação da realidade social. Seus ensinamentos orientam uma compreensão e uma prática da vida fundamentadas nos princípios religiosos. 1.2 Conhecimento filosófico A Filosofia também procura explicar a realidade. Mas, diferentemente da fundamentação religiosa, que tem como princípio a fé em uma verdade revelada, amparada em um ou mais deuses ou profetas, a Filosofia empreende um esforço para dar sentido racional aos mistérios do mundo com base no questionamento e na reflexão. Ainda que seus resultados não precisem ser comprovados em testes de verificação, eles não podem deixar de obedecer aos princípios da razão. Ao procurar responder a questões como “o que é?”, “como é?” e “por que é?” , em outras palavras, ao buscar a essência, a significação e a origem das coisas, a Filosofia se vale do pensamento racional e da lógica para justificar e sistematizar o conhecimento que produz. -/- 1.3 Conhecimento do senso comum Desde que nascemos, apreendemos continuamente informações sobre o mundo. A convivência em sociedade nos transmite o que é essencial para sobrevivermos. Esse conhecimento fundamentado na experiência, ou na experiência que nos é transmitida, é chamado senso comum. É como se a experiência fosse um conjunto de fenômenos sobre os quais não cabe questionamento e que, por esse motivo, se impõe como a base das opiniões, ideias e concepções que acabam por prevalecer em determinado contexto social. Segundo o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, o senso comum é o conhecimento vulgar e prático que orienta nossas ações no cotidianos lhes dá sentido. De fato, na maior parte do tempo, ao tomarmos decisões, não realizamos reflexões elaboradas nem experimentos em laboratório. Apenas agimos de acordo com o que consideramos adequado, com base em nossa experiência no mundo. Quando o céu fica carregando de nuvens negras, não é preciso ser cientista para saber que logo virá uma tempestade. Sabemos disso porque, todas as vezes em que choveu, o céu tinha sido tomado por nuvens escuras. 1.4 Conhecimento científico O escurecer o céu e a tempestade que o sucede podem ser analisados mediante a aplicação de um método rigoroso de investigação que explicaria as causas e consequências desse fenômeno, as condições em que ele acontece ou sua periodicidade. Ao seguir esse método, o investigador não apenas produzirá um conhecimento válido, com também poderá promover sua aplicação útil. No século XX, o conhecimento formal fundamentado na observação e na experimentação, aliado a sua aplicação útil, tornou-se a principal característica do que chamamos ciência. O conhecimento científico também é resultado da busca constante por explicações sobre os diferentes eventos que acontecem em nosso mundo. No entanto, essas explicações precisam ser construídas mediante rigorosa execução de um método organizado, com base em teorias coerentes e socialmente aceitas. -/- 2. Ciência e senso comum: opostos ou complementares Desde que a ciência se estabeleceu como o principal meio de conhecimento dos fenômenos naturais e sociais, sua relação com o senso comum tornou-se objeto de debates. De um lado, estão aqueles que a consideram um conhecimento hierarquicamente superior ao senso comum; de outro, os que consideram complementares os dois tipos de conhecimento. O sociólogo Pedro Demo defende que a pesquisa é o modo pelo qual se conhece a realidade. A investigação é uma característica fundamental da ciência. Ao comparar o senso comum com a ciência, ele afirma que o primeiro aceita a realidade sem questionamentos nem pesquisas. Isso equivale a afirmar que o Sol se movimenta em torno da Terra porque o vemos nascer no leste e se pôr no oeste. Ao contrário, a ciência é construída com base em pesquisas metodologicamente fundamentadas. Os defensores da oposição entre ciência e senso comum destacam a ciência como conhecimento imparcial e racional, enquanto o senso comum é visto como um olhar parcial e irracional sobre a realidade. Essa concepção tem origem no Iluminismo, movimento intelectual e político que, ao longo do século XVIII, defendeu a ciência como o caminho para a superação do chamado Antigo Regime. A defesa da ciência como único conhecimento válido e aceito e a crítica aos outros meios de explicação do mundo, principalmente o religioso, serviram de fundamento para que, no século XIX, se desenvolvesse uma corrente de pensamento conhecida como Positivismo. Nela, a ciência é o único conhecimento útil a ser perseguido pela humanidade, a única maneira de investigar e conhecer a realidade e a única forma legítima de resolver os problemas que a impediriam de atingir sua plenitude. Em uma segunda vertente, estão aqueles que consideram a ciência e o senso comum conhecimentos complementares. O sociólogo Boaventura de Sousa Santos afirma que a oposição entre ciência e senso comum se justificou nos séculos XVIII e XIX, principalmente nas Ciências Naturais, para promover a ciência como o principal meio de conhecimento do mundo. Na atualidade, tal posição não se justifica e deve ser substituída por uma aproximação que transforme tanto o senso comum quanto a ciência. Assim, o senso comum se tornaria menos supersticioso e restrito à tradição, enquanto a ciência ficaria mais acessível e inteligível a todos, mediante o surgimento de novos veículos de divulgação científica e a universalização da educação. Essa percepção de ciência e senso comum como formas complementares de conhecimento também pode ser encontrada na obra de Paulo Freire . Segundo ele, não há produção de conhecimento sem que haja conexão entre o sujeito que o produz e sua realidade social. Isso significa que o senso comum determina o alcance e o tipo de conhecimento produzido. Contrapondo-se ao Positivismo, Freire defende que o conhecimento a realidade acontece com base no modo como os indivíduos explicam o mundo em seu cotidiano e na valorização do saber popular – uma das modalidades do senso comum. Segundo essa visão, todo conhecimento científico teria por objetivo converter-se em senso comum. Assim, em um tempo no qual a ciência se tornasse popular, o senso comum também passaria a adquirir novo caráter, mais crítico e menos receptivo a verdades prontas que não apresentassem fundamentos racionais e objetivos para serem validados. Nesse sentido, ciência e senso comum seriam percebidos como complementares. Por exemplo, a classe burguesa que liderou a Revolução Francesa para repor o rei absolutista e proclamar uma república não aceitou a premissa religiosa que orientava o senso comum, segundo a qual os reis governam por direito divino. Ao argumentar que os homens eram todos iguais e que seria impossível provar que Deus escolhera um em detrimento dos demais para governar, o pensamento liberal burguês proclamava que os próprios cidadãos deveriam decidir, por critérios definidos por eles mesmos, quem seria o governante. Antes, o senso comum aceitava que os reis fossem coroados por ordem divina; hoje ele rejeita essa hipótese, que durante séculos teve valor de verdade. Nas sociedades democráticas ocidentais, acredita-se que o voto confere legitimidade ao governante pelo período estipulado para seu mandato. A difusão dessa concepção pelo mundo tem sido a base para questionar governos ditatoriais em diferentes épocas e lugares. Mas recentemente, eventos ligados à chamada Primavera Árabe – um conjunto de movimentos sociais que atingiu vários países árabes a partir de 2011 – serviram para questionar um poder solidamente estabelecido e que até então não se mostrava passível de ser questionado. Embora na maior parte dos casos não se tenha alcançado um estado de liberdades democráticas nesses países, houve o questionamento efetivo da situação, com consequências que impossibilitaram o retorno completo ao estado de coisas anterior à eclosão desses protestos. -/- . (shrink)
Este ensaio parte de um movimento de transmutação das noções ocidentais-modernas de Natureza e Cultura. Utilizando-se de uma base nietzscheana como fio condutor, primeiramente, introduzir-se-á a transformação da noção de Natureza dentro do estruturalismo de Lévi-Strauss, assim como suas variações. Após isto, será mostrado dois exemplos contemporâneos que completarão a crítica ao pensamento moderno europeu ao mostrar: as teorias de Philippe Descola, especialmente suas ideias sobre as diversas ontologias, e Viveiros de Castro, no concerne à questão do perspectivismo ameríndio.
INTRODUÇÃO Segundo Pond (1975), os antepassados mais remotos dos suínos remontam há 40 milhões de anos, e parece que seu parente mais distante é o porco-do-cabo (Orycteropus afer), que viveu na região da Etiópia. Este é da ordem dos tubulidentados com focinho e orelhas alongadas, de hábitos noturnos e que se alimenta de insetos e raízes. Embora não exista um consenso unânime ao respeito, estima-se que a domesticação do porco doméstico atual iniciou-se na Europa entre os anos 7.000 e 3.000 (...) a. C., embora investigadores chineses reivindiquem a origem chinesa do porco doméstico atual que havia iniciado na região sul do país entre o ano 10.000 a. C. Aceita-se que a domesticação tenha se realizado de maneira lenta e progressiva e que os primeiros porcos eram pequenos e estavam em rebanhos pouco numerosos. Os porcos atuais pertencem ao gênero Sus e compreendem os porcos asiáticos (Sus vittatus) de tamanho pequeno; os célticos (Sus scrofa) provenientes do javali europeu e os porcos ibéricos (Sus mediterraneaus) de origem africana, de tamanho maior que os anteriores e introduzidos em todas as regiões do sul da Europa. A capacidade de adaptação do porco às diferentes condições climáticas determinou que sua exploração se realize em todos os continentes e em quase todos os países do mundo, com exceção daqueles onde, por razões de ordem cultural e religiosa, a sua exploração é vedada. O seu caráter cosmopolita está relacionado a sua grande capacidade de adaptação aos variados regimes alimentares, já que sua qualidade de onívoro lhes permite transformar diferentes produtos e subprodutos, alimentando-se tanto de recursos vegetais quanto de animais. Pode ser explorado de forma tradicional com recursos limitados ou de forma intensiva, combinando as mais sofisticadas técnicas de manejo relacionado à alimentação, sanidade, reprodução, transformação e comercialização. POPULAÇÃO MUNDIAL DE SUÍNOS DE RAÇAS LOCAIS Não existem estatísticas diferenciadas para a população mundial de suínos de raças locais. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), estima que a população mundial de suínos em 2018 foi de 781,3 milhões de cabeças, que compreendem 460 milhões de cabeças na Ásia, 155 milhões na União Europeia, 75 milhões na América do Norte, 70 milhões na América Central e do Sul e 21 milhões de cabeças na África e Oceania. Observe o anexo e o gráfico: Figura 1: População mundial de suínos de produção industrial em 2018. Fonte: FAO, 2019. -/- G 1: Efetivo suíno mundial em 2018. FAO, 2019. G 2: 11 maiores países criadores de suínos em 2018. FAO, 2019. A elevada população de suínos no continente asiático é um indicador da importância que estes animais têm na alimentação dos habitantes dessa região. Na China, que possui o maior efetivo suíno do mundo, 440 milhões (FAO, 2019), os porcos estão geralmente incorporados sob sistemas integrados com a agricultura. O mesmo ocorre no Vietnã, onde a maior parte dos milhões de cabeças também estão em sistemas tradicionais de produção. Sobressaem, em importância, as raças Mong Cai, Thouc Nhieu e Ba Xuyen ambas com milhares e até milhões de exemplares cada uma. Na Indonésia, dados desatualizados obtidos por Aritonang et. al. 1993, a população de suínos chegou a 8,6 milhões de cabeças, e que esses porcos locais representavam mais de 95% da população de distritos como Deli Serdang, North Tapanuli e Nias em Sumatra. As raças asiáticas, com as suas múltiplas características, foram objeto, nos respectivos países, de programas especiais para melhorar a sua produção. Outros países, principalmente a França e os Estados Unidos da América, iniciaram estudos sobre as raças asiáticas com o propósito de aproveitar alguns fatores genéticos próprios destas, como a alta fertilidade. Na Europa, países como Portugal e Espanha, tentaram conservar alguns genótipos de raças locais. Segundo dados do Anuário Estatístico do Ministério da Agricultura (1985), citado por Paz Saez e Hernández Crespo (Sf.), a Espanha tinha em 1996 uma população suína local estimada em 1,5 milhões de cabeças das raças ibérica, celta, morcego e suas cruzes. As referências relativas à presença de suínos locais são escassas na África. Sarniguet, citado por D’Orgeval Dubouchet (1997), dava conta que em 1985 existiam apenas 564 porcos exóticos, o que põe em evidência a importância do rebanho local. No Burkina Faso (Kabore, 1996), a exploração de suínos ocupa o quarto lugar entre as explorações animais e, em 1994, contava com uma população de 552,3 mil cabeças, sendo ao dizer da autora, «a raça local de maior presença». Tal como noutros países, a informação é genérica e a maioria dos autores sustenta que os suínos locais apresentam uma grande variedade e que se distinguem em três tipos: pequenos, grandes e pesados. Os genótipos são de grande rusticidade e de baixa produtividade, mas de boa adaptação às mais variadas formas de manejo e sistemas de alimentação. A América Latina, conta com uma população significativa de porcos locais, provenientes dos porcos introduzidos por Colombo, em sua segunda viagem ao Novo Continente em 1493, e de outros que foram introduzidos posteriormente à medida que se generalizou a conquista do continente. Infelizmente, não existem dados precisos sobre a população de suínos locais em cada um dos países e os dados oficiais generalizam, quando sustentam que estas populações são «maioritárias». Na Colômbia, um trabalho realizado por C. Espinosa (comunicação pessoal em 1997) indica que o porco local, conhecido como crioulo ou "zungo" provém dos porcos ibéricos conhecidos como lisos ou pelados e que estes localizaram-se inicialmente no departamento de Córdoba e depois no resto do país. Demonstra que os suínos locais estão a desaparecer rapidamente em consequência da introdução de "raças modernas". No entanto, não se quantifica o seu número e sustenta-se que, até há algumas décadas, constituíam a maioria dos animais explorados pelos camponeses das regiões afastadas. Na Bolívia, Amurrio (1996) indica que, segundo o Instituto Nacional de Estatísticas, a população suína total era de 2,2 milhões de cabeças, que forneceram 25% da carne consumida. Embora não precise da população local, considera-se que este genótipo «é menor do que no passado» e que os animais que se encontram com maior frequência provém de cruzamentos com raças importadas. No Equador, os trabalhos realizados por Alvarado e Gómez (1982) e por Molina (1988-1995), põem em evidência que os rebanhos locais estão compostos em 50% dos casos por 1-4 mães e que contribuem com 25% da produção nacional de carne e com 30% da gordura. Iaso indica a sua importância na alimentação. Em um trabalho realizado por Benítez (1995), descobriu-se que no país existiam 2,1 milhões de suínos explorados no sistema tradicional, e que desta população tão somente de 3 a 5%, segundo a região, eram animais provenientes das raças ibéricas. Na zona central e no sul do país encontram-se genótipos provenientes dos suínos ibéricos conhecidos como «runas», «jungas» ou «crioulos». A população de suínos tende a aumentar em quase todos os países da América Latina como resultado dos cruzamentos entre as populações de raças ibéricas e as raças modernas. No Equador, há uma população de porcos de 2,7 milhões de cabeças (FAO, 2000). O Banco Central do Equador, no Boletim Anuário 19 (1997), assinala que em 1996 existiam 2,7 milhões de suínos e que produziram 36 mil toneladas de carne. Quanto ao Brasil, a deficiência de dados acerca do plantel de suínos locais é resultado das grandes críticas relativas aos sistemas de produção tradicionais e integrados. No entanto, dados obtidos pela FAO revelam que o efetivo total de suínos em 2018 foi de 38,8 milhões de cabeças, fazendo do país o quarto maior criador e produtor de suínos do mundo, gerando movimentação de toda cadeia produtiva de R$ 150 bilhões de reais, um produto bruto de R$ 62 bilhões de reais e 1,1 milhões de empregos diretos e indiretos (ABCS, 2016). É indiscutível que, pelas suas características zootécnicas e por terem sido explorados de maneira tradicional, sem investimentos maiores de tempo, recursos e tecnologia, os suínos locais não foram objeto de muitos estudos que permitam conhecer o seu verdadeiro potencial genético e a sua capacidade produtiva. -/- IMPORTÂNCIA DOS SISTEMAS DE PRODUÇÃO INTEGRADOS Desde os primórdios da civilização, o homem tem tentado obter alimentos suficientes. Infelizmente, em muitos países, por variadas razões, ainda há muita gente mal alimentada e que sofre com a fome. No início do século XXI, a subordinação afetou 800 milhões de habitantes e mais de 100 milhões têm uma alimentação desequilibrada (FAO, 1995). Enquanto, nos países industrializados, os excedentes produtivos tornam-se elementos desestabilizadores da economia e dão lugar à especulação. Geralmente, os animais, principalmente os monogástricos, são considerados como concorrentes do homem por recursos alimentares. Esquece-se que são também importantes transformadores de produtos e subprodutos não comestíveis diretamente pelos seres humanos e que uma adequada e racional exploração deles pode realizar-se a complementação das necessidades alimentares das populações. Os sistemas produtivos compreendem uma série de elementos que interagem com a finalidade de aumentar a produção. Os sistemas pecuários integram um território, as forragens e outros alimentos, as práticas, os rebanhos, as instalações, os recursos financeiros e a comercialização. Diversas espécies animais que coexistem na mesma exploração constituem subsistemas (Gibon, 1981). Os sistemas integrados de produção permitem a participação de diferentes espécies domésticas, incluindo os suínos. Sua capacidade de transformação digestiva assegura a eliminação, segundo Ensminger (1976), de até 36 toneladas de excrementos para cada 1.000 kg de peso vivo por ano, isto é, 3.600 kg anuais de excremento por animal de 100 kg. Por exemplo, um animal de 45 kg, peso aproximado dos porcos locais, elimina diariamente 3,5 kg entre fezes e urina, conforme Jensen (1974). Estes resíduos são de grande utilidade para manter a fertilidade dos solos, bem como para servir de alimento a espécies com grande poder de transformação como os peixes (Little e Edwars, 2001) e palmípedes, além de servir para o mercado de produção de gás através dos biodigestores. Nos sistemas tradicionais, a sua utilização adequada permitiu a exploração de sistemas integrados com várias espécies de peixes como a tilápia (Tilapia spp.), carpas (Cyprinus spp.) e peixes-gato (Clarias spp.). Segundo Holmess (1991), entre cinquenta e sessenta suínos produzem suficientes efluentes para satisfazer as necessidades alimentares de 20 mil a 50 mil peixes por hectare, com uma produção anual de 3,5 a 5,0 ton./ha/ano de peixes. Em algumas explorações, em particular nos países asiáticos, os suínos desempenham um papel importante nos sistemas integrados. Além de transformar produtos e subprodutos agrícolas e agroindustriais, suas excreções recicladas para a agricultura são utilizadas para gerar biogás em biodigestores (FAO). A energia produzida por este meio, satisfaz as necessidades das famílias tanto para a preparação de alimentos, usos artesanais e até mesmo aquecimento de moradias. Holnees (1991), sustenta que sete porcos são suficientes para produzir o biogás necessário como combustível para uma família de cinco membros. A necessidade de aprofundar-se em estudos relacionados com a integração de sistemas, é mais evidente se tiver em conta que os sistemas intensivos requerem um elevado investimento econômico e tecnológico, e que muitas vezes originam uma grande contaminação. Chirgwin et. al. (1997) expressam que no balanço de «eficiência» esses fatores se mostram pouco rentáveis, se considerar a «energia consumida em insumos e serviços requerida para gerar o produto». As experiências acumuladas nos países asiáticos (FAO), e em alguns outros países da África e da América Latina, mostram que os sistemas integrados de produção estão mais próximos de cumprir com os postulados universais de produzir para garantir um adequado nível nutricional da população, através da utilização de tecnologias que não alteram nem deterioram o ambiente. Não há dúvida de que ainda são necessários grandes esforços como o empreendido pela FAO, que permita a combinação de tecnologias, de programas sanitários, de produção e de marketing. A abordagem holística deve constituir a base de futuros programas para uma adequada utilização da energia para converter o porco, e outros animais, em transformadores de produtos e subprodutos com rendimento para a população humana. CONCENTRADORES DE NUTRIENTES A conformação gástrica do porco, em particular a estrutura anatômica do seu intestino e a sua qualidade de onívoro, permite-lhe consumir todos os tipos de alimentos. Dotado de um estômago com uma capacidade de armazenamento de 6 kg (para um porco de 100 kg), dispõe de um intestino delgado que pode atingir até 14 vezes o comprimento do corpo do animal e de um fígado volumoso que permite um adequado metabolismo, garantindo uma grande capacidade de transformação dos alimentos e de assimilação. Proporcionalmente, tem um intestino equivalente ao dobro do de um homem adulto (Serres, 1973). No porco, a baixa transformação do azoto inorgânico é compensada pela disponibilidade de uma variada e rica microflora intestinal, localizada ao longo do intestino, o que lhe permite uma excelente utilização de amidos e de gorduras, provenientes de cereais e leguminosas. Os porcos nos sistemas tradicionais, na maioria das vezes, recebem uma alimentação desequilibrada. No entanto, a sua rusticidade e o seu instinto de sobrevivência permitem-lhes encontrar uma dieta que assegure, além de sua mantença, a sua reprodução e produção, fornecendo energia e proteínas à dieta humana. Esta grande capacidade transformadora de alimentos é o que permitiu ao porco, de maneira ancestral e às novas raças, a integração nos sistemas industriais com grandes benefícios econômicos, como consequência da melhoria das taxas de conversão alimentar. SUÍNOS LOCAIS E A ECONOMIA RURAL A economia dos camponeses, em particular dos países em desenvolvimento, é majoritariamente rural, com disponibilidade de pequenas parcelas e onde os cultivos e as espécies animais exploradas são adaptadas às mais variadas condições climáticas. Nestas unidades de produção, a tecnologia utilizada é ancestral, os ciclos produtivos são regidos pelo costume, os calendários astrais de suas respectivas culturas e condicionados às condições climáticas. A tecnologia utilizada não foi inovada senão de uma forma muito parcial. Não são efetuados investimentos em fatores de produção externos e, muitas vezes, grande parte das colheitas perdem-se durante o armazenamento. Em muitos casos, apesar da grande variedade de culturas por parcela (CATER, 1982), a produtividade é baixa e apenas satisfaz as necessidades familiares com escassos remanescentes para ao câmbio ou «troca» e com uma quase nula disponibilidade de excedentes para a comercialização (Benitez et. al., 1987). A pecuária, nestas unidades de produção, caracteriza-se pela diversidade de espécies, entre as quais predominam os animais menores: porcos, cabras, galinhas, patos, e espécies autóctones, como os cuyes e camelídeos nos países andinos (Benitez, 1987), roedores como a capivara (Hydrochoerus hydrochaeris) nos países amazônicos e pequenos ruminantes e roedores nos países africanos (Malaisse In. CIUF, 1987). Neste contexto, os suínos, alimentados com produtos e subprodutos provenientes da propriedade, com desperdícios de cozinha e de restaurantes, com resíduos de plantações industriais, de fábricas e mesmo das lixeiras das pequenas e grandes cidades, constituem-se na esperança econômica das populações de baixos rendimentos que assentam sua economia na possibilidade de economizar por este mecanismo (Benitez, 1995). Com o propósito de dispor de recursos para satisfazer urgentes necessidades derivadas de suas atividades religiosas, sociais e culturais, os moradores contam com pequenos rebanhos de animais de 1 a 4 matrizes (Alvarado e Gómez, 1982; Benitez, 1995), ou pequenos rebanhos de 2,5 animais em média (Proaño e Chávez, 1998), que são alimentados com os recursos alimentares locais. Quando os excedentes são suficientes, os pequenos produtores mantêm um ou mais animais para engorda, mas a grande maioria das crias é destinada à venda. Os suínos destinados a criação ou engorda são uma fonte de poupança para a família. As fêmeas em gestação, como os animais de acabamento, quando alimentados com milho ou com produtos regionais: banana, tubérculos, cana e outros produtos geralmente pobres em proteínas, tentam satisfazer as suas necessidades nutricionais escavando a terra em busca de raízes, insetos e pequenos animais ricos em proteínas. Os animais entram em engorda quando deixam de ser utilizados como reprodutores e os machos são, geralmente castrados. O ciclo de engorda ou de acabamento pode durar entre dois e quatro meses, dependendo da disponibilidade de alimentos, depois são destinados à venda em feiras ou na unidade de produção até onde chegam os intermediários e compradores. A vida média destes animais ultrapassa largamente um ano de idade e pode chegar aos sete e nove anos, como no caso dos reprodutores que são engordados quando terminam o seu ciclo reprodutivo. Em todo o caso, a poupança, a disponibilidade de gordura e de proteínas são a contribuição substancial para uma família de escassos recursos. ZOONOSES E ANTROPOZOONOSES Embora uma grande variedade de doenças parasitárias, bacterianas, virais, micóticas e até nutricionais possam afetar os porcos, sua curta vida produtiva faz com que estas tenham uma mínima expressão nos ciclos produtivos, principalmente quando são prestados os cuidados necessários. Está provado que os suínos, e outros animais explorados extensivamente, não são atacados por doenças infectocontagiosas como acontece nas explorações intensivas com densidades elevadas. No entanto, estas doenças podem existir, como foi o caso dos suínos ibéricos que sofreram da Peste Suína Africana com graves perdas nos rebanhos e na economia dos produtores. Somente um trabalho organizado e grandes investimentos do Estado permitiram sua erradicação e declarar a Espanha livre dela em 1995. No entanto, existem algumas doenças zoonóticas que merecem a atenção dos criadores para evitar o contágio, entre as quais destaco: 1. Enfermidades bacterianas Tuberculose: Tem como agente etiológico no homem o Mycobacterium tuberculosis, entretanto, algumas outras espécies como M. bovis, M. avium, M. intracelular e M. tuberculose, podem atacar o porco. M. bovis é a causa de até 90% da doença em suínos, produzindo lesões hiperplásicas a nível intestinal, inflamação na região orofaríngea e nos gânglios submaxilares. O contágio ocorre geralmente em contato com pessoas ou bovinos doentes, através de alimentos para animais, de resíduos alimentares de leitaria, de cozinha, de hospitais e de outros produtos contaminados. A vacinação nas áreas endêmicas reduziu a incidência desta doença. Brucelose: É uma doença generalizada em todo o mundo, causada pelas bactérias do gênero Brucella, do qual se conhecem seis espécies e múltiplos biotipos, sendo as mais difundidas: B. abortus, B. melitensis e B. suis, na sua ordem. Os suínos são atacados pela B. suis, principalmente, mas as outras espécies de brucelas podem também produzir a doença. Os animais são infectados no coito. Os sintomas são abortos e baixa fertilidade do rebanho. Os casos de artrite e a presença de nodulações, também podem ser indicadores da doença. Um reconhecimento atempado da doença e o destino adequado dos animais doentes pode evitar a presença de portadores e o contágio. 2 Enfermidades virais Febre aftosa: É uma doença que ataca o porco na sua qualidade de animal biungulado, produzida pelos vírus do genoma ARN, gênero Aphtovirus, com sete tipos: A, O, C; SAT1, SAT2, SAT3 e Ásia 1, facilmente modificáveis. Em todo o mundo, existem áreas que se livraram da doença com a vacinação, controles migratórios e abate de animais, principalmente. Entretanto, uma grande superfície do planeta fica sob observação permanente. A presença de vesículas na cavidade bucal, inflamação ou perda dos cascos e dificuldade ao caminhar, põem em evidência a doença. A introdução de animais contaminados e de produtos à base de carne pode acelerar a disseminação da doença, ao passo que a vacinação da maioria dos animais com a estirpe adequada evita as epizootias. 3. Enfermidades parasitárias Cisticercose: É uma parasitose associada às condições higiênicas e à pobreza, encontra-se em todos os países onde o porco é explorado de maneira tradicional. Os animais são infestados pelo consumo de excrementos de seres humanos contendo os embriões hexacantos da Taenia solium. Estes embriões, também conhecidos como óvulos, ao penetrar no intestino passam por via sanguínea aos diferentes músculos onde continuam seu desenvolvimento embrionário para logo se transformarem em cisticercos. A parasitose é assintomática nos porcos, mas podem-se palpar ou observar nodulações, in vivo, na língua do animal e em algumas ocasiões na pálpebra interna, enquanto que a inspeção, post morten, podem ser observados cisticercos na língua, coração, diafragma, masseteres, glúteos, dorsais e músculo psoas, principalmente. As pessoas adquirem a tênia consumindo carne parasitada na qual os cisticercos estão vivos. A teníase é a causa da terrível parasitose humana, conhecida como neurocisticercose, que é estabelecida como resultado do alojamento de cistos no cérebro humano, derme, epiderme e região ocular. Pode causar graves transtornos patológicos no homem e inclusive a morte. O portador de T. solium se converte no transmissor da neurocisticercose já que as proglotis da tênia adulta, que são expulsos em número de 3 a 7 diariamente, contêm entre 40 e 60 mil filhotes, que, por contato ou contágio de alimentos, podem ser transmitidos às pessoas. Em muitos casos, o fecalismo ao ar livre, ou próximo das vertentes de água, pode causar contaminação de porcos coprofágicos e das culturas, principalmente hortaliças ou outras de sistema radicular e caule curto. Triquinose: A triquinose do porco é produzida por um nematódeo conhecido como Trichinella spiralis. As pessoas são infestadas com carne de porco que contém larvas de triquina. As larvas entram no intestino onde amadurecem rapidamente e se reproduzem para depois, por meio dos vasos linfáticos, chegar aos músculos estriados onde se encapsulam. As larvas alojadas nos músculos lisos geralmente morrem. Os suínos são contaminados pelo consumo de resíduos de alimentos à base de carne contendo triquinas. A emaciação e a dor muscular das extremidades posteriores servem para dificultar o diagnóstico. Segundo Acha e Szyfres (1986), um porco de 100 kg parasitado pode infestar 360 pessoas. Estes autores também sustentam que a parasitose tende a desaparecer no mundo, sendo sua incidência, em muitos países europeus, inferior a 0,1%, e que em países como Brasil, Paraguai, Colômbia, Venezuela e Equador não se detectou esta parasitose. No caso equatoriano, os trabalhos realizados por Ayabaca e Vizuete (1997) confirmam a inexistência da doença no país. CONCLUSÃO A criação de suínos é de extrema importância para o mundo agropecuário. Seja nas criações de pequenos produtores, ou mesmo de grandes produtores, os suínos têm papel importante na obtenção de proteína para a alimentação humana, de emprego para milhões de pessoas, de renda, de produtos diversos, de gordura, de biogás etc. O sistema consorciado da criação de suínos com o meio agrícola é uma criação majoritária e presente em todos os países. Os suínos beneficiam o solo com suas excretas; o homem, por meio delas obtém o biogás necessário para produção de energia, de aquecimento etc. Milhões de camponeses criadores de suínos consorciados com outras culturas animais e vegetais, demonstram a eficiência da modalidade para o mundo contemporâneo e que podem, em muitos casos, obter renda necessária para sustento de suas famílias e da comunidade local. Todavia, vale salientar que os suínos tradicionais são resistentes à inúmeros agentes patogênicos, porém além de serem resistentes, a falta de higiene e profilaxia, além da medicina preventiva, podem ser cruciais para a disseminação da doença e morte total do plantel de animais. Os suínos produzem carne, produzem renda, produzem emprego, produzem a comunhão local, os suínos são animais peculiares, transformadores e contemporâneos. Pense, crie, recrie! (shrink)
This article proposes to present, in general, the thought of the German philosopher G. W. F. Hegel about history. Using mainly the work Philosophy of History, I seek first to analyze and to explain the different modes of historical approaches elaborated by Hegel, which are: the original history, the reflective history and its subdivisions and, finally, the philosophical history. After that, I center my studies on the concept of progress or, more precisely, historical progress. According to Hegel, philosophical history appears (...) when we perceive that rationality governs the world, and therefore the actions and events that have occurred, occur and will occur are part of this rationality. Such a perception – that is, understanding that history develops and progresses according to rationality – is possible when we turn to the study of history, using it as material, and carefully observing and analyzing past historical events. According to Hegel, this historical process is the course of the spirit, constantly seeking a greater awareness of freedom and, therefore, a greater understanding of itself, because freedom is already in it, and it is not something alien, distant or external, it is in its center and is its substance. According to Hegel, nature, despite its polymorphic transformations, is only a repetitive and monotonous cycle, where there is nothing new under the sun. However, in the process of development of the spirit, that is, the spirit knowing itself, the new appears, this is progress, which, in turn, is aimed at the realization of freedom, with a view to its concretization in the State. (shrink)
O Primeiro Império Persa (550-330 a.C.) representava a maior e a mais populosa organização política até então erguida. A crise e a dissensão provocada pelo militarismo agressivo dos assírios permitiram que esse Império pudesse dominar a Ásia Central. A ocupação de toda Anatólia fez com que os gregos habitantes do litoral fossem submetidos aos persas, quebrando-lhes a autonomia política. Não obstante, não se submeteram facilmente revoltando-se sob a liderança de Mileto e pedindo aos outros gregos que os ajudasse. Logo, em (...) 499 a.C., o Imperador Dario (m. Egito, 486 a.C.) dominou a revolta. Concluiu, então, que 2 deveria invadir a própria Grécia continental, por meio da Trácia. As cidades gregas foram sendo conquistadas pelos persas uma a uma, mas, na planície de Maratona, em 490 a.C., os atenienses surpreenderam e derrotaram os adversários, praticamente sozinhos. -/- O filho de Dario, Xerxes (c. 519 – Persépolis, 465 a.C.), dez anos depois da famosa batalha, 3 começou um novo ataque, invadindo a Grécia. Os espartanos concordaram em enviar um exército para manter o desfiladeiro de Termópilas, enquanto a frota ateniense enfrentava os persas no mar. Liderado pelo Rei Leônidas (m. Termópolis, 480 a.C.), trezentos filhos de Esparta enfrentaram uma multidão e só foram derrotados pelo ardil de um traidor. Vencido o obstáculo, o grande rei persa marchou para Atenas, tomando-a e saqueando-a. Não obstante, na batalha naval de Salamina, em 480 a.C., a força naval dos atenienses conseguiu indiscutível vitória, o que forçou os invasores a recuarem da Grécia Continental. HERÔDOTOS4 nasceu em Halicarnasso, cidade grega da Ásia Menor, em 484-479 a.C., em uma família envolvida com a política, por conta da qual foi exilado com a idade de trinta e dois anos. Daí, deu início às várias viagens, que lhe serviram de pano de fundo para sua obra História. Foi, primeiro, para a Fenícia e, dela para o Egito, onde chegou até a ilha de 5 Elefantina, pelo rio Nilo. Depois seguiu para Cirene, na Líbia. Em seguida, foi até Susa, no coração do Império Persa. Rumou ao Norte, para as cidades gregas do Mar Negro. De suas viagens, pesquisas e diálogos, ele criou sua fascinante obra História, que também recebera a influência da obra de Hecateu e outras anteriores. Em 447 a.C., fixou residência em Atenas, 6 onde lia publicamente trechos de seus livros. De tal modo agradou aos atenienses, elevando seus homens na guerra contra os persas, que lhe recompensaram com doze talentos, uma soma hoje que daria para comprar um bom modelo da Mercedes Benz.7 HERÔDOTOS, durante o seu período em Atenas, conviveu com Péricles (495-415 a.C.), 8 por quem demonstrou admiração em História, Anaxágora (500-428 a.C.), grande filósofo 9 pré-socrático, e SÓFOCLES (496/4-406 a.C.). Durante 464 e 496 a.C., foram enviados 10 colonos atenienses à Itália, para fundar uma nova cidade, Túria, na costa do Golfo de Tarento, no local onde existia Síboris, destruída por sua vizinha Crotara. Ele se juntou aos colonos e tornou-se cidadão local, que teve a constituição elaborada por Protágoras de Ábdera,11 resultando na existência de ideias com influência sofista. HERÔDOTOS viveu em Túria, 12 por vinte anos, e lá morreu, em 420 a.C. (shrink)
PREMISSA No século XIX, ocorreram transformações impulsionadas pela emergência de novas fontes energéticas (água e petróleo), por novos ramos industriais e pela alteração profunda nos processos produtivos, com a introdução de novas máquinas e equipamentos. Depois de 300 anos de exploração por parte das nações europeias, iniciou -se, principalmente nas colônias latino-americanas, um processo intenso de lutas pela independência. É no século XIX, já com a consolidação do sistema capitalista na Europa, que se encontra a herança intelectual mais próxima da (...) qual surgirá a Sociologia como ciência particular. No início desse século, as ideias do Conde de Saint-Simon (1760-1825), de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), de David Ricardo (1772-1823) e de Charles Darwin (1809-1882), entre outros, foram o elo para que Alexis de Tocqueville (1805-1859), Auguste Comte (1798-1857), Karl Marx (1818 -1883) e Herbert Spencer (1820-1903), entre outros, desenvolvessem reflexões sobre a sociedade de seu tempo. Auguste Comte e Karl Marx foram os pensadores que lançaram as bases do pensamento sociológico e de duas grandes tradições – a positivista e a socialista – que muito influenciaram o desenvolvimento da Sociologia no Brasil. 1 AUGUSTE COMTE E A TRADIÇÃO POSITIVISTA Isidore Auguste Marie François Xavier Comte nasceu em Montpellier, na França, em 19 de janeiro de 1798. Com 16 anos de idade, ingressou na Escola Politécnica de Paris, fato que teria significativa influência na orientação posterior de seu pensamento. De 1817 a 1824, foi secretário do Conde de Saint-Simon. Comte declarou que, com Saint -Simon, aprendeu muitas coisas que jamais encontraria nos livros e que, no pouco tempo em que conviveu com o conde, fez mais progressos do que faria em muitos anos, se estivesse sozinho. Toda a obra de Comte está permeada pelos acontecimentos que ocorreram após a Revolução Francesa de 1789. Ele defendeu parte dos princípios revolucionários e criticou a restauração da monarquia, preocupando-se fundamentalmente em reorganizar a sociedade, que, no seu entender, estava em ebulição e mergulhada no caos. Para Comte, a desordem e a anarquia imperavam em virtude da confusão de princípios (metafísicos e teológicos), que não se adequavam à sociedade industrial em expansão. Era, portanto, necessário superar esse estado de coisas, usando a razão como fundamento da nova sociedade. Propôs, então, a mudança da sociedade por meio da reforma intelectual plena das pessoas. De acordo com o pensador, com a modificação do pensamento humano, por meio do método científico, que ele chamava de “filosofia positiva”, haveria uma reforma das instituições. Com a proposta do estudo da sociedade por meio da análise de seus processos e estruturas, e da reforma prática das instituições, Comte criou uma nova ciência, à qual deu o nome de “física social”, passando a chamá-la posteriormente de Sociologia. A Sociologia representava, para Comte, o coroamento da evolução do conhecimento, mediante o emprego de métodos utilizados por outras ciências, que buscavam conhecer os fenômenos constantes e repetitivos da natureza: a observação, a experimentação, a comparação e a classificação. De acordo com esse pensador, a Sociologia, como as ciências naturais, deve sempre procurar a reconciliação entre os aspectos estáticos e os dinâmicos do mundo natural ou, no caso da sociedade humana, entre a ordem e o progresso. O lema da “filosofia positiva” proposta por Comte era “conhecer para prever, prever para prover”, ou seja, o conhecimento é necessário para fazer previsões e também para solucionar possíveis problemas. A influência de Comte no desenvolvimento da Sociologia foi marcante, sobretudo, na escola francesa, evidenciando-se em Émile Durkheim e seus contemporâneos e seguidores. Seu pensamento esteve presente em muitas das tentativas de criar tipologias para explicar a sociedade. Suas principais obras são: Curso de filosofia positiva (1830-1842), Discurso sobre o espírito positivo (1848), Catecismo positivista (1852) e Sistema de política positiva (1854). Para concluirmos, Comte explanava que para a superação da anarquia reinante na nova sociedade industrial, a filosofia positivista defendia a subordinação do progresso à ordem. O mesmo era contra o retorno de Luís XVIII ao trono: em sua concepção, a sociedade industrial que emergia requeria um governo fundado na razão. 2 A TRADIÇÃO SOCIALISTA: KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS Karl Heinrich Marx nasceu em Tréveris, na antiga Prússia, hoje Alemanha, em 1818 e, em 1830, ingressou no Liceu Friedrich Wilhelm, nessa mesma cidade. Anos depois, foi cursar Direito na Universidade de Bonn, transferindo-se para Berlim em seguida. Pouco a pouco, entretanto, seus interesses migraram para a Filosofia, área na qual defendeu, em 1841, a tese de doutorado A diferença da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro. Sua vida universitária foi marcada pelo debate político e intelectual influenciado pelo pensamento de Ludwig Feuerbach (1804-1872) e, principalmente, pelo de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770- 1831). Friedrich Engels (1820-1895) nasceu em Barmen (Renânia), na antiga Prússia, hoje Alemanha, filho mais velho de um rico industrial do ramo têxtil. Terminou sua formação secundária em 1837 e a partir de então sua formação intelectual foi por conta própria (autodidata), com alguns cursos universitários esparsos e de curta duração. Desde cedo começou a trabalhar nas empresas de seu pai e foi nessa condição que se deslocou para Bremen por três anos e depois foi enviado pelos pais a Manchester, na Inglaterra, onde trabalhou nas fábricas da família. Engels ficou impressionado com a miséria na qual viviam os trabalhadores das fábricas inglesas. Os dois, Marx e Engels, se encontraram em 1842, quando Marx passou a escrever para A Gazeta Renana, jornal da província de Colônia, do qual Engels era colaborador e mais tarde editor-chefe. O jornal, que criticava o poder prussiano, foi fechado em 1843, e Marx se viu desempregado. Ao perder o emprego, mudou-se para Paris, na França. Ali escreveu, em 1844, os Manuscritos econômico-filosóficos (só publicados em 1932) e, junto com F. Engels, o livro A sagrada família. Por sua vez, F. Engels, em 1844, decidiu voltar para a Alemanha, onde publicou, em 1845, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Entre 1845 e 1847, Marx exilou-se em Bruxelas, na Bélgica, onde escreveu A ideologia alemã (em parceria com Friedrich Engels) e Miséria da filosofia (1847), obra na qual criticou o filósofo Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Em 1848, ainda na Bélgica, a parceria com Engels se solidificou ao escreverem juntos o livreto O Manifesto Comunista. Em 1848, Marx foi expulso da Bélgica e retornou a Colônia, na Alemanha (Prússia), sempre pensando na possibilidade de uma mudança estrutural em sua terra natal. Isso, entretanto, não aconteceu e Marx foi expulso da Alemanha em 1849, ano em que migrou para Londres, na Inglaterra, onde permaneceu até o fim da vida. Lá escreveu O 18 Brumário de Luís Bonaparte (1852), sua mais importante obra de reflexão sobre a vida política europeia do século XIX, desenvolveu pesquisas e concluiu seu maior trabalho: O capital: crítica da economia política. O primeiro volume dessa obra foi publicado em 1867; os outros três, em 1885, 1894 e 1905, após a morte de Marx, revisados por F. Engels. 2.1 O contexto histórico e a obra de Marx e Engels Para situar a obra de Marx e Engels, é necessário conhecer um pouco do que acontecia em meados do século XIX. Com as transformações que ocorriam no mundo ocidental, principalmente na esfera da produção industrial, houve um crescimento expressivo no número de trabalhadores industriais urbanos, com uma consequência evidente: precariedade da vida dos operários nas cidades. As condições de trabalho no interior das fábricas eram péssimas. Os empregados eram superexplorados, alimentavam-se mal e trabalhavam em ambientes insalubres. Para enfrentar essa situação e tentar modificá-la, os trabalhadores passaram a se organizar em associações e sindicatos e a promover movimentos de reivindicação. Desenvolveu-se, então, uma discussão das condições sociais, políticas e econômicas para se definirem as possibilidades de intervenção nessa realidade. Desde o início do século XIX, muitos pensadores discutiram essas questões, nas perspectivas socialista e anarquista. Na Inglaterra podem ser citados, entre outros: William Godwin (1756-1836), Thomas Spence (1750-1814), Thomas Paine (1737-1809), Robert Owen (1771-1858) e Thomas Hodgkin (1787-1866). Na França, destacaram-se Étienne Cabet (1788- 1856), Flora Tristan (1803-1844), Charles Fourier (1772-1837) e Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Marx e Engels levaram em conta esses pensadores, debatendo com alguns contemporâneos e criticando-os. Além disso, incorporaram a tradição da economia clássica inglesa, presente principalmente nas obras de Adam Smith e de David Ricardo. Pode-se dizer, portanto, que Marx e Engels desenvolveram seu trabalho com base na análise crítica da economia política inglesa, do socialismo utópico francês e da filosofia alemã. Esses dois autores não buscavam definir uma ciência específica para estudar a sociedade (como a Sociologia, para Auguste Comte) ou situar seu trabalho em um campo científico particular. Em alguns escritos, Marx afirmou que a História seria a ciência que mais se aproximava de suas preocupações, por abarcar as múltiplas dimensões da sociedade, a qual deveria ser analisada na totalidade, não havendo uma separação rígida entre os aspectos sociais, econômicos, políticos, ideológicos, religiosos, culturais etc. O objetivo de Marx e Engels era estudar criticamente a sociedade capitalista com base em seus princípios constitutivos e em seu desenvolvimento, visando dotar a classe trabalhadora de uma análise política da sociedade de seu tempo. Assim, a tradição socialista nascida da luta dos trabalhadores, muitos anos antes e em situações diferentes, tem como expressão intelectual o pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels. Para entender as concepções fundamentais de Marx e Engels é necessário fazer a conexão entre as lutas da classe trabalhadora, suas aspirações e as ideias revolucionárias que estavam presentes no século XIX na Europa. Para eles, o conhecimento científico da realidade só tem sentido quando visa à transformação dessa mesma realidade. A separação entre teoria e prática não é discutida, pois a “verdade histórica” não é algo abstrato e que se define teoricamente; sua verificação está na prática. Apesar de haver algumas diferenças em seus escritos, os elementos essenciais do pensamento de Marx e Engels podem ser assim sintetizados: • historicidade das ações humanas – crítica ao idealismo alemão; • divisão social do trabalho e o surgimento das classes sociais – a luta de classes; • o fetichismo da mercadoria e o processo de alienação; • crítica à economia política e ao capitalismo; • transformação social e revolução; • utopia – sociedade comunista. A obra desses dois autores é muito vasta e não ficou vinculada estritamente aos movimentos sociais dos trabalhadores. Pouco a pouco foi introduzida nas universidades como parte do estudo em diferentes áreas do conhecimento. Estudiosos de Filosofia, Sociologia, Ciência Política, Economia, História e Geografia, entre outras áreas, foram influenciados por ela. Na Sociologia, como afirma Irving M. Zeitlin, no livro Ideología y teoría sociológica, tanto Max Weber quanto Émile Durkheim fizeram, em suas obras, um debate com as ideias de Karl Marx. Pelas análises da sociedade capitalista de seu tempo e a repercussão que tiveram em todo o mundo, principalmente no século XX, nos movimentos sociais e nas universidades, Marx e Engels são considerados autores clássicos da Sociologia. No campo dessa disciplina, porém, o pensamento deles ficou um pouco restrito, pois perdeu aquela relação entre teoria e prática (práxis), ou seja, entre a análise crítica e a prática revolucionária. Essa relação esteve presente, por exemplo, na vida e na obra dos russos Vladimir Ilitch Ulianov, conhecido como Lênin (1870-1924), e Leon D. Bronstein, conhecido como Trotsky (1879-1940), da alemã Rosa Luxemburgo (1871-1919) e do italiano Antonio Gramsci (1891- 1937), que tiveram significativa influência no movimento operário do século XX. Com base no trabalho de Marx e Engels, muitos autores desenvolveram estudos acadêmicos em vários campos do conhecimento. Podemos citar, por exemplo, Georg Lukács (1885-1971), Theodor Adorno (1903-1969), Walter Benjamin (1892-1940), Henri Lefebvre (1901-1991), Lucien Goldmanm (1913 -1970), Louis Althusser (1918 -1990), Nikos Poulantzas (1936-1979), Edward P. Thompson (1924-1993) e Eric Hobsbawm (1917 -2012). O pensamento de Marx e Engels continua, assim, presente em todo o mundo, com múltiplas tendências e variações, sempre gerando controvérsias. REFERENCIAL TEÓRICO GEMKOW, H.; PSUA, I. M. L. Marx e Engels: Vida e Obra. São Paulo: Alfa e Ômega, 1984. 232 pp. GIANOTTI, J. A. Comte. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 318 pp. (Col. Os Pensadores) KONDER, L. Marx: vida e obra. 7ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. 154 pp. (Col. Vida e Obra). (shrink)
Estamos cansados das utopias. Estamos cansados das utopias literárias e dos devaneios sobre a Cidade ideal: as utopias em ação que foram os totalitarismos do século XX nos nausearam. Os horrores reais de uns nos impedem de sonhar com os outros. Nossas antigas utopias De Platão a Thomas More, de Étienne Cabet a Fourier, as utopias falavam da rejeição do presente e do real: “Existe o mal na comunidade dos homens”. Mas não lhe contrapunham o futuro nem o possível; elas (...) descreviam um impossível desejável: “Seria bom viver lá!”. Não eram programas políticos planejando meios de atingir um objetivo racional. Contentavam-se em querer o melhor. E mais valia o Bem nunca obtido a um Mal menor amanhã. As utopias eram revolucionárias, mas em palavras: “Os homens vivem assim, sempre viveram assim, deveriam viver de outra forma”. Todas as utopias comunistas do século XIX foram assim. Quando se tratava de arregaçar as mangas, havia um esforço para criar à distância, e durante um certo período, uma pequena comunidade real mais ou menos em conformidade com o sonho. Os utopistas eram revolucionários quando não eram realistas, e quando eram realistas não eram revolucionários. Nunca visaram a eliminar o Mal para sempre e derrubar as comunidades políticas existentes para instaurar o Bem. Por exemplo, Étienne Cabet, com seu comunismo cristão, imaginou a cidade ideal de Icária e tentou fundar uma colônia icariana em New Orleans, em 1847. Charles Fourier, com seu falanstério, estava em busca de uma harmonia universal que se formaria livremente por afeição de seus membros. O mais realista de todos, Saint-Simon, descreveu uma sociedade fraterna, cujos membros mais competentes (industriais, cientistas, artistas, intelectuais, engenheiros) tinham a tarefa de administrar a França da forma mais econômica possível, a fim de torná-la um país próspero, onde reinariam o interesse geral e o bem comum, a liberdade, a igualdade e a paz; a sociedade seria uma grande fábrica. Mas o sonho de uma associação entre industriais e operários baseada na fraternidade, na estima e na confiança desfez-se na realidade das grandes empresas capitalistas dos saint-simonianos, no Canal de Suez e nos caminhos de ferro franceses. No fundo, aconteceu o mesmo com os teóricos do "comunismo científico" no século XIX, Karl Marx e Friedrich Engels. Eles, é claro, eram autenticamente revolucionários e profundamente realistas, pois fundamentaram seu projeto político em uma análise do funcionamento econômico e histórico do capitalismo, mas a ideia comunista e a abolição da propriedade privada permaneceram em estado de esboço nas obras dos autores do Manifesto, um ideal abstrato e, por assim dizer, vazio, ou, em todo caso, tão utópico quanto nos teóricos franceses. Nos Manuscritos de 1844, a ideia comunista é pura especulação conceitual em torno da "apropriação real da essência humana pelo homem e para o homem" ou "a verdadeira solução da luta entre existência e essência, entre objetivação e afirmação de si mesmo, entre liberdade e necessidade". Em A ideologia alemã, é uma expressão puramente verbal para designar "o movimento real que abole a ordem estabelecida". Em Engels, é "o ensinamento das condições da libertação do proletariado" (Princípios do comunismo). E uma ideia até mais vaga e abstrata nos marxistas do que nos utopistas, pois é dissociada de qualquer tentativa de fundamentação conceitual e qualquer análise concreta dos meios de sua realização. E ainda como um sonho de Cidade ideal, em que "cada um recebe conforme suas necessidades", como circulava entre os utopistas franceses do comunismo no século XIX. Ao contrário de suas predecessoras, as utopias em ação dos totalitarismos do século XX situam-se no cruzamento de um ideal revolucionário ("partir ao meio a História do mundo", segundo Nietzsche em Ecce homo, depois retomado pelos maoístas) e um programa realista de transformação política radical. Enquanto as utopias de Platão a Engels evitavam os meios de se atingir o ideal para preservar sua perfeição, as utopias em ação fazem o inverso: retardam indefinidamente a realização do ideal para empregar da melhor forma os meios capazes de realizá-lo. Não é mais uma questão de sonhar com o Bem, mas de lutar indefinidamente contra o Mal. E, desde a República de Platão,5 o Mal na comunidade política tem duas faces: ou é Impuro ou Desigual. Portanto, a Cidade deve ser: ou uma comunidade de iguais, cuja unidade perfeita é garantida pelo fato de que tudo é comum entre eles; ou uma comunidade pura, cuja unidade perfeita é garantida pelo fato de que todos têm a mesma origem. Define-se ou pelo comum das posses (nada deve pertencer a ninguém, mas a todos) ou pela identidade dos seres (ninguém deve ser estrangeiro): o comum que temos (ou deveríamos ter) ou aquilo que somos (ou deveríamos ser). Naturalmente, nessa união de idealismo revolucionário e realismo programático, o Bem absoluto, o Puro, o Comum, é uma idealidade fora de alcance: o combate mortal contra o Mal torna-se a obsessão dos regimes de terror. O Puro deve começar excluindo. Mas nunca chega a excluir por completo, porque o já purificado nunca é suficientemente puro. A ponto de a ideia se transformar em um delírio infinito de rechaçar e depois expulsar, a fim de exterminar. Os judeus e os ciganos, que encarnavam o micróbio maléfico que ameaça a pureza da raça e do sangue ariano, tinham de ser caçados até nos mais ínfimos recantos do território sob domínio nazista e eliminados como pulgas. O Comum e o comunismo também estão fora de alcance. Começa-se expropriando. Mas ainda há a propriedade e o privado. E, portanto, nunca se chega a expropriar, despossuir, comunizar por completo. As lutas contra as classes (supostamente) proprietárias ou avessas à coletivização, os pequenos proprietários de terra, geram deportações em massa (deskulakização) ou organização sistemática de grandes fomes (Holodomor). Por isso, apesar da formidável esperança de emancipação que o ideal comunista representou durante quase um século para as classes ou povos explorados do mundo inteiro, ele se despedaçou no século XX contra o muro do "socialismo real". Nos antípodas do comunismo imaginado, ao qual se supunha que conduziria infalivelmente, o ideal comunista se transformou em uma máquina tirânica, burocrática e totalitária. A sociedade sem Estado sugerida por Engels na obra Anti- Dühring6 tornou-se seu contrário, uma ditadura do Estado contra a sociedade. O terrível fracasso dessa utopia em ação destruiu os sonhos de libertação coletiva — enquanto "a exploração do homem pelo homem" continua indo muito bem. Infelizmente, não se pode dizer o mesmo das utopias revolucionárias em nome do Puro. Enquanto o ideal comunista quase desapareceu dos programas políticos, a ideologia purista do sangue e da raça, a ilusão da origem comum (seja biológica ou religiosa) e, portanto, o ódio destruidor do estrangeiro continuam a alimentar as utopias coletivas e seus massacres em série: genocídio ruandês contra os tutsis, depuração étnica dos muçulmanos na ex-lugoslávia (em particular na Bósnia), limpeza étnica de cristãos, turcomanos xiitas e no autoproclamado "Estado islâmico" etc. O fim das utopias? Felizmente, parece que somos poupados de tudo isso em nossas "democracias ocidentais", após setenta anos de paz sob as asas da Europa, algumas décadas de relativa prosperidade econômica e tranquilidade política sob a frágil proteção de nossos sistemas representativos. Não acreditamos mais na salvação comum. Nem na salvação nem no comum. Há três razões para isso, todas as três interligadas: o fim do político, a desconfiança em relação ao Bem, o reino dos direitos individuais. As utopias políticas conduziram ao desastre. Não conseguem mais nos fazer sonhar com o futuro como faziam no passado, porque estamos absorvidos por nosso hoje e por nós mesmos. A política parece ter derrotado o político. A política são estratégias coletivas ou táticas individuais, é o império dos "eles" ou o reino dos "eus". O político é a afirmação da existência de um "nós" ("nós, o povo"), além das comunidades de famílias ou amigos, das comunidades regionais ou religiosas, além das identidades de gênero ou origem, e aquém da comunidade humana em geral. As peripécias usuais dos governos representativos sufocaram o sentimento de pertencimento coletivo e a aspiração a um destino comum, que ressurgem apenas quando uma emoção violenta abala o corpo social, quando existe uma ameaça extremista ou ocorre um atentado terrorista. Em situações normais, porém, os acasos da conquista ou do exercício do poder escondem o político, isto é, as condições de unidade da comunidade. Não acreditamos mais no Bem. Não sonhamos mais com uma Cidade bondosa, finalmente livre do Mal. Aspiramos simplesmente a uma sociedade — ou um mundo — menos má. Prova dessas aspirações são as manifestações que mobilizam a juventude dos países ocidentais ou sublevam os povos do planeta de vez em quando. Movimentos altermundialistas contra o capitalismo financeiro, Fórum Social Mundial (Porto Alegre), Occupy Wall Street, Indignados, Nuit Debout etc. Movimentos a favor da democracia nos países da Europa do Sul nos anos 1970, na América Latina e, em outros continentes, lutas de emancipação na praça da Paz Celestial (Pequim), na praça Tahrir (no Cairo), na praça Taksim (Istambul), de Sidi Bouzid (Tunísia), revolução dos guarda-chuvas (Hong Kong) etc. Apesar da diversidade de contextos e objetivos, em todas essas revoltas há uma constante que as distingue das utopias revolucionárias passadas: as pessoas se revoltam contra alguma coisa, elas não se mobilizam por alguma coisa. Sabemos o que elas rejeitam (injustiça, miséria, corrupção, humilhação, arbitrariedade, segregação e repressão), mas desconhecemos a que aspiram. Ou melhor, é como se tudo que desejassem fosse justamente um "menos" — menos injustiça, menos miséria, menos arbitrariedade, menos corrupção, menos segregação, menos repressão etc. —, ou o menos possível, mas nunca o impossível de um horizonte coletivo. Os que almejam em todo o mundo derrubar um poder tirânico ainda sonham com essa nossa "democracia" que não nos encanta mais, porque acreditamos que as liberdades fundamentais em que ela consiste são para sempre e ela se resume a votarmos esporadicamente em políticas que não nos satisfarão. Pois quando não há mais nada contra o que se revoltar, restam apenas motivos para reivindicar. Contudo, ninguém mais sonha com uma Cidade perfeita: nem os que protestam contra sua miséria e servidão nem os que lutam por condições de vida decentes e pela satisfação de seus interesses. Não há mais utopia política. Foi assim que se instalou entre nós o reino dos direitos individuais. Pois não desejamos mais um Estado ideal que nos una e nos faça um nós, um nós inédito, um nós que seja um nós mesmos: esperamos somente que esse Estado nos deixe em paz, cada um por si, e nos permita realizar as aspirações individuais a que acreditamos ter direito. O sonho de emancipação coletiva se estilhaçou em uma multiplicidade dispersa de desejos. Podemos indicar a data recente em que esse "nós" considerado poderoso demais começou a se encolher em "eus" triunfantes. Quando esses "eus" ainda usavam a máscara do antigo "nós" para se legitimar. No último terço do século XX, as reivindicações individualistas ainda tinham uma coloração revolucionária; as pessoas não sonhavam mais com a libertação de uma classe ou de um povo, mas ainda sonhavam com uma libertação política: a dos desejos individuais. O ideal proletário adquiriu um matiz libertário: foram os movimentos de "Maio de 68". O conceito de revolução recuava na história social e progredia nos costumes. Nesses movimentos dos países capitalistas ocidentais, as pessoas acreditavam, apoiavam, afirmavam em textos e discursos que tudo na vida de cada um era político por natureza, para além da própria política. O amor era político: elas acreditavam que as relações entre homens e mulheres, os sentimentos, a sexualidade eram determinados pela existência social — logo eram políticos. A arte também era política: a arte falsa era a arte reacionária, a música tonal, a pintura figurativa, o romance ou o cinema narrativos etc. A "verdadeira arte" era a das vanguardas, revolucionária na forma e messiânica no conteúdo. A moral, por sua vez, era política de um extremo a outro. Ou então era oca, ridícula. (Isso foi antes de tudo virar ética.) Este era o programa: libertação coletiva das aspirações individuais, "viver sem tempo morto e gozar sem obstáculos". Desde o início do século XXI, não existe mais utopia política. Nem sonhos de libertação social; ela se despedaçou contra o muro da realidade totalitária: de suas esperanças restam apenas algumas conquistas, cada vez mais frágeis, do Estado providência. Nem sonhos de realização libertária; eles se chocaram contra o fim das ilusões e o retorno do conservadorismo. Dos primeiros e dos segundos sobrou apenas o império dos direitos. A era do indivíduo não precisa mais se abrigar sob a ideologia da libertação: o vocabulário liberal dos direitos subjetivos é suficiente. De fato, os direitos individuais, na esteira e conforme o modelo muitas vezes infiel dos "direitos humanos", tornaram-se nosso único ideal, depois que perdemos a fé no Ideal. Pois a ideia de "direitos humanos" é a dupla negação de toda utopia política: porque se trata de "direitos" e porque se trata de "humanos". Cópia de: FRANCIS WOLFF. Três Utopias Contemporâneas. São Paulo: Unesp, 2018. (shrink)
A obra que aqui analisamos, denominada postumamente de Lições sobre a Filosofia da História (Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte) foi publicada em 1837, seis anos após a morte do autor. Tal obra não foi escrita diretamente pelo filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), isto é, ela não foi apenas publicada postumamente, mas sim surgiu de uma forma “indireta” . Ela foi formada e elaborada através da análise detalhada e da ligação entre os múltiplos registros e as diversas anotações (...) que foram realizadas pelos alunos e pelos ouvintes que participavam dos cursos e das aulas que eram ministradas pelo filósofo.Certamente, também foram utilizados e estudadas as anotações próprias e os manuscritos pessoais de Hegel, principalmente àqueles dos seus últimos anos de vida, quando era membro do corpo docente da Universidade de Berlim e ali lecionava . Em seu título original, ou seja, em alemão – Vorlesungen über die Philosophie der Geschichte – a palavra “Vorlesungen” – que pode ser traduzida como “lições”, “palestras” ou “preleções” – deixa mais claro essa origem da obra, o que não ocorre com a simplificação adotada pela única tradução brasileira, que restringiu o título apenas para Filosofia da História. No primeiro capítulo – denominado de Tipos de abordagens da história e do princípio universal da história filosófica (Die Behandlungsarten der Geschichte) –, e logo no primeiro parágrafo da obra, Hegel esclarece qual é o objeto e qual é a finalidade desta. Nas palavras do filósofo: “O objeto desta preleção é a filosofia da história universal. Não é o nosso propósito extrair da história reflexões gerais,ilustrando-as por meio de exemplos tomados no curso dos acontecimentos, mas apresentar o próprio conteúdo universal” (Hegel, 2008, p. 11). (shrink)
Este artigo pretende abordar a importância histórica e filosófica de se debater gênero, em especial na situação feminina. Para isso, percorrer-se-á, nesta ordem, a fim de marcar aproximações e afastamentos no âmbito epistêmico e metodológico de suas obras, o proposto por Scott, Beauvoir, Butler, Benhabib e Fraser. Concluindo que a teoria desta última pode ser utilizada como um caminho entre os universalismos, operando nas resoluções do cotidiano, e as análises pós-modernas, mediando o debate sobre redistribuição e reconhecimento. Um recorte da (...) situação brasileira também é levado em conta, a fim de se contextualizar geo-culturalmente a problemática em questão, mesmo que de modo inicial. (shrink)
The question “what is an interpretation?” is often intertwined with the perhaps even harder question “what is a scientific theory?”. Given this proximity, we try to clarify the first question to acquire some ground for the latter. The quarrel between the syntactic and semantic conceptions of scientific theories occupied a large part of the scenario of the philosophy of science in the 20th century. For many authors, one of the two currents needed to be victorious. We endorse that such debate, (...) at least in the terms commonly expressed, can be misleading. We argue that the traditional notion of “interpretation” within the syntax/semantic debate is not the same as that of the debate concerning the interpretation of quantum mechanics. As much as the term is the same, the term “interpretation” as employed in quantum mechanics has its meaning beyond (pure) logic. Our main focus here lies on the formal aspects of the solutions to the measurement problem. There are many versions of quantum theory, many of them incompatible with each other. In order to encompass a wider variety of approaches to quantum theory, we propose a different one with an emphasis on pure formalism. This perspective has the intent of elucidating the role of each so-called “interpretation” of quantum mechanics, as well as the precise origin of the need to interpret it. (shrink)
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