A relação entre os modos e a substância na filosofia de Espinosa é tida tradicionalmente como de inerência, de maneira semelhante, grosso modo, à relação entre os acidentes e as substâncias na filosofia aristotélica. Essa concepção de inerência foi contestada por Edwin Curley a partir de 1969. Esta monografia, no primeiro capítulo, procura defender que a relação entre os modos e a substância em Espinosa é de inerência, contra Curley, explicando em que consiste essa relação e diferenciando-a da concepção aristotélica (...) de inerência. No segundo capítulo, são apresentadas e respondidas objeções elaboradas por Pierre Bayle ainda no século XVIII contra a concepção de inerência dos modos na substância em Espinosa e que serviram como apoio para os ataques de Curley. (shrink)
SOCIOLOGIA DO TRABALHO: O CONCEITO DO TRABALHO DA ANTIGUIDADE AO SÉCULO XVI -/- SOCIOLOGY OF WORK: THE CONCEPT OF WORK OF ANTIQUITY FROM TO THE XVI CENTURY -/- RESUMO -/- Ao longo da história da humanidade, o trabalho figurou-se em distintas posições na sociedade. Na Grécia antiga era um assunto pouco, ou quase nada, discutido entre os cidadãos. Pensadores renomados de tal época, como Platão e Aristóteles, deixaram a discussão do trabalho para um último plano. Após várias transformações sociais entre (...) diferentes eras e povos, o trabalho foi ganhando espaço nos debates entre os povos, como os caldeus, hebreus e romanos. O trabalho conferiu-se no escopo da discussão social. Na Idade Média, com Agostinho, Santo Aquino e outros o labor foi concebido como algo benéfico e divino. O que se via como algo “escravo” ao povo, transformou-se em necessidade e benevolência divina. -/- Palavras-chave: Conceito; Trabalho; História; Definição. -/- ABSTRACT -/- Throughout the history of mankind, work has figured itself in different positions in society. In ancient Greece it was a little matter, or almost nothing, discussed among the citizens. Renowned thinkers of such a time, like Plato and Aristotle, left the discussion of the work for a last plan. After several social transformations between different eras and peoples, work was gaining space in the debates among peoples, such as the Chaldeans, Hebrews and Romans. The work has taken place within the scope of social discussion. In the Middle Ages, with Augustine, Saint Aquinas and others the work was conceived as something beneficial and divine. What was seen as something “slave” to the people, became need and divine benevolence. -/- Keywords: Concept; Work; History; Definition. -/- BASES TEMÁTICAS DESSE TRABALHO -/- ➢ O trabalho é um conceito construído socialmente; -/- ➢ A modernidade trouxe consigo mudanças significativas quanto à valorização do trabalho; -/- ➢ A origem dos mercados de trabalho, juntamente com o surgimento do capitalismo, minimizou o trabalho como um mero emprego assalariado; -/- ➢ O trabalho, no entanto, apresenta múltiplas manifestações nas nossas sociedades. -/- 1. A VISÃO GREGA DE TRABALHO -/- Comecemos pelos gregos, uma civilização excitante que, durante muitos séculos antes de Cristo, já começava a elaborar riquíssimas reflexões sobre vários aspectos da vida humana. No entanto, surpreende aqueles de nós que já ler os primeiros filósofos gregos, como entre tantas análises rigorosas e “diálogos”, um elemento tão central na vida social dos povos, como o trabalho havia tido escassa repercussão. A explicação só faz sentido, justamente, ao analisar a valorização que esses grandes pensadores tinham acerca do nosso objeto de estudo que é o trabalho. Embora, como supracitado, os gregos não tivessem uma visão unânime sobre o trabalho, não é menos certo assinalar que para esta civilização o trabalho foi considerado um fato altamente desvalorizado. O trabalho, para eles, dado a sua vinculação com a dimensão de constrangimento e necessidades, limitava a liberdade dos indivíduos, condição indispensável para integrar o mundo da “pólis” na qualidade de cidadão. O homem livre realizava atividades absolutamente desinteressadas: a atividade intelectual (que não era considerada trabalho) fazia parte do ócio e da contemplação. O trabalho, reservado apenas aos escravos, como bem sinala Hopenhayn (1955), significava uma mera função produtiva. Portanto, o escravo passou a ser unicamente uma força de trabalho. Como tal, ele não tem personalidade e pertence ao seu mestre, como uma coisa entre muitas. Como objeto de propriedade, escapa ao pensamento antropológico que domina a filosofia sofista e socrática, porque para o cidadão grego falar de escravo não implica um sujeito pensante, senão uma coisa ou, no máximo, a força. Também escapa ao pensamento platônico, porque, como uma coisa, parece totalmente desvalorizado na construção idealista-dualista da realidade (HOPENHAYN, 1988. p. 23 – Tradução própria). -/- Três termos fundamentais que devemos recordar da tradição grega: -/- 1 – Ponos: penalidade, fadiga; -/- 2 – Banausia: trabalho mecânico, e -/- 3 – Ergon: realização. -/- Vejamos como essa noção de trabalho é construída como algo servil (ponos), ao qual uma visão positiva de lazer e contemplação foram contrastadas como uma atividade puramente humana e libertadora. As raízes do supracitado são encontradas no valor eticamente supremo da autarquia socrática. Segundo essa noção alcunhada por Sócrates (469-399 a.C.), todo aquele que trabalha está submetido tanto à matéria como aos homens para quem trabalha. Nessa medida, sua vida carece de autonomia e, portanto, de valor moral. Naturalmente, não só os escravos, mas também qualquer trabalhador dedicado a todos os tipos de tarefas manuais, foram desprezados por um pensamento helênico indubitavelmente aristocrático. Para Platão (427-347 a.C.), de origem aristocrática, descendente do último rei de Atenas e discípulo de Sócrates, a autarquia continua a ser perpetrada como um valor ético supremo e, em consonância com os interesses da aristocracia fundiária, afirmava que somente a agricultura evocava autêntica autonomia. Dessa forma, o pensamento platônico restringiu a participação política a escravos, comerciantes e artesãos. Todos eles têm em comum a dependência das condições materiais em que produzem e trocam mercadorias. O plano político estará intimamente relacionado ao econômico-trabalhista: somente quem é capaz de governar a si mesmo (e como sabemos, acontece com aqueles que não trabalham ou possuem terras), pode governar os outros. Somente a liberação total da prática mundana do trabalho abre as possibilidades de dedicar-se, como fez Platão, à contemplação (σχολή), à filosofia e às ciências, e por meio disso saber distinguir o bem do mal, o justo do injusto, o verdadeiro do falso. Quem poderia dedicar-se a tais “tarefas nobres”? Evidentemente, aqueles que não precisam fazer parte da população trabalhadora, isto é, a aristocracia. Esse sistema de governo aristocrático foi defendido, obviamente, por Platão. Em sua “A República” sinala que o governo perfeito é o aristocrático, e que a este se sucedem a timocracia (governo dos guerreiros), a oligarquia (dos ricos) e a democracia (“governo daqueles que amam o prazer, a mudança e a liberdade), que perece por seus excessos nas mãos de alguns homem audaz que se coloca à frente do povo para defender a democracia e “do tronco desses protetores do povo nasce o tirano”, dando origem à tirania.(2) Em seu diálogo “Político” podemos ler: Aqueles que possuem a si mesmos através da compra, e aqueles que podem ser chamados sem nenhuma discussão de escravos, não participam da arte real [...] E todos aqueles que são livres, se dedicam espontaneamente a atividades servis como as supracitadas, transportando e trocando produtos da agricultura e de outras artes; que nos mercados, indo de cidade em cidade por mar e terra, trocando dinheiro por outras coisas ou por dinheiro, o que chamamos de banqueiros, comerciantes, marinheiros e revendedores, poderão, por acaso, reivindicar para eles algo da ciência política? [...], mas também aqueles que estão dispostos a prestar serviços a todos por salários ou por subsídios, nunca os encontramos participantes na arte de governar [...] Como os chamaremos? Como você acabou de dizer agora: servidores, mas não governantes dos estados (PLATÃO, 1983. pp. 237-8 – adaptado). Esse estado ideal que Platão projetou em seus ensinamentos estava longe, a propósito, da democracia ateniense defendida por Péricles. De certa forma, Platão só confiava em uma elite no poder constituída por uns poucos (oligarquia) que não deveriam se render às tarefas servis da produção e circulação das riquezas. Para ele, as crianças aristocráticas deveriam ser selecionadas desde a infância, recebendo uma educação suficiente tanto em filosofia quanto nas “artes da guerra”. Aos trinta anos, eles já seriam capazes de passar por um exame donde seriam selecionados os “filósofos-reis” encarregados do governo. De fato, no entanto, suas concepções de governo nunca poderiam ser executadas com pureza; ou pela chamada “contrarrevolução aristocrática”, ou pela invasão estrangeira subsequente. Essa visão do trabalho que estamos a analisar, como bem sinala Henri Arvon (1914- 1992), conduz a uma sociedade basicamente conservadora e estancada no produtivo. (3) A ideia de liberdade, ócio e contemplação como valores superiores, propõe um desprezo pelo trabalho que, como vimos, é uma atividade puramente transformadora. Há aqueles que, mediante tal contestação, arriscam fundamentar que grande parte do subdesenvolvimento tecnológico na Grécia derive justamente a essa cultura tão peculiar em relação ao trabalho. Caso contrário, se houvesse escravos, por que avançar em conhecimentos que facilitaram o trabalho? Não nos surpreende, nesse sentido, que uma civilização capaz de criar conhecimentos espetaculares em áreas particularmente complexas como a geometria (Euclides), por outro lado, não soubesse (ou não gostaria) de avançar em conhecimentos técnicos aplicáveis ao campo econômico-trabalhista. Já vimos como a cidadania era o escopo da de alguns aristocratas da civilização helênica. Hannah Arendt (1906-1975) sinalava que os gregos distinguiam entre os escravos, os inimigos vencidos (dmôes ou douloi) que estavam encarregados do trabalho doméstico, e os demiourgoi, homens livres para se deslocarem do domínio privado para o público. Somente depois do século V, sinala Arendt, a pólis começou a classificar as ocupações de acordo com os esforços que eles exigiam. Nisso, Aristóteles (384-322 a.C.) teve que desempenhar um papel preponderante que colocou aqueles cujo “corpo está mais deformado” na faixa mais baixa. Ele não admitiria, portanto, aos estrangeiros (os escravos), nem tampouco aos banausoi, antes dos demiourgoi, trabalhadores e artesãos que deviam resignar-se ao mundo dos “oikos”. Estes, não só estavam submetidos à necessidade como eram incapazes de ser livres, mas também incapazes de governar a parte “animal” do seu ser (República, 590). Serão eles, não obstante, aqueles que permitem o florescimento da chamada democracia helênica, pois, quem senão os trabalhadores (escravos ou artesãos) poderia manter com seu esforço o ócio e a contemplação dos “homens livres”, cidadãos do mundo? Como foi supracitado, será Aristóteles quem delimitará ainda mais os direitos de cidadania. Sua cidade ideal, como em Platão, diferenciaria os governantes dos governados. O primeiro, constituído pela classe militar, estadistas, magistrados e sacerdócio. O segundo, pelos agricultores, artesãos e os camponeses. Com os comerciantes há uma certa ambivalência: embora ele considerava uma ocupação antinatural, estava disposto a admiti-los até certo ponto em sua cidade ideal, cuja base seguiria sendo a escravidão. Em sua Política, ele explana: A cidade mais perfeita não fará do trabalhador manual (artesão) um cidadão. Caso o admitir como tal, a definição de virtude cívica [...] não alcança todos os cidadãos, nem apenas os homens livres, mas só os que estão isentos de trabalhos indispensáveis à sobrevivência. Destes, os que estão a serviço de um só indivíduo, são escravos; os que servem a comunidade, são trabalhadores manuais (artesãos) ou trabalhadores não qualificados (ARISTÓTELES, 1998. p. 203). Tampouco compreenderá os agricultores como reivindicava Platão: “Tampouco deverão ser agricultores os futuros cidadãos, pois para a formação de sua virtude e para a atividade política, o ócio é necessário”. Essa prolifera discussão ocorreu em uma civilização onde começaram a surgir as primeiras mudanças produtivas derivadas do crescimento econômico feito do descobrimento do ferro, e sua posterior divisão do trabalho, onde florescem os grupos de comerciantes e a aristocracia proprietária de terras começa a dominar. Os pensadores da época, mais aliados a estes últimos, contrariavam os princípios da acumulação comercial. Em sua Política, Aristóteles aconselha os cidadãos a absterem-se de qualquer profissão mecânica e de toda especulação mercantil. O primeiro, porque limita intelectualmente, e o segundo, porque degrada o ético. Somente o ócio (scholé), para esses pensadores, permite a virtuosidade e a capacidade de julgar. A Koinonia politiké (comunidade dos homens livres) era típica daqueles que não precisavam de trabalho, relegando a população trabalhadora ao mero âmbito da reprodução material (chrematistiké), o que só era possível em um contexto de alta divisão do trabalho onde um grupo minoritário (oligarquia) vivia à custa do trabalho da maioria (muitos deles escravos). O termo “ócio” provém de “scholé”, entendido entre os gregos como tempo para si mesmo, para a contemplação (sjolé) e, portanto, para a formação (scholé = escola). Desse ponto de vista, o ócio para os gregos é um fim em si mesmo. Entre os romanos, no entanto, adquire outra conotação. Em latim octium, designa o campo contraposto ao neo-octium (negócio), ou seja, é o tempo de descanso que permite dedicar-se ao negócio. Tal visão sobre o trabalho e o ócio, respectivamente, não foi, no entanto, como supracitado no início, unanimemente desenvolvida em toda a história da civilização helênica. Os textos de Homero(4) (séculos IX e VIII a.C.) são mais reservados a respeito, mas acima de tudo, na Grécia antiga encontramos autores como Hesíodo (século VIII), que postulavam outras teses. Para o autor de “Os trabalhos e os dias”, o trabalho se constituía em um justo e necessário castigo que Zeus impôs aos homens pelo pecado de Prometeu. Note a similitude com a crença bíblica que veremos adiante. Hesíodo explana: Lembre-se sempre do meu conselho e trabalhe [...] os deuses e os homens se indignam com quem ocioso vive, semelhante em caráter aos zangões sem ferrão, que consomem o esforço das abelhas [...] O trabalho não é nenhuma desonra; desonra é não trabalhar (HESÍODO, 2012. p. 93 e 95). Também entre alguns sofistas (aqueles que vendiam sua sabedoria a quem gostaria de comprá-la), como Protágoras (século V a.C.), “o primeiro e o maior deles”(5), coloca o estudo e a arte (técnica) na mesma faixa, e Antifonte (século V a.C.) disse: “[...] e as honras e preços, e toda a espécie de encorajamento que Deus incumbiu aos homens, devem necessariamente resultar de fadiga e suor”. Como conviveu a cultura grega com essas noções tão diferentes? Tenho a ideia, juntamente com Hopenhayn, que o desprezo dos pensadores gregos pelo manual foi causado pela violência dos guerreiros e dos aristocratas de plantão, que impuseram aos seja derrotados o jugo. Do trabalho árduo e difícil. Porque a aristocracia queria trabalhar nessas condições? A própria divisão do trabalho em si possibilitou o crescimento da civilização helênica, estava gerando diferentes classes com visões distintas sobre o trabalho. Por outro lado, surgiram os camponeses pobres, os derrotados e aqueles que tinham que viver do trabalho artesanal. Essas pessoas, na maioria das vezes isoladas do mundo da “polis”, gerariam suas próprias leituras dos acontecimentos, seus próprios espaços para o desenvolvimento cultural, inclusive sua própria religião, distante daquela imposta pela visão aristocrática, olímpica, contemplativa e estética dos “homens livres”. -/- 2. A VISÃO DOS CALDEUS ACERCA DO TRABALHO -/- A leitura de outros povos e civilizações sobre este tema tem sido diferente. Entre os caldeus, por exemplo, a visão pejorativa analisada entre os gregos não é registrada. Nas escrituras sagradas da religião de Zaratustra (o Avesta), lemos: “É um santo aquele que constrói uma casa, na qual mantém o fogo, o gado, sua mulher, seus filhos, os bons párias. Aquele que faz a terra produzir trigo, que cultiva os frutos do campo, cultiva corretamente a pureza” (HOPENHAYN, 1988. p. 35). Para os caldeus, como se pode observar, o trabalho implica, de uma posição diametralmente oposta à helênica, uma contribuição na ordem econômica, mas também na espiritual. Trabalhar não é só “cultivar o trigo” (dimensão das necessidades fisiológicas), mas também “cultivar a pureza”, dimensão esta, relacionada com a satisfação das necessidades espirituais. Por que apreciamos uma diferença tão acentuada entre essas culturas? Provavelmente, os diferentes graus de desenvolvimento dos povos levaram a isso. Enquanto entre os gregos primava uma divisão do trabalho, onde alguns tinham o status de “homens livres” dedicados à contemplação e ao ócio, outros não tinham escolha a não ser trabalhar, em uma situação de domínio em relação às naturezas daqueles que o empregaram. Esse não foi o caso dos caldeus, que possuía um escasso dividido trabalho, em que a todos se correspondia uma atividade laboriosa. -/- 3. A VISÃO DOS HEBREUS SOBRE O TRABALHO -/- No meio do caminho entre os caldeus e os gregos, encontramos a avaliação do trabalho feita pelos hebreus, dessa vez, tingindo de ambivalências. Tal como ponderava Hesíodo entre os gregos, para os hebreus, o trabalho se constituía de um mal necessário; em um meio para expiar os pecados; dessa vez não de Prometeu, mas de Adão e Eva. Vamos ver, no entanto, alguns aspectos mais complexos. A primeira coisa a se notar da perspectiva hebraica (compartilhada com o cristianismo) é o que se resulta da leitura do livro de Gênesis, aquela história poética e cheia de imagens para elucidar facilmente a origem da criação. Lá se estabelece a ideia de um deus criador-trabalhador: “No princípio Deus criou o céu e a terra [...] No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou [...] de toda a obra que realizara na criação”.(7) Esse Deus como primeira causa (São Tomás de Aquino (1225-1274)) denota laboriosidade seu correspondente descanso, um binômio que será fundamental para compreender a evolução do direito do trabalho e do direito ao descanso semanal contemporâneo. Digamos, em segundo lugar, que o Senhor Deus providenciou o trabalho no Éden: “O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo”.(8) Portanto, não é certa a ideia de que o trabalho é o resultado do pecado: ao contrário, é um trabalho árduo aquele que deriva do pecado segundo a tradição hebraico-cristã. Antes, na ausência do pecado, havia uma espécie de bom trabalho. Foi o pecado original, que levou Deus a condenar Adão e Eva, e por isso a toda a humanidade, a “ganhar o pão com o suor da sua testa”. “Por isso o Senhor Deus o mandou embora do jardim do Éden para cultivar o solo do qual fora tirado”. (9) O Talmude diz: “Se o homem não encontra seu alimento como animais e pássaros, precisa ganhá-los, isso se deve ao pecado”. Essa sentença, de caráter histórico, promove a ideia de trabalho como meio para expiar o pecado original, mas também como meio para produzir; isto é, legitimando a mudança inerente a todo trabalho e, portanto, legitimando também aquela vontade transformadora que caracterizou desde sempre os povos hebreus.(10) Agora, ao contrário dos caldeus, para os hebreus da antiguidade, o trabalho nunca teve um fim ético em si mesmo, mas foi constituído apenas como um meio. Essa visão esteve sempre presente, e caracteriza muito claramente a concepção que muitos integrantes de nossas sociedades contemporâneas possuem sobre o trabalho, além da religião de cada um. -/- 4. OS ROMANOS E O TRABALHO -/- Os romanos, por sua vez, deram uma importante contribuição para o desenvolvimento do conceito de trabalho. Se bem que, a grosso modo, não houvesse grandes diferenças com o pensamento dos gregos, com quem eles tinham em comum, além disso, uma maior divisão do trabalho fruto do desenvolvimento econômico e o uso massivo de mão de obra escrava(11); a maior contribuição do ponto de vista de sua originalidade histórica estava presente na tradição jurídica que inauguraria o Império Romano. O maior impacto por meios jurídicos e não filosóficos é explicado pelo fato de que os romanos, ao contrário dos gregos, não conseguiram “inspirar” a produção de grandes pensadores sociais. Com efeito, para os romanos, como o escravo não era considerado uma pessoa, o viam-no desprovido de personalidade jurídica. Isso conduziu a negação da relação de trabalho entre a pessoa encarregada de um trabalho manual (escravo) e seu dono. Tal relação correspondia, acima de tudo, ao direito de propriedade que os juristas romanos haviam garantido quase sem limites para seus cidadãos. O problema, como aponta Hopenhayn, surgiu quando o proprietário não ocupa seu escravo, mas aluga-o para terceiros. Surge assim a figura do arrendamento de serviços, que deriva do arrendamento das coisas. Porém, como na realidade o que se alugava era a força de trabalho, a qualidade jurídica desloca-se para a atividade realizada pelo escravo. Dessa forma, a atividade do trabalhador, primeiro do escravo, posteriormente do homem livre, começa a ser tratada como uma coisa, e se converte em antecedente do arrendamento de serviços do Direito Civil moderno. Ademais, na tradição romana, o trabalho manual estava desprestigiado. Cícero (106-43 a.C.) em De Officiis, estabeleceu com fria claridade “ipsa merces est auctoramentum servitius”(12) (todo trabalho assalariado é trabalho escravo). A vida era difícil para esses trabalhadores: nos territórios sob domínio romano, Augusto (63-14 a.C.) tinha imposto um tributo à todos os homens que exerciam algum tipo de trabalho manual, além do imposto à residência, às valas e outros mais particulares como o imposto para a detenção de porcos. Certamente, aqueles que levaram a pior parte no tempo da Roma Imperial foram os escravos (servi) sob domínio e propriedade de seus donos (domini). Me seus tempos de auge, a demanda de escravos em Roma era de 500.000 ao ano. Se compararmos com os 60.000 escravos negros trazidos a América nos anos de maior tráfico, teremos uma ideia mais ou menos exata da magnitude desse triste fenômeno. -/- 5. O CRISTIANISMO E O TRABALHO -/- As mensagens do cristianismo primitivo, são inseridas logo, nesse tempo histórico, onde Roma se tornava o centro das maiores mobilizações de rebeldia da antiguidade. Isaías, nesse sentido, proclamaria que o Messias viria: “[...] a pregar boas novas aos abatidos, a vendar aos quebrantados de coração, a publicar liberdade aos cativos, e aos presos a abertura do cárcere”.(13) Jesus, efetivamente, incluiu em sua missão, mensagens de libertação aos pobres e oprimidos. Porém, ao contrário do supracitado, como bem sinala Eric Roll (1907-2005), dos antigos profetas hebreus, não o faria saudando as comunidades tribais com seu espírito de grupo; mas animado por uma mensagem mais universal e permanente, proclamando uma mudança mais completa e integral na conduta do homem em sociedade, onde os valores de justiça e amor se colocariam em um primeiro plano. Evidentemente, a mensagem do cristianismo primitivo, e mais concretamente de Cristo, distava muito dos filósofos gregos. Deixemos que Roll explique: Temos visto que as doutrinas econômicas de Platão e, em certa medida, de Aristóteles, nasciam da aversão aristocrática ao desenvolvimento do comercialismo e da democracia. Seus ataques contra os males que acarreta o afã de acumular as riquezas são reacionárias: olham para trás, e o de Cristo olha para frente, pois exige uma mudança total, mas relações humanas. Aqueles sonhavam com um estado ideal destinado a proporcionar a “boa vida” para os cidadãos livres unicamente e cujas fronteiras eram as da cidade-estado daquele tempo; Cristo pretendeu falar por todos e para todos os homens. Platão e Aristóteles haviam justificado a escravidão; os ensinamentos de Cristo sobre a fraternidade entre todos os homens e o amor universal eram incompatíveis com a ideia da escravidão, apesar das opiniões expostas depois por São Tomás de Aquino. Os filósofos gregos, interessados somente pelos cidadãos, sustentaram opiniões muito rígidas sobre a diferente dignidade das classes de trabalho, e consideravam as ocupações servis, com exceção da agricultura, como próprias apenas para os escravos. Cristo, ao dirigir-se aos trabalhadores de seu tempo, proclamou pela primeira vez a dignidade de todas as classes de trabalho, assim materiais como espirituais (1942. p. 42 – Tradução própria). Não pode escapar desse estudo, o fato de que o próprio Jesus Cristo herdou o ofício de carpinteiro de seu “Pai” José; e que escolheu seus discípulos entre os pescadores e artesãos da região. Essa visão primitiva do cristianismo, no entanto, deve ser analisada no quadro das escrituras sagradas do Antigo Testamento que compartilha com a cultura (e obviamente a religião) hebraica. Nesse sentido, o trabalho não deixa de ser um meio, descartando-se como um fim em si mesmo. Mas, agora atribuindo-lhe um novo valor, sempre em tento um meio para um fim virtuoso: o trabalho será fundamental para permitir a satisfação das necessidades de cada um, mas também seus frutos, deverão ser inseridos em uma dimensão comunitária, onde o “próximo” necessitado esperará a contribuição fraterna e solidária do cristão. O trabalho, nessa perspectiva, não só possibilita o “tomar”, mas também o “dar”. Em relação a dupla perspectiva, é onde podemos entender a crítica do cristianismo a acumulação da riqueza. Como aponta o evangelista Mateus, “acumular o tesouro no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde os ladrões não perfuram nem roubam. Onde está o seu tesouro está seu coração”. (14) Com São Paulo se incorpora um novo componente valioso: a obrigatoriedade moral do trabalho. Em sua carta aos Tessalonicenses dita claramente “ao que não trabalha que não coma”. Diz São Paulo: Vocês sabem em que forma têm que nos imitar: nós trabalhamos enquanto estivemos entre vocês, não pedimos a ninguém um pão que não teríamos ganhado, senão que, de noite e dia, trabalhamos duramente até nos cansarmos, para não ser carga para nenhum de vocês [...] Além disso, quando estávamos com vocês lhes demos está regra: se alguém não quiser trabalhar, não coma. Mas agora ouvimos que há entre vocês alguns que vivem sem nenhuma disciplina e não fazem nada, muito ocupados em meter-se em tudo. A estes lhes mandamos e lhes rogamos, por Cristo Jesus, nosso Senhor, que trabalhem tranquilos para ganhar a vida (II Tes. 3:10). Essa frase, entendida somente no contexto de uma sociedade donde não existia um conceito de desemprego tal como entendemos atualmente, é curiosamente reproduzida pelo modelo soviético em pleno século XX. Com efeito, a Constituição da União Soviética estabeleceu em seu Artigo 12: “O trabalho é, na Rússia, uma questão de dever e de honra para todo cidadão fisicamente capaz. Essa obrigação é baseada no princípio: “quem não trabalha não come”. (15)(16) Para São Paulo, o trabalho deve ser o meio para ganhar a vida. Ele quis ser exemplo e enquanto pregava continuava trabalhando, presumivelmente como tecelão de tendas. A obrigatoriedade moral se aplica na medida em que a pessoa está em condições de o fazer. Para os incapacitados a fazê-lo (idosos, crianças, deficientes, doentes, acidentados etc.) existia a obrigatoriedade do socorro segundo a máxima do amor (ágape) ao próximo. Essas sentenças morais têm hoje em dia uma importante quota de explicação para com as contemporâneas políticas sociais. -/- 6. O TRABALHO NA IDADE MÉDIA -/- A Idade Média, período que ocupa desde o crepúsculo do Império Romano do Ocidente no século V pelos bárbaros, até o século XV, com a queda de Constantinopla, evidentemente mostra um conjunto importante de escolas e pensadores que marcaram pautas importantes para discernir o valor do trabalho nas diferentes culturas. A organização econômica mais visível nestes mil anos, onde operou o trabalho, consistia em extensões grandes de latifúndios errados do Império Romano (o sistema econômico denominado feudalismo), onde (mediante a falta de escravos) recorreu-se à mão de obra camponesa para o trabalho. O sistema, implicava o arrendamento de parte dessas terras a ex-escravos ou homens livres, em troca de uma renda em dinheiro e espécies, além do cultivo das próprias terras senhoriais. Por certo, a figura do servo não distava muito da do escravo se tivermos em conta as condições de funcionamento do contrato de trabalho. O comércio também teve seu lugar no sistema feudal, o mesmo adquiriu grande importância em certas regiões ou lugares, à exemplo de Constantinopla. A atividade econômica seguia seu rumo na história, e depois dos séculos IX e X, o crescimento das forças produtivas deu lugar a uma maior acumulação por parte de componentes e artesãos e, por certo, a uma maior apropriação de excedentes por parte do Senhor feudal. Essa situação foi ativante para a construção dos primeiros Burgos ou cidades, onde o comércio e a indústria artesanal teriam um marco mais adequado para o seu desenvolvimento. Essa é a etapa do nascimento dos primeiros grêmios corporativos (17). Então para o século XII, a estrutura feudal começa a desmoronar porque a produção de determinados bens começa a ser mais eficiente em cidades e não no feudo. O dinheiro, então, passou a ganhar maior peso que a terra, o que obriga os senhores feudais a aumentar seus rendimentos. Isso leva a um empobrecimento lógico dos camponeses, o que não dura muito, porque na primeira metade do século XIV, a maior parte dos servos alcança sua liberdade. Por sua vez, nessa apertada síntese da história econômica da Idade Média, devemos assinalar que pelo século XIV, e depois das Cruzadas e o posterior desenvolvimento do comércio internacional entre os impérios arábico e bizantino, inaugura-se uma etapa pré-capitalista que durará três séculos. É lá que se levanta mais energética a voz de alguns homens da Igreja contra a tendência à exaltação da riqueza já começava a avivar-se na Europa. São Tomás de Aquino, nesse sentido, não considerará ao comércio pré-capitalista bom ou natural. No entanto, ele o julgava inevitável uma vez que era o meio ao qual o comerciante tinha que manter a sua família. Dessa forma, os lucros do comércio não era outra coisa senão o fruto do trabalho. Se tratava, então, de colocar o acento na justiça da mudança efetuada, para o qual Aquino recorre a Aristóteles, cuja análise sobre o valor de mudança é figurado no seu estudo da Justiça. Muitos padres da Igreja, desde então, pretenderam formular um conceito de “preço justo”. Nesse sentido, o Cristianismo apresenta uma evolução do seu pensamento sobre o comércio que partia de uma visão absolutamente contrária ao começo da Idade Média (Santo Agostinho (354-430), São Jerônimo (347-420) etc.), a outra mais transacionável, que acompanhou, sobretudo, o pensamento de Aquino. Algo similar ocorreu com outro dos “preceitos” da Igreja em matéria econômica: a usura. Esta era considerada pela igreja como a melhor forma de obter lucro. O mesmo evangelista Lucas (século I d.C.) foi categórico ao rejeitar essa linha de operações. A lei hebraica também fez isso, e podemos encontrar no livro do Êxodo (22,25) tal proibição a respeito. Mais atrás no tempo, há antecedentes de condenação à usura entre os hindus (Rigveda, cerca de 1500 a.C.) e budistas (século VI d.C.), além do Islã mais próximo do nosso tempo (século VI d.C.). Ao princípio da Idade Média, como testemunha Roll, a proibição somente alcançava a Igreja, já que o escasso desenvolvimento mercantil não merecia outra coisa. No final da Idade Média, no entanto, que a situação é outra; e a prática secular foi orientada no sentido de promover o empréstimo de dinheiro cobrando por isso um juro. Alarmada ante esses fatos, a Igreja condena mais uma vez a usura no Terceiro Concílio de Latrão de 1179. No mesmo escreveu e ensinou São Tomé (século I d.C.) e outros discípulos da Igreja. No entanto, as práticas econômicas foram minando a autoridade eclesial e está terminou, através de sucessivas etapas, por aceitar, em certas condições e sob certas circunstâncias, a cobrança de juros sobre a concessão de um empréstimo. Em tal sentido, um dos autores mais representativos só início da Idade Média foi Santo Agostinho. Foi este um dos pilares, em seu tempo, das noções “anticapitalistas” que foram seguidas e complementadas por homens do tamanho de São João (347-407), São Ambrósio (340-397), São Clemente (150-215), São Cipriano (200-258) entre outros. (18) Santo Agostinho valoriza o trabalho recordando em tal sentido a São Paulo, a que cita com muita frequência em seus textos. Segundo o Bispo de Hipona, todo trabalho manual é bom pelas razões dadas pelo cristianismo primitivo. Concilia, além disso, seu dualismo platônico, ao sustentar que enquanto o homem trabalha tem a alma livre, de modo que é perfeitamente compatível pensar em Deus ao mesmo tempo em que se trabalha. Essa particular sintonia entre o trabalho e a oração foi perfeitamente posta a prova pelos monges beneditinos, cujo lema “Ora Et Labora” (orar e trabalhar) é paradigmático. “Trabalha e não desesperes” dizia seu fundador, São Bento de Núrsia (480-547), de seus monastérios distribuídos em um primeiro momento a Subiaco, no início do século VI. Também corresponde a São Bento uma sentença que perdura até o dia de hoje no imaginário moral sobre o trabalho: “Otiositas inimica est animae” (a ociosidade é inimiga da alma), tal qual diz uma expressão popular castelhana: “el ocio es la madre de todos los vicios” (o ócio é a mãe de todos os vícios). Tomás de Aquino, alguns séculos depois, continua a reflexão sobre o trabalho e estabelece uma hierarquia de profissões, onde localiza o trabalho agrícola e artesanal acima do comercial. Uma quota de originalidade na história do pensamento sobre o trabalho consistiu em considerá-lo como uma obrigação somente se necessário para subsistir; ou dito de outra maneira: quem não tem necessidade de trabalhar não tem que fazê-lo. Isso sim, à falta de trabalho, devia dedicar-se à oração e contemplação divina, atividades por certo mais elevadas para o autor da Suma Teológica. Logo, considerará que Deus é a causa primária, a que tudo deve a sua existência; por derivação, o homem é causa segunda, procurando atreves do trabalho “criar” em suas dimensões humanas. “Entre todas as formas com que a criatura humana tenta realizar a semelhança divina, não há outra de relevo mais destacado que a de trabalhar, isto é, ser em o mundo causa novos efeitos”, disse o Santo. (19) Aquino, além disso, utilizando categorias platônicas, hierarquiza o trabalho, considerando o intelectual acima do manual. Chama “artes servis” a estes últimos, enquanto que o trabalho intelectual corresponde ao conjunto das “artes liberais”, dignas de maior remuneração ao fazer uso da inteligência. Esta distinção própria da Escolástica, dá lugar à divisão clássica entre as 7 artes liberais: o Trívium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (astronomia, geometria, aritmética e música). Outras contribuições de São Aquino têm a ver com sua posição diante do trabalho agrícola ao qual o considera como o melhor meio para assegurar a subsistência de um povo; a maior importância dada à vida contemplativa sobre a ativa, embora considerando a primeira como “laboriosa”; sua posição sobre a escravidão, que não considerava como natural, no entanto, entendê-la “útil”(20); e sua interpretação sobre o contrato de trabalho: neste, o operário não vende a si mesmo, nem seu corpo, nem sua inteligência, nem sequer sua faculdade de trabalho. Isso significa que o Direito Natural proíbe considerar o trabalho como um objeto de mudança. Propõe, em vez disso, considerar o contrato como um arrendamento de serviço. Em termos gerais, a valorização que sobre o trabalho se realiza na Idade Média, rebaixando ao trabalho manual em relação a outras tarefas, fica explícita na divisão tripartida que recorre, entre outros, Adalberão Bispo de Laon (947-1030): “Triplex Dei ergo domus est quae Creditor uma nunca oran, alii pugnat, Aliique laborant” (ternária é a casa do Senhor e não uma: aqui sobre a terra uns oram, outros lutam e outros trabalham). Não gostaria de deixar passar por alto, finalmente, entre os movimentos originados na Idade Média, a contribuição que sobre o tema do trabalho teve a ordem franciscana. Essa, contra o que muitos podem crer, é uma ordem não mendicante no sentido estrito, mas sim trabalhadora e de pobreza. São Francisco de Assis (1181/82-1226), no final do século XII, marcaria como ninguém dentro do cristianismo, uma vida ascética baseada no trabalho e na pobreza. Inclui, além disso, um elemento pela primeira vez descoberto na cultura europeia: o sentido da alegria que acompanha o trabalho. “Essa condição de 'suor de sua testa' com 'a alegria de seu coração' outorga ao trabalho uma condição diferenciada”. Avançando então na história da humanidade, entramos na época moderna, caracterizada por cinco grandes eventos: -/- 1. A decadência do poder moral da Igreja e o enfraquecimento de seu poder econômico frente ao da crescente burguesia; -/- 2. O renascimento intelectual e artístico; -/- 3. As viagens paras as índias e a descoberta da América; -/- 4. A formação e a constituição dos Estados-nação; -/- 5. As reformas religiosas de Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564). -/- Nesse contexto, os séculos XV e XVI mostraram como o mercantilismo ia avançando apesar dos esforços de alguns pensadores da Igreja que eventualmente perderam o pulso diante do desenrolar dos acontecimentos. Sucessivas encíclicas papais terminaram por legitimar o interesse nos empréstimos e, por meio desta, levou-se a maior acumulação de riquezas por parte dos banqueiros. Esse foi o meio ideal para o desenvolvimento da atividade do mercador, para quem, o trabalho passou a ser considerado um meio para obter sucesso. Ao dinamizar-se a atividade econômica e mercantil, a visão humanista do trabalho começa a perder valor, realçando-se ao mesmo como um simples meio para fins de enriquecimento. Talvez a exceção a essa noção estendida entre os novos atores tenha sido a proporcionada pelo humanismo renascentista. Para Campanella (1568-1639), por exemplo, sua “Cidade solar”, não existe o divórcio entre trabalho manual e intelectual, isso quando o segundo começa a ser supervalorizado por sua ação no plano das invenções e das novas técnicas.(22) Na mesma linha se situa Thomas More (1478-1535), o autor de “Utopia”, outra reação do cristianismo às projeções que estava adquirindo o cada vez mais influente mercantilismo. Embora o trabalho não seja considerado como um mau, pelo contrário, apresenta características humanizadoras, é sugestivo comprovar como em Utopia a jornada do trabalho não supera as seis horas diárias e na Cidade solar não se devia trabalhar mais que quatro horas. Indubitavelmente, essas versões de sociedades ideais terminariam por impactar sobre maneira a constituição das Missões Jesuítas na América do Sul; e as Franciscanas na Baixa Califórnia. É o Renascimento, o lugar propício, além disso, para renovar o conceito da virtuosidade, agora traduzida na figura do empresário ou financista audacioso e empreendedor. Essa linha foi reforçada logo por Calvino, para quem os negócios são um bom serviço a Deus, e a riqueza não é mais que um fruto de uma vida dedicada ao trabalho desde uma perspectiva ética que analisarei com Weber mais tarde, mas que confere ao trabalho a particularidade de ser um caminho para o sucesso. Esse puritanismo impulsionou sobremaneira a versão do “homo economicus” que mais tarde, em pleno auge do capitalismo pós-industrial, ao qual, segundo Daniel Bell (1919-2011), fora substituído pelos valores hedonistas. -/- REFERENCIAL TEÓRICO AGOSTINHO. Cidade de Deus: contra os pagãos. Trad. O. P. Leme. 2ª ed. Bragança Paulista: Editora Universitária, 2008. (Col. Pensamento humano). _____________. O livre-arbítrio. Trad. N. A. Oliveira. 1ª ed. São Paulo: Paulus, 1995. AQUINO, T. de. Suma Teológica. 2ª ed. 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Petrópolis: Vozes, 2019. FRIEDMANN, G.; NAVILLE, P. Tratado de Sociologia do Trabalho. 1ª ed. São Paulo: Cultrix, 1973. HERZOG, J. S. Historia del pensamiento económico-social: de la antigüedad al siglo XVI. 4ª ed. México: FCE, 1939. HOPENHAYN, M. El Trabajo, itinerario de um concepto. 1ª ed. Santiago: PET, 1988. _________________. Repensar el trabajo – Historia, profusión y perspectivas de un concepto. 1ª ed. Buenos Aires: Norma, 2001. LUDWIG, E. Stalin. 1ª ed. Rio de Janeiro: Calvino, 1943. MACHADO, I. J. de R.; AMORIM, H. J. D.; BARROS, C. R. de. Sociologia hoje. 1ª ed. São Paulo: Ática, 2013. MERCURE, D.; SPURK, J. (Orgs.). O Trabalho na história do pensamento Ocidental. Petrópolis: Vozes, 2005. NOGUERA, J. A. El concepto de trabajo y la teoría social crítica. Barcelona: Papers, 2002. O'CONNOR, D. J. Historia crítica de la filosofía occidental. Tomo I – La filosofía en la antigüidad. 1ª ed. Buenos Aires: Paidós, 1967. OLIVEIRA, P. S. de. Introdução a sociologia. 24ª ed. 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La Red de Antropología de y desde los Cuerpos, La Red Colombiana de Investigadores Sobre “El Cuerpo” y las siguientes Universidades sede: Universidad Distrital Francisco José de Caldas, Corporación Universitaria Minuto de Dios Uniminuto, Pontifica Universidad Javeriana, Universidad Jorge Tadeo Lozano, Universidad Pedagógica Nacional, fueron las anfitrionas del II Encuentro Latinoamericano de Investigadores/as sobre Cuerpos y Corporalidades en las Culturas realizado del 3 al 7 de octubre de 2015 en Bogotá, Colombia, el cual se propuso dar a conocer y discutir (...) los resultados de las investigaciones sobre el cuerpo, las corporeidades, las corporalidades y/o las corpo-oralidades, provenientes de las ciencias, las artes y las culturas, atendiendo a que esta diversidad de nombres del cuerpo, da cuenta de pluralidad de dinámicas para concebir, vivenciar y representar la condición corporal de la existencia subjetiva, colectiva o social. En la búsqueda de comprensiones más equilibradas sobre lo que implica vivir la vida y compartir el mundo de la vida en la complejidad de las actuales circunstancias históricas, políticas y ambientales, la condición corporal de la existencia constituye hoy por hoy uno de los temas obligados y más indagados tanto en los ámbitos investigativos de las ciencias, las artes y las culturas, como en los agenciamientos cotidianos que llevan a cabo las gentes a través de las dinámicas locales, colectivas y periféricas de producción de conocimientos otros. (shrink)
Nosso intuito, nesse trabalho, é compreender a maneira como as produções textuais próprias da internet colocam em jogo noções como as de autoria, legitimidade, circulação, formulação e arquivo. No procedimento de (des)montagem do corpus, recorremos aos trabalhos da Análise de Discurso Materialista, principalmente relacionados ao Discurso da Escritoralidade (GALLO,2011),ao efeito-rumor (SILVEIRA, 2015) e aos processos de legitimação no digital(ADORNOde OLIVEIRA, 2015). Assim,a descrição do conjunto heterogêneo do arquivo de referência para análise, assim como as primeiras entradas analíticas do vídeo (...) “A desinformação do whatsapp e facebook“, de Felipe Castanhari,começa a apontar para uma tomada de posição que se sustenta, contraditoriamente, pela recusa dos saberes legitimados advindos das instâncias midiáticas tradicionais, ao mesmo tempo em que parece se sustentar em um senso comum que permite retomar um discurso advindo dessas mesmas mídias, reforçando, desse modo, a noção de legitimidade como evidente de um campo institucional. Equívocos do político imbricados no funcionamento dissimétrico da memória discursiva. (shrink)
Counselling y cuidados paliativos es el título del libro escrito por la doctora Esperanza Santos y el profesor José Carlos Bermejo. En esta obra, de fácil lectura y con consejos muy prácticos y útiles, se presentan elementos fundamentales para brindar un acompañamiento de óptima calidad en el cuidado paliativo, así como la posibilidad de hacer un autoexamen de cómo los cuidadores de los pacientes prestan sus servicios e incluso para no caer en burnout. Este libro es de gran utilidad, (...) tanto para los profesionales de la salud que trabajan en las unidades de cuidados paliativos, como para personas que dedican gran parte de su tiempo al cuidado de familiares con enfermedades terminales, o que pasan por procesos prolongados de enfermedad. Con ejemplos de conversaciones de la vida real entre cuidadores y pacientes, la lectura del libro se hace, a la vez, agradable, divertida y profundamente reflexiva. (shrink)
Esta coletânea reúne, organizados na forma de capítulos, sete artigos que exploraram uma ideia central: a de que, subjacente à Lógica de Hegel, há uma mathesis, isto é, uma estruturação matemática que organiza as ideias dessa Lógica, mathesis de que Hegel faz uso, de modo implícito, ao longo do texto da "Ciência da Lógica".
O artigo parte da enunciação da tese de que ao desejo desmesurado dos grandes pela apropriação/dominação absoluta opõe-se um desejo não menos desmesurado e absoluto do povo de não sê-lo: dois desejos de natureza diferente que não são nem o desejo das mesmas coisas nem desejo de coisas diferentes, mas desejos cujo ato de desejar é diferente. Considerando que cada desejo visa sua efetividade absoluta, cada um tenta impor-se universalmente tornando-se duplamente absoluto: por um lado tende à dominação total (os (...) grandes) ou à liberdade plena (o povo); por outro, tenta se impor ao conjunto do corpo político. Cada desejo somente se sustenta do desejo que lhe é heterogêneo. Cada um persegue uma finalidade própria cuja realização plena será a ruína de toda vida coletiva. Boas instituições e boas leis asseguram a liberdade na medida em que forem capazes de impedir que grandes ou povo consumam seu desejo ou que abandonem seu desejo próprio para assumir o do outro. Contudo, ao inscrever a ordem da lei na desordem dos dissensos, Maquiavel descartou a idéia de uma ordem institucional como solução definitiva da desordem dos dissensos. Conseqüentemente, nenhuma lei ou instituição é capaz de resistir definitivamente ao risco da corrupção. Isso obriga ao retorno periódico às origens: a experiência do momento constitutivo da violência originária que, expondo os homens ao risco, restaura o prestígio e vigor iniciais de Estados e instituições. (shrink)
Nossa meta é caracterizar alguns aspectos da metodologia científica utilizada por Aristóteles em algumas passagens dos dois primeiros livros do Sobre o Céu e averiguar quais são os principais recursos a que Aristóteles recorre para descobrir os princípios de sua astronomia e para coletar os dados iniciais astronômicos relevantes. Procuraremos mostrar que, para Aristóteles, embora escassos e imprecisos, os dados observacionais ainda têm preferência em relação aos endoxa astronômicos, o que não impede, porém, o emprego de alguns testes dialéticos para (...) o estabelecimento do conhecimento preliminar relevante para a astronomia. (shrink)
Our purpose is to study Aristotle?s solution, in the second book of the Posterior Analytics, for the problem of the apprehension of the principles of science. We attend to the relations between the concepts of induction (epagoge) and intelligence (nous) found in the chapter 19, which seems to confirm that the acquisition of the principles is reached by a process of empirical observation. We examine the method, proposed in chapters 13 to 17, for the right formulation of definitions, which seems (...) to attribute to dialectics the task of finding the principles. Aristotle seems to indicate two different methods ? on one hand, the empirical observation followed by intelligence, on other, the dialectics ? for the apprehension of the principles. Our purpose is to study possible solutions for the problem of the concurrence between these two methods in order to refute as much a strictly empiricist interpretation as a strictly dialectical one. (shrink)
Niccolõ Machiavelli é universalmente conhecido por sua obra política. Opresente artigo serve-se de uma obra literária, mais precisamente da peça teatral La Mandragola, para desvelar o mundo ético-político do autor. Através da análise deste trabalho, procuramos mostrar que, de certo modo, o universo valorativo da obra de Machiavelli é captado de modo mais preciso na expressão cômico-satírica do que na sua reflexão política propriamente dita, pois enquanto nesta última a visão dos homens permanece como um dado de fundo, na comédia (...) ela é matéria de representação direta. (shrink)
Resumo: Este artigo visa explorar a questão da educação em Platão a partir da contextualização histórica, pensando o modelo de Atenas, Lesbos e Esparta, e da perspectiva por onde uma má paideía, a baixa qualidade na formação de cidadãos, se torna a principal causa geradora da ruptura social. Foi feita, então, uma reflexão sobre as possibilidades de educação que atenienses de classes sociais distintas teriam e sobre a proposta platônica fundamentada na combinação entre a ginástica e a música, para que (...) se desenvolvesse um perfil de cidadão com ideais coletivos sólidos a ponto de se evitar a stásis. Palavras-chave: Platão, educação, dissensão, stásis, paideía. Abstract:This article aims to explore the question of education in Plato from the historical context, thinking the model of Athens, Lesbos and Sparta, and from the perspective where a bad paideía, the low quality in the formation of citizens, becomes the main generating cause of social disruption. Then, a reflection was made on the educational possibilities that Athenians from different social classes would have and on the Platonic proposal based on the combination of gymnastics and music, so that a citizen profile with solid collective ideals would be developed to the point of avoiding stásis. Keywords: Plato, education, dissension, stásis, paideía. (shrink)
This is a study of sophía from the passage 20d-21a in Plato’s Apology. There, Socrates tries to understand what kind of wisdom he would have, since the Oracle of Delphi stated that no one would be wiser than him. An investigation of historical aspects was made to understand the trial of Socrates and conviction, also a mapping of sophía’s main uses through the corpus platonicum was built, as well an overview of the usage of this concept by others greek authors. (...) In addition, a side of the figure of Socrates that has been given little attention was perceived, becoming important to explain the influence of magical thinking on his philosophy and his relationship with shamanism. Este é um estudo sobre sophía que parte da passagem 20d-21a na Apologia de Platão. Ali, Sócrates tenta compreender que tipo de sabedoria ele teria, uma vez que o Oráculo de Delfos afirmou que ninguém seria mais sábio que ele. Para discutir isso, foi feito um estudo sobre os aspectos históricos que se relacionam com o julgamento e a condenação de Sócrates, um mapeamento dos principais usos de sophía por todo o corpus platonicum, bem como uma análise do panorama relacionado ao uso desse conceito por outros autores do mundo grego. Além disso, foi percebido um lado pouco comentado da figura de Sócrates, tornando-se importante explanar sobre a influência do pensamento mágico em sua filosofia e a7 relação dele com o xamanismo. (shrink)
The present paper tries to answer the question Is religious education compatible with the purposes of liberal education? This work argues that it is possible, and desirable, that democratic states built on liberal ideals include religious education in all schools since increasing the number of options among which the future citizen may choose the conception of the good with which he or she wishes to live is a condition for autonomy as one of its educational purposes. However, the proposal is (...) not based on religious confessional education, which by itself does not satisfy the liberal educational goals, but is redefined from the common principles compatible both religious confessions and non-religious views of morality and citizenship. (shrink)
We are presently confronted with an impressive growth of the religious phenomenon. This can be observed not only related to both the outbreak of new religions and the increasing attendance to worship services, but also for the presence of the religious language in the political discourse. We can see nowadays a political use of religion and a religious use of politics. When we approach the religions in a large scale perspective is possible to verify that in all of them both (...) aspects live together, and they are contradictory and excludent only in appearance. This evidence brings some particular questions: there would be more political and bellicose religions than others? Or maybe the contentious nature of religions rises when they become ideologies, in the same way ideologies impose themselves politically when they act like religion? We will let ourselves be guided by this hypothesis in order to explore the ambiguous relation between politics and religion. It was precisely after the death of the ideologies that religions of any creed reappeared strongly in the scenario. We will take as references to this theoretical task two thinkers in particular: Marsilius of Padua and Machiavelli. They both will guide us to think respectively the religious use of politics and the political use of religion. -/- Estamos confrontados na atualidade com um vertiginoso crescimento do fenômeno religioso. Isso pode ser observado não apenas pelo surgimento de novas religiões e o aumento da frequência aos cultos, mas também pela presença da linguagem religiosa no discurso político de tal modo que podemos falar num uso político da religião e um uso religioso da política. Quando abordamos as religiões na longa duração, percebemos que em todas elas coabitam estes dois aspectos, contraditórios e excludentes apenas na aparência. Esta constatação leva ao questionamento: existiriam religiões mais políticas, ou mais conquistadoras, do que outras? Ou então, talvez, a natureza belicosa das religiões emergiria a partir do momento em que elas se erigem em ideologias, da mesma forma como as ideologias se impõem politicamente quando agem à maneira de religiões? Neste trabalho nos orientaremos por esta hipótese para explorar a relação ambígua entre política e religião, pois foi precisamente após a morte das ideologias que as religiões, independente do credo, retornaram com toda a força. Para tanto, tomaremos como referência teórica dois pensadores, Marsílio de Pádua e Nicolau Maquiavel, para pensar, respectivamente, o uso religioso da política e o uso político da religião. (shrink)
Examino a controvérsia sobre como melhor definir o delírio—um sintoma central de patologias como a esquizofrenia e a demência—e apresentarei algumas das principais dificuldades envolvidas em sua caracterização como crenças. A partir disso, tiro conclusões sobre os limites do vocabulário mentalista da dita psicologia do senso comum e sobre a forma como delírios e outros fenômenos elusivos devem ser propriamente caracterizados pela psiquiatria para que uma explicação integrativa destes seja alcançada.
Pretendemos averiguar como Aristóteles concebe a passagem do nosso conhecimento prévio do mundo ao conhecimento científico, avaliando os pressupostos e consequências de sua resposta ao paradoxo de Mênon e atentando para a metodologia científica defendida nos Segundos Analíticos. Quanto ao conhecimento preliminar necessário à edificação da ciência, procuraremos caracterizar seus tipos e também os meios pelos quais ele pode vir a ser adquirido por nós. Buscaremos estabelecer também as propriedades que o conhecimento científico deve possuir em relação à sua necessidade, (...) universalidade e caráter explanatório. Buscaremos marcar, com precisão, a natureza da conclusão científica segundo a teoria científica aristotélica, argumentando que, nas conclusões, o atributo demonstrado, em relação com seu substrato, representa uma propriedade por si concomitante. Pretendemos averiguar como os diferentes tipos de demonstração e definição respondem a diferentes estágios de organização do saber prévio e a diferentes estágios na estruturação das demonstrações propriamente científicas, e, por conseguinte, como esses se organizam de modo a responder as quatro perguntas que toda investigação científica deve abarcar em seus dois estágios. (shrink)
[EN] In this article the question of cultural diversity as it appears in the perspective of a republican conception of citizenship is discussed within three steps: in a first step, the ambiguous sense of the notion «citizenship» and its recently accelerated evolution will be presented; in a second step, the general features of the neo-republican approach will be outlined; and finally, the chances offered by a relecture of the republican topics with regard to an integration of the plurality of cultures (...) and ways of life, which coexist within the complex contemporary societies and which base on migration processes, will be brought to mind. [ES] En este artículo se aborda la cuestión de la diversidad cultural contemplada desde la concepción republicana de la ciudadanía en tres pasos: en el primero, se presenta el sentido polisémico de la noción de ciudadanía y la acelerada evolución que ha experimentado en los últimos tiempos; en un segundo paso, se ofrecen los rasgos generales que caracterizan el enfoque neorrepublicano; y, finalmente, se da cuenta de las virtualidades que ofrece una relectura de los tópicos republicanos para integrar la pluralidad de culturas y formas de vida que conviven en las complejas sociedades contemporáneas a raíz de los procesos migratorios. (shrink)
This article intends to establish a contact between two proscribed thinkers: Machiavelli and Marx. Although apart in time and in political vision, they offer the possibility of a reflection which is able to provide mutual fecundation. We want to show that Machiavelli’s pessimism and Marx’s optimism both derive from the diverse understanding of what provokes the fundamental division of society into two fundamental antagonistic groups. Whereas one treats it as a division of opposite desires, to the other it is determined (...) by the way in which the individuals define themselves as to the ownership of the means of production. Is it necessary to choice on of them, or is it possible to conceive a synthesis? -/- O artigo pretende estabelecer um contato entre dois pensadores malditos: Maquiavel e Marx. Embora distantes no tempo e na visão política, oferecem a possibilidade de uma reflexão capaz de fecundar-se mutuamente. Queremos mostrar que o pessimismo de Maquiavel e o otimismo de Marx derivam da diversa compreensão daquilo que provoca a divisão fundamental da sociedade em dois grupos antagônicos fundamentais. Enquanto para um se trata de uma divisão de desejos opostos, para outro é determinada pelo modo como os indivíduos se definem em relação à posse dos meios de produção. É preciso fazer uma escolha entre ambos, ou é possível pensar numa síntese? (shrink)
[EN] In this article the question of cultural diversity as it appears in the perspective of a republican conception of citizenship is discussed within three steps: in a first step, the ambiguous sense of the notion «citizenship» and its recently accelerated evolution will be presented; in a second step, the general features of the neo-republican approach will be outlined; and finally, the chances offered by a relecture of the republican topics with regard to an integration of the plurality of cultures (...) and ways of life, which coexist within the complex contemporary societies and which base on migration processes, will be brought to mind. [ES] En este artículo se aborda la cuestión de la diversidad cultural contemplada desde la concepción republicana de la ciudadanía en tres pasos: en el primero, se presenta el sentido polisémico de la noción de ciudadanía y la acelerada evolución que ha experimentado en los últimos tiempos; en un segundo paso, se ofrecen los rasgos generales que caracterizan el enfoque neorrepublicano; y, finalmente, se da cuenta de las virtualidades que ofrece una relectura de los tópicos republicanos para integrar la pluralidad de culturas y formas de vida que conviven en las complejas sociedades contemporáneas a raíz de los procesos migratorios. (shrink)
Este artículo recoge las críticas que se han hecho a la metafísica y a la teología respecto al concepto de Dios. Indica algunos filósofos que han aceptado acríticamente dichos ataques a la ontoteología o concepción de Dios, y señala otros (Lévinas, Marion) que buscan vías de salida. Estas vías de salida son la fenomenología de la donación, entendiendo a Dios como fenómeno saturado que se da a un yo pasivo (no al yo constituyente moderno), donación que supera la visión representacional (...) de Dios y abre el camino a una hermenéutica de la donación. (shrink)
Tradução para o português do livro "Ensaios sobre Strawson", de Carlos Caorsi. Editora da unijuí, 2014. Sumário: Apresentação; A teoria da verdade em Strawson, Mauricio Beuchot; Réplica a Mauricio Beuchot, Peter F. Strawson; Strawson: entre a lógica tradicional e a lógica clássica, Robert Calabria; Réplica a Robert Clabria, Peter F. Strawson; Referência e termos singulares, Carlos E. Caorsi; Réplica a Carlos E. Caorsi, Peter F. Strawson; Strawson e a metafísica, Juan C. D’Alessio; Réplica a Juan C. D’Alessio, (...) Peter F. Strawson; A meta-metafísica de Strawson: identificação versus individuação, Jorge J. E. Gracia; Réplica a Jorge J. E. Gracia, Peter F. Strawson; Algumas distinções sobre a noção de indivíduo, Jesús Mosterín; Réplica a Jesús Mosterín, Peter F. Strawson; Sobre a percepção e seus objetos em Strawson, Ernest Sosa; Réplica a Ernest Sosa, Peter F. Strawson; Limitações ao exercício da perplexidade, Teresa de Jesús Zavalía; Réplica a Tereza de Jesús Zavalía, Peter F. Strawson; Publicações de P. F. Strawson . (shrink)
This article aims to explore the question of education in Plato from the historical context, thinking the model of Athens, Lesbos and Sparta, and from the perspective where a bad paideía, the low quality in the formation of citizens, becomes the main cause generating social disruption. Then, a reflection was made on the educational possibilities that Athenians from different social classes would have and on the Platonic proposal based on the combination of gymnastics and music, so that a citizen profile (...) with solid collective ideals would be developed to the point of avoiding stásis. DRAFT TRANSLATION!!! Original pagination will be indicated in brackets, e.g. [p. 104]. Portuguese published version: Carvalhar, C. (2020). A má educação como a principal causa da ruptura social. Revista Enunciação, 5(1), p. 102-117. (shrink)
Entre el arte y la literatura se han generado múltiples reflexiones que han sido estudiadas por la historia del arte, la teoría literaria y la estética, entre otros. Igualmente, podemos considerar una larga tradición de artistas y escritores que se han empeñado, por medio de ensayos, críticas y manifiestos, en considerar los ámbitos y lugares de competencia de cada forma artística, así como sus lugares de similitud y diferencia en una larga tradición de préstamos interartísticos entre la palabra y la (...) imagen. En el seno de esta discusión, se quiere analizar el diálogo disciplinar entre la literatura y el arte que se da en torno a la figura del pintor post impresionista Paul Gauguin y el escritor Mario Vargas Llosa. Para ello, reflexionamos a partir de una de las obras fundamentales del pintor francés, que tiene su correspondencia y complementariedad en la obra literaria del escritor peruano. De esta manera, se presenta una revisión de una fuente literaria que propone no solo una alusión temática a la obra del pintor, sino que se enmarca bajo coordenadas estéticas, que superan los armazones de las teorías o historias meramente literarias. (shrink)
Apresentaremos neste texto a tese de David Hume sobre a identidade pessoal tal como é apresentada no Tratado da natureza humana, de sua autoria. No apêndice da obra, Hume apresenta dúvidas sobre a tese que defendeu, apontando uma série de problemas que não se resolvem em sua teoria. Mas o tratamento desses problemas e uma possível resposta a Hume podem ser encontrados em D. W. Winnicott.
The accelerated development of science and technology, along with the economical growth of countries and the rise of the phenomenon of globalization have had consequences in different aspects of human life. Social injustice, inequality, violence, fighting within and between countries, along with ecological misfortunes calls out for an ethical system that regulates and brings new light to human behaviour in this globalized world. The globalization dynamic of the techno-scientific, world market economic culture suggests the need of an urgent formation of (...) conscience of a global ethics. Having in mind this world panorama, in this process of ethical development we must analyze how bioethics can respond to the great challenge that this globalization plants. We propose that the key to the answer lies within the proposal developed by the personalistic current, which looks to solve real moral problems of concrete human persons, without leaving out anyone and looking to respond to all the dimentions of the human person. -/- El acelerado desarrollo de la ciencia y la tecnología, junto con el crecimiento económico de los países y la consolidación del fenómeno de la globalización ha tenido consecuencias en los diferentes ámbitos de la vida del ser humano. La injusticia social, la desigualdad, la violencia, las luchas dentro de los países y entre los países, así como el descalabro ecológico reclaman un sistema ético que regule y dé nuevas luces al comportamiento humano en este mundo globalizado. La dinámica de globalización de la cultura tecnocientífica y económica de mercado mundial, sugiere la necesidad de una urgente toma de conciencia de una ética global. Teniendo en cuenta este panorama mundial, en este trabajo analizamos cómo la bioética puede responder a este gran desafío que plantea la globalización. Proponemos que la clave fundamental de la respuesta está en la propuesta que ha sido desarrollada por la corriente personalista, la cual plantea y da solución a los problemas morales reales de rostros humanos concretos, sin dejar fuera a nadie y sin dejar fuera ninguna de las dimensiones del hombre. (shrink)
"God wants to marry us" (p. 14, 97, 122), es decir, Dios quiere casarse con nosotros, es el tema central del presente libro, y según otros autores, es también el sentido real de la Biblia. La Biblia no es un libro que nos enseña cómo encontrar a Dios, sino el libro que nos revela cómo Dios nos busca incansablemente y nos relata las innumerables veces y maneras en las que Dios trata de hacerse el encontradizo para que el ser humano (...) lo acoja en su corazón. Pues bien, este es el principal argumento del autor de este libro. La obra de Christopher West es a todas luces teológica, y nos deja ver, con sencillas palabras, la profundidad de la teología del cuerpo propuesta por el Papa Juan Pablo II. Aquí encontraremos que el significado de la vida del ser humano está impreso en su propio cuerpo, en su sexualidad. Cabe anotar que se requiere algún mínimo de conocimiento teológico para leer este libro con facilidad, y da por sentado un cierto conocimiento de la Sagrada Escritura, la cual es citada 213 veces, además de las veces que hace referencia al capítulo quinto de la carta de San Pablo a los Efesios. De todas maneras, el estilo fluido y cercano del autor, así como la mención a algunos ejemplos de la vida cotidiana, permite que el contenido del libro se vaya asimilando poco a poco. (shrink)
Neste texto trato da possibilidade de defender uma “ontolo- gia da singularidade” e seus reflexos no problema do conhecimento, bem como de oferecer uma introdução à questão da linguagem, todos estes problemas compreendidos como elementos de interesse no pensamento de Ludwig Feuerbach (1804-1872), restringindo-me a uma investigação situada nos limites de Zur Kritik der Hegelschen Philosophie (1839). Em primeiro lugar procuro desenvolver a demarcação con- ceitual do que chamo de “ontologia da singularidade”, pressuposto a partir do qual coube a Feuerbach (...) empreender uma rearticulação da filosofia com a realidade material concreta, e as implicações desta questão para o tema do conhecimento. Em segundo, proponho que estes problemas parecem vir de algum modo relacionados a uma discussão sobre a linguagem, concebida como meio de expressão do pensamento. -/- This text deals with the possibility of defending “ontology of singularity” and its reflexes on the problem of knowl- edge, as well as offering an introduction to the question of language, all these problems understood as elements of interest in Ludwig Feuerbach’s thought (1804-1872), what bounds the investigation to the limits of Zur Kritir der Hegelschen Philosophie (1839). It seeks, firstly, to develop the conceptual demarcation of what is called here in this work “ontology of singularity”, on the basis of which it was up to Feuerbach to come up with the reartic- ulating of philosophy with concrete material reality, including the implications of this question for the theme of knowledge. On a second hand, it is proposed that these problems seem to come in some way from a discussion of language conceived as a means of expressing thought. (shrink)
The article works out the thesis that to the excessive desire of the powerful for the absolute appropriation/domination it is opposed a not less excessive and absolute desire from people in order not to be appropriated/dominated: two desires of a distinct nature which are neither the desire for the same things nor the desire for different things, but desires in which the act of desiring is different. Taking into account that each desire aims at its absolute effectiveness, each one of (...) them tries to impose itself universally becoming doubly absolute: for one side it is inclined to the absolute domination (the powerful) or to the plain liberty (the people); for the other side, tries to impose itself to the whole political body. Each desire is only sustained by its heterogeneous desire. Each one pursues its own purposes whose realization will be the ruin of all collective life. Good institutions and good laws ensure liberty as long as they are capable to prevent the powerful or the people to consummate its desire or abandon its own desire to assume the other’s. However, having inscribed the order of law in the disorder of dissent, Machiavelli discarded the idea of an institutional order as a defi nitive solution to the disorder of dissent. Consequently, no law or institution is able to defi nitively resist the risk of corruption. This requires a periodic return to the origins: the experience of the constitutive moment of the original violence which, exposing men to risks, restores the initial reputation and strength of States and institutions. -/- O artigo parte da enunciação da tese de que ao desejo desmesurado dos grandes pela apropriação/dominação absoluta opõe-se um desejo não menos desmesurado e absoluto do povo de não sê-lo: dois desejos de natureza diferente que não são nem o desejo das mesmas coisas nem desejo de coisas diferentes, mas desejos cujo ato de desejar é diferente. Considerando que cada desejo visa sua efetividade absoluta, cada um tenta se impor universalmente tornando-se duplamente absoluto: por um lado, tende à dominação total (os grandes) ou à liberdade plena (o povo); por outro, tenta se impor ao conjunto do corpo político. Cada desejo somente se sustenta do desejo que lhe é heterogêneo. Cada um persegue uma fi nalidade própria cuja realização plena será a ruína de toda vida coletiva. Boas instituições e boas leis asseguram a liberdade na medida em que forem capazes de impedir que grandes ou povo consumam seu desejo ou que abandonem seu desejo próprio para assumir o do outro. Contudo, ao inscrever a ordem da lei na desordem dos dissensos, Maquiavel descartou a ideia de uma ordem institucional como solução defi nitiva da desordem dos dissensos. Consequentemente, nenhuma lei ou instituição é capaz de resistir defi nitivamente ao risco da corrupção. Isso obriga ao retorno periódico às origens: a experiência do momento constitutivo da violência originária que, expondo os homens ao risco, restaura o prestígio e vigor iniciais de Estados e instituições. (shrink)
The fully understanding of the Machiavellian concept of the State depends on the determination of the idea of political equality. Political equality must be conceived, in its turn, as domination equality and absence of privilege/precedence; in other words, absence of subordination. Taking into account a definition such as that, the Machiavellian model of the State could only be the Republic. So, this paper argues G. Pancera`s view, proposed in his book “Maquiavel entre Repúblicas”, that such model of the State was (...) more explicitly formulated in Machiavelli`s Discursus. This interpretation will be questioned, pointing out the existence of textual elements in the Discursus which allow us to think that a Principate or a Monarchy could also be among Machiavelli’s purpose to the reform of the Florence State examined in the Discursus. -/- Para captar a concepção maquiaveliana de Estado é necessário determinar a ideia de igualdade política. Esta deve ser entendida como igualdade de comando e ausência de privilégio/precedência, ou seja, ausência de subordinação. Considerando esta definição, o modelo de Estado maquiaveliano só pode ser a república. O artigo discute a partir da obra de G. Pancera “Maquiavel entre repúblicas” a questão, levantada por Pancera, de que seria no Discursus de Maquiavel que semelhante modelo de Estado estaria formulado de modo mais explícito. Problematizaremos esta interpretação apontando para a existência de elementos textuais da obra citada que autorizam pensar que igualmente um principado ou monarquia poderiam estar na intenção de Maquiavel na reforma do Estado de Florença examinada no Discursus. (shrink)
Machiavelli is commonly known by a political theory associated to his name: "machiavellism". The initial effort of the article is to take apart Machiavellian thought from such a conception. After this it tries a detailed analysis of all occurrences of the term "education", which amounts to eleven times in his work. The hypothesis by which our reflexion is guided is that education is conceived by Machiavelli as a force addressed to control the desire's as well as the nature's inherent movement (...) disorder, preventing the deleterious effects of the first on the political life. Due to education the human being is able to know the "nature of things", i.e., to know what things "always were", and, through such knowledge, to anticipate to the "course of the things ordered by the heaven". Finally, we will try to demonstrate that for Machiavelli education provides the adaptation of the individuals behaviour in such a way that it is possible to redirect the course of things for a coherent order in regard to the collective good.Maquiavel é popularmente conhecido por uma teoria política associada ao seu nome: "maquiavelismo". O artigo realiza um esforço inicial para afastar o pensamento maquiaveliano de semelhante concepção. Em seguida, faz uma análise detalhada de todas as ocorrências do termo "educação", num total de onze, na sua obra. A hipótese que orienta nossa reflexão é de que a educação é pensada por Maquiavel como uma força destinada a controlar a desordem inerente ao movimento tanto do desejo quanto da natureza impedindo os efeitos deletérios daquele sobre a vida política. Graças à educação, o homem é capaz de conhecer a "natureza das coisas", isto é, saber o que as coisas são "desde sempre" e, desta maneira, antecipar-se ao "curso das coisas ordenado pelos céus". Por fim, procuramos mostrar que, para Maquiavel, a educação possibilita moldar o comportamento dos indivíduos de tal modo que é possível redirecionar o curso das coisas para uma ordem coerente com o bem coletivo. (shrink)
Partimos do estudo na noção de homem presente no pensamento de Maquiavel para estabelecer a idéia de Estado e sua relação com a ética. Existe, quanto a esta questão, uma vasta polêmica na tradição interpretativa e que podemos reduzir a duas perspectivas fundamentais. Primeira: Maquiavel compreende a natureza humana como corrompida de forma definitiva, o que transforma o Estado em instrumento puramente coator da malevolência humana. Nesta ótica, não há espaço para pensar em finalidades éticas do Estado. Segunda: mesmo partindo (...) da idéia de que há no homem uma inclinação à maldade, não considera isso algo irreversível. Destaca a importância da educação como instrumento de formação humana e de cultivo de valores morais. O trabalho mostra que o Estado maquiaveliano se fundamenta na natureza humana e tem por objetivo possibilitar o agir ético do homem. (shrink)
This paper aims to point out that Machiavelli’s contribution can go beyond from merely an articulation between individual freedom and civic participation, as viewed by Skinner. It can be showed that Machiavelli’s most fruitful contribution is in his conception of conflict as a ineradicable dimension of politics, which is an aspect neglected by Skinner when he reduced it to a form among others of cultivation of civic virtue. Drawing upon reflections developed in the last decades by Chantal Mouffe, this paper (...) analyzes some unfoldings of that Machiavelli’s original intuition. Machiavelli’s works can be thought through the analytical categories elaborated by Chantal and thus contribute to a new modern politic conception of democracy. -/- O objetivo deste artigo é apontar que a contribuição de Maquiavel pode ir além daquela já entrevista por Skinner, de uma articulação entre liberdade individual e participação cívica. Nosso propósito é mostrar que a contribuição mais fecunda de Maquiavel está na sua concepção do conflito como uma dimensão inerradicável, aspecto negligenciado por Skinner ao reduzi-lo a uma forma entre outras de cultivo da virtude cívica. Vamos analisar alguns desdobramentos desta intuição original valendo-nos das reflexões desenvolvidas nas últimas décadas por Chantal Mouffe. Procuraremos mostrar como a obra de Maquiavel poderia ser pensada a partir das categorias analíticas elaboradas por Chantal e contribuir para uma nova concepção política de democracia na contemporaneidade. (shrink)
exam of the issue of conflict since the “History of Florence” provides us with elements capable to show the Machiavellian reflection does not evolve according to such a simple and linear way as it is shown in the “Discourses”. In fact, investigation will reveal that the opposition between the two types of conflict – positive conflict and negative conflict –, described in the “Discourses”, is progressively defined, from the analysis of Florentian history, as being just one type – the tragic (...) and violent type –, based on contrapositions that cannot be solved in terms of a classical virtú, characteristic of the first period of Roman history. Such transformations arise a set of questions to which, in some way, the present paper intends to offer some answers: Would Machiavelli have renounced to the idea of conflict as foundation of republican liberty and surrended himself to the utopia of a homogeneous and stable order? Which element should be to blame due to the fact that disagreements did not produce, in Florence, the same effects which were seen in Rome? Would all disagreements be natural and, for that reason, inevitable, or could there be “artificial” divisions and, by that reason,avoidable ones? -/- O estudo da questão do conflito a partir da “História de Florença” nos fornece elementos capazes de mostrar que a reflexão maquiaveliana não se desenvolve de modo tão simples e linear quanto parece nos “Discursos”. Com efeito, revelará que a oposição entre dois tipos de conflito – positivo e negativo – descrita nos “Discursos” se define progressivamente, a partir da análise da história florentina, como de um só tipo – trágico e violento – baseado sobre contraposições que não são possíveis de serem resolvidas em termos de uma virtù clássica, característica do primeiro período da história de Roma. Esta transformação levanta um conjunto de interrogações para as quais, de algum modo, o presente estudo pretende oferecer respostas: teria Maquiavel renunciado à ideia de conflito como fundamento da liberdade republicana e se entregado à utopia de uma ordem homogênea e estável? A que se deve atribuir o fato de as discórdias não haverem produzido em Florença os mesmos efeitos que em Roma? Seriam todas as discórdias naturais e, portanto, inevitáveis, ou poderia haver divisões “artificiais” e, portanto, evitáveis? (shrink)
O sistema político brasileiro preenche, formalmente, os requisitos mínimos de uma poliarquia, ou seja, um sistema democrático em que o poder é atribuído com base em eleições livres e em que há ampla participação política e concorrência pelos cargos eletivos. Esse sistema implica disputa pelo poder, tolerância à diversidade de opiniões e oposição política. No entanto, o que se percebe na sociedade é que essa estrutura formal não garante a democratização dos recursos socialmente produzidos, como bens, direitos e serviços básicos (...) proporcionados pelo Estado. Assim, destaca-se que a questão democrática vai além do estabelecimento das regras formais que caracterizam esse tipo de regime. É necessário retomar o conteúdo social da democracia e ampliar os direitos de cidadania para reduzir a distância entre as esferas formal e real1 ; afinal, a cidadania plena é condição indispensável para a concretização dos direitos humanos. A estruturação dos direitos de cidadania no Brasil esteve constantemente vinculada aos interesses das elites socioeconômicas e políticas; poucas vezes foi resultado de um projeto com ampla participação política e voltada para a inclusão social. Com base nessa constatação, o historiador José Murilo de Carvalho 2 desenvolveu uma teoria de que vivemos em uma “estadania”, pois muitos de nossos direitos seriam resultantes de uma “concessão” relativa do Estado, feita de cima para baixo a uma população muitas vezes desinteressada da “coisa pública”. Dessa forma, os direitos costumam ser vistos como concessões ou benefícios oferecidos pelos grupos dominantes ao restante da população. Ainda de acordo com o autor, a construção da cidadania no Brasil inverteu a ordem cronológica apontada por T. H. Marshall, uma vez que primeiro foram estabelecidos os direitos sociais e ampliados os direitos políticos, durante o período ditatorial do Estado Novo, para depois serem implementados os direitos civis, o que gerou a formação de uma pirâmide invertida dos direitos. Já o cientista político carioca Wanderley Guilherme dos Santos utiliza o conceito de “cidadania regulada” para identificar a concessão dos direitos por parte do Estado como maneira de mediar possíveis conflitos entre classes. Nesse caso, o Estado controlaria os grupos sociais por meio de práticas regulatórias, que variam entre o aumento da participação (proporção de indivíduos que possuem acesso aos direitos) e a redução da liberalização (capacidade das instituições sociais de garantir a consolidação dos direitos). Aqui, o governo Vargas deve ser mencionado, uma vez que Santos cita, como políticas desse período, a criação das leis trabalhistas e o controle dos sindicatos. Como consequência, a classe trabalhadora conquistou direitos, mas perdeu poder de contestação. No entanto, identifica-se na história do Brasil alguns momentos em que as mobilizações políticas ganharam destaque, em geral tendo como referência a luta por direitos sociais e liberdade. Com base em um conjunto de práticas repressivas, a ditadura militar, iniciada em 1964, impôs um retrocesso à construção da democracia e dos direitos humanos no país. E foi então que movimentos populares e sindicais do campo e da cidade passaram a exigir distribuição justa dos bens produzidos pelo trabalho e maior participação social nas decisões sobre os rumos adotados pelo país. Além disso, foi pela resistência à ditadura e durante a redemocratização formal do Brasil que diversos grupos se fortaleceram para as lutas subsequentes em prol dos direitos humanos. Em meio ao processo de redemocratização, foi promulgada a Constituição Federal de 1988, que contou com destacada participação social em sua elaboração e incorporou diversas reivindicações populares, sobretudo no campo das liberdades civis e políticas. A constituição brasileira estabelece alguns mecanismos de participação política, como o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular (artigo 14), para garantir, ao menos no âmbito formal, a democracia participativa. Outro exemplo é o orçamento participativo, modelo em que os cidadãos, por meio de uma complexa ferramenta de gestão pública, participam da elaboração e da fiscalização do orçamento, principal instrumento de distribuição dos recursos públicos. Outro momento de mobilização política de nossa história recente foram as jornadas de junho, que aconteceram em 2013, nas quais parte da população saiu às ruas para lutar pela efetivação de alguns direitos, como transporte público de qualidade e gratuito, e para questionar o funcionamento da democracia. A socióloga fluminense Maria Victoria Benevides chama de democracia semidireta as formulações institucionais firmadas pela Constituição de 1988. O objetivo do modelo participativo de democracia proposto pela Constituição não é “substituir” o sistema representativo, mas possibilitar a conscientização social, essencial para a efetivação da cidadania, que só é possível com uma participação política permanente, plena e ativa de todos os cidadãos. Contudo, a Constituição ainda apresenta muitas limitações, em especial no que se refere às dimensões social e econômica. Nessas dimensões residem os principais obstáculos à construção e à concretização dos direitos humanos e da cidadania na vida social brasileira. Na verdade, há grande diferença entre a cidadania formal e a cidadania real no Brasil. A cidadania formal é a que está presente nas leis, imprescindível para a liberdade e para as garantias individuais; sem ela, estaríamos à mercê da vontade de qualquer grupo dominante. Ou seja, ela garante igualdade de todos perante a lei. Já a cidadania real, aquela do dia a dia, mostra justamente o contrário, isto é, que não existe igualdade entre os seres humanos e que prevalece a desigualdade em todas as dimensões da sociedade. Apesar da luta de diferentes setores da sociedade, principalmente aqueles ligados às minorias sociais, no dia a dia percebemos que a maioria da população tem seus direitos desrespeitados. Portanto, apesar de existirem formalmente, a democracia, a cidadania e os direitos ainda são bastante restritos. Podemos dizer que o Brasil é uma democracia em construção, em todos os sentidos. O rumo e o alcance que ela terá vão depender da participação da população brasileira, em especial da juventude, nas lutas pela implantação dos direitos humanos para todos os cidadãos. (shrink)
La época moderna como es sabido modificó el sentido de la autoridad, porque venía a impugnar la auctoritas y la potestas de la todopoderosa Iglesia de Roma y, con ello, se quería sustituir la autoridad del papa por la de la conciencia de cada uno, es decir, la razón individual o subjetiva se constituye en la nueva autoridad. Fue Hegel quien, en su filosofía política, da un lugar central a la noción de Estado, constituyendo la culminación del pensamiento moderno y (...) fuente de gran parte de la crítica de la modernidad y del pensamiento contemporáneo en general, en sus vertientes ideológicas de izquierda, centro y derecha. (shrink)
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