1. Hume e a Magna Carta: em torno do círculo da justiça, Maria Isabel Limongi; 2. Hume e o problema da justificação da resistência ao governo, Stephanie Hamdan Zahreddine; 3 O surgimento dos costumes da sociedade comercial e as paixões do trabalho, Pedro Vianna da Costa e Faria; 4. O sentido da crença: suas funções epistêmicas e implicações para a teoria política de Hume, Lilian Piraine Laranja; 5. O Status do Fideísmo na Crítica de Hume à Religião Natural, Marília Côrtes (...) de Ferraz; 6. Da imaterialidade da alma: a desconstrução mais incisiva de Hume de um pressuposto metafísico, Marcos César Seneda; 7. A “irresistibilidade” e a “inevitabilidade” das crenças naturais e o caráter normativo da epistemologia de Hume, Claudiney José de Sousa; 8. Filosofia e vida comum na epistemologia de Hume, Marcos Fonseca Ribeiro Balieiro; 9. Hume e o relativismo moral, Flávio Zimmermann; 10. Hume e a vivacidade das crenças morais, André Luiz Olivier da Silva; 11. Virtudes sociais e refinamento na filosofia moral de David Hume, Andreh Sabino Ribeiro; 12. O movimento razão-crença na interpretação da teoria da motivação de Hume, Franco Nero Antunes Soares; 13. Sentimentos e Normatividade em David Hume segundo Annette Baier, Giovani Lunardi; 14. Simpatia e aprovação moral da justiça na filosofia de David Hume, Denize Carolina da Cunha & Nivaldo Machado; 15. Do eu como feixe de percepções ao eu das paixões: Hume e a identidade pessoal no Tratado, Susie Kovalczyk dos Santos; 16. Imaginação em Hobbes e Hume: cadeias mentais reguladas e princípios de associação, Andrea Cachel; 17. Hume e o princípio fundamental da filosofia moderna, Rafael Bittencourt Santos; 18. A conexão necessária entre Hume e Malebranche, Bruna Frascolla; 19. Realismo ontológico e antirrealismo epistemológico na problemática sobre o mundo externo em Hume, Leandro Hollanda; 20. Uma possível inversão kantiana da tese humeana da inércia da razão, Carlos Eduardo Moreno Pires; Nota sobre João Paulo Monteiro, Rolf Nelson Kuntz. (shrink)
De acordo com Aristóteles, conhecemos algo cientificamente quando apreendemos a causa pela qual essa coisa é e apreendemos, também, certa relação necessária entre aquilo que pretendemos conhecer e o que descobrimos ser a causa adequada que explica por que tal fato é o caso. Além disso, o filósofo identifica o conhecimento científico com a posse de um silogismo científico ou demonstração. Neste trabalho, analisamos a relação entre a teoria demonstrativa que Aristóteles desenvolve, principalmente, no livro I dos Segundos Analíticos e (...) sua teoria silogística dos Primeiros Analíticos I e tentamos responder por que o conhecimento científico deve ser via silogismo. Também procuramos explicitar como as noções de causa e de necessidade, pelas quais Aristóteles define o conhecimento científico, são contempladas pela exigência de que as proposições de uma demonstração sejam per se. Finalmente, discutiremos como essas noções de per se, necessidade e causa se encaixam na estrutura silogística, uma vez que conhecer algo cientificamente é possuir um silogismo científico. (shrink)
A proposta é construir uma ponte de intersecção entre os pensamentos de Pareyson, Aristóteles e Platão, e, ancorando-a nos conceitos cunhados na Teoria da Formatividade, expor como o filósofo italiano relê as problemáticas colocadas pelos filósofos gregos antigos e de que maneira esta interseção de pensamentos e conceitos contribuem para a reflexão sobre Arte na atualidade e em particular para a análise da produção pictórica de Gerhard Richter.
The work of Richard H. Popkin both introduced the concept of skeptical fideism and served to impressively document its importance in the philosophies of a diverse range of thinkers, including Montaigne, Pascal, Huet, and Bayle. Popkin’s landmark History of Scepticism, however, begins its coverage with the Renaissance. In this paper I explore the roots of skeptical fideism in ancient Greek and Roman philosophy, with special attention to Cicero’s De Natura Deorum, the oldest surviving text to clearly develop a skeptical fideist (...) perspective. (shrink)
A tradição filosófica das abordagens da moral tem predominantemente como base conceitos e teorias metafísicas e teológicas. Entre os conceitos tradicionais de ética, o mais proeminente é a Teoria do Comando Divino (TCD). De acordo com a TCD, Deus dá fundamentos morais à humanidade desde sua criação e por meio de revelações. Assim, moralidade e divindade seriam inseparáveis desde a civilização mais remota. Esses conceitos submergem em uma estrutura teológica e são principalmente aceitos pela maioria dos seguidores das três (...) tradições Abraâmicas: judaísmo, cristianismo e islamismo, abrangendo a parte mais considerável da população humana. Mantendo a fé e a Revelação como seus fundamentos, as Teorias do Comando Divino não estão estritamente sujeitas a qualquer tipo de demonstração. Os oponentes da concepção moral do Comando Divino, fundamentados na impossibilidade de demonstrar suas suposições metafísicas e religiosas, tentam há muitos séculos (embora sem sucesso) desvalorizar sua importância. Eles sustentam o argumento de que a teoria não mostra evidências materiais e coerência lógica e, por esse motivo, não pode ser levada em consideração para fins científicos ou filosóficos. É apenas uma crença e, como tal, deve ser entendida. Além dessas oposições extremas, muitos outros conceitos atacam as teorias do Comando Divino, de uma ou de outra maneira, em parte ou na totalidade. Muitos filósofos e cientistas sociais, da clássica filosofia grega até a presente data, por exemplo, sustentam que a moralidade é apenas uma construção e, portanto, culturalmente relativa e culturalmente determinada. No entanto, isso traz muitas outras discussões e impõe o desafio de determinar qual é o significado da cultura, quais elementos da cultura são moralmente determinantes e, finalmente, quais são os limites dessa relatividade. Os deterministas morais, por sua vez, afirmam que tudo relacionado ao comportamento humano, incluindo a moralidade, é determinado em suas causas, uma vez que o livre-arbítrio não existe. Mais recentemente, os pensadores modernos argumentaram que existe uma rigorosa ciência da moralidade. No entanto, o método científico por si só, apesar de explicar vários fatos e evidências, não pode esclarecer todo o conteúdo e todo o significado da ética. A compreensão moral exige uma percepção mais ampla e um acordo entre os filósofos, que eles nunca alcançaram. Todas essas perguntas têm muitas configurações diferentes, dependendo de cada linha filosófica, e iniciam análises complexas e debates intermináveis, uma vez que muitas delas são reciprocamente conflitantes. O universo e a atmosfera envolvendo esta estudo são os domínios de todos esses conflitos conceptuais, observados de um ponto de vista objetivo e evolutivo. Independentemente dessa circunstância e de sua importância intrínseca, essas questões estão muito distantes da abordagem metodológica de uma discussão analítica sobre a moral objetiva, a qual é, de fato, o objetivo e o escopo deste trabalho. Devemos revisitar brevemente essas importantes teorias tradicionais, porque esta pesquisa abriga um estudo comparativo, e suas suposições pelo menos diferem profundamente de todas as teorias tradicionais. Portanto, torna-se necessário oferecer ao leitor, neste texto, elementos diretos e específicos de comparação para críticas válidas, dispensando pesquisas interruptivas. No entanto, mesmo revisitando as teorias tradicionais, para esse objetivo de exposição comparativa e crítica, elas serão mantidas ao lado de nossas principais preocupações, como " aliena materia ". Independentemente da validade de qualquer um ou de todos os elementos dessa discussão e de seu significado como universo filosófico deste trabalho, o objetivo do nosso estudo é demonstrar e justificar a existência e o significado de arquétipos morais pré-históricos surgidos diretamente dos princípios fundamentais, necessidades sociais e esforços para a sobrevivência. Esses arquétipos são a definição do fundamento essencial da ética, sua agregação ao inconsciente coletivo e organização lógica correspondente e transmissão aos estágios evolutivos do genoma humano e às diferentes relações espaço-tempo, independentemente de qualquer experiência contemporânea dos indivíduos. O sistema definido por esses arquétipos compõe um modelo social humano evolutivo. Esta é uma posição metaética? Sim, ela é. Além disso, como em qualquer raciocínio metaético, devemos procurar cuidadosamente as melhores e coerentes rotas, como a Filosofia Analítica lhes oferece. Desta dorma, este trabalho deve demonstrar razoavelmente que a moral não é um produto cultural dos homens civilizados ou das sociedades modernas e que, apesar de estar sujeito a várias agregações e subtrações culturais relativas, seus fundamentos essenciais são arquetípicos e nunca mudaram estruturalmente. Esse raciocínio induz que a moralidade é um atributo primal do "homo sapiens"; não é uma propriedade e nem um acidente: integra a essência humana e pertence ao reino da identidade ontológica humana. O fenômeno humano é um processo contínuo, desempenhando seu papel entre determinação aleatória e livre-arbítrio, e precisamos questionar como a moralidade começou e como chegou a nós no presente. (shrink)
A proposta é construir uma ponte de intersecção entre os pensamentos de Pareyson, Aristóteles e Platão, e, ancorando-a nos conceitos cunhados na Teoria da Formatividade, expor como o filósofo italiano relê as problemáticas colocadas pelos filósofos gregos antigos e de que maneira esta interseção de pensamentos e conceitos contribuem para a reflexão sobre Arte na atualidade e em particular para a análise da produção pictórica de Gerhard Richter.
I discuss three kinds of relationship between ends and means (or "things that promote ends") in the Aristotelian ethical theory, in order to clarify how moral virtues and phronesis are related both in adopting ends and in determining means for virtuous actions. Phronesis seems to be mainly charged with determining means for an end given by the moral virtues, but it must involve some conception of ends too. Phronesis cannot be parasitic on moral virtue concerning the conception of ends, for (...) otherwise it will lack intrinsic moral value. I argue that the intrinsic moral value of phronesis can be better understood through a certain kind of relation between means and ends that has not received much attention. (shrink)
Contrapondo-se às interpretações que sobrevalorizam o papel da razão nas escolhas dos fins morais, pretendo resgatar o papel positivo que a virtude do caráter, uma virtude não-racional, pode exercer em tais escolhas. Isto será feito levando em consideração a análise que Aristóteles faz da crise moral de Neoptólemo na tragédia Filoctetes.
No centro da filosofia moral de Kant está sem dúvida sua doutrina do imperativo categórico. Por esse motivo não é de se surpreender que a Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785), na qual Kant explica, em detalhes, essa doutrina pela primeira vez, tenha sido o foco da atenção por décadas. Mas há alguns anos é observável uma significativa mudança na literatura que é univocamente bem vinda: ao lado da pesquisa das Doutrinas da Virtude e do Direito publicadas por Kant nos (...) anos noventa do século 18, agora também são intensamente estudadas suas perspectivas filosófico-morais desenvolvidas antes de 1781. Nesse sentido assume uma posição de destaque o manuscrito estudantil de uma lição de ética ministrada no meio dos anos 70, que é publicada aqui, em língua portuguesa, pela primeira vez em uma tradução comentada. Ainda hoje, esta lição serve como uma introdução à ética de Kant, muito embora pareça divergir, em alguns aspectos, da doutrina crítica do imperativo categórico. As Lições de Ética são um „trabalho em andamento“. Por um lado, somos capazes de assistir Kant "pensando" e compreender como ele se reporta ao livro de Alexander Baumgarten sobre os Príncípios da Metafísica Prática (Initia philosophiae practicae primae, 1760). E, por outro lado, somos capazes de vivenciar como ele desenvolve suas próprias perspectivas filosófico-morais em contraste a Baumgarten. Para todos que se interessam pela filosofia moral de Kant e pela história da ética na época da Aufklärung, o estudo desse manuscrito é indispensável. -/- Heiner F. Klemme (Martin Luther Universität - Halle-Wittenberg) . (shrink)
O ensino de filosofia seguiu uma rota tortuosa desde a colônia até os tempos atuais. O breve histórico desse percurso tem o objetivo de reafirmar a necessidade dessa disciplina no currículo escolar, sobretudo porque sempre há aqueles que a consideram de pouca importância. No entanto, em um mundo cada vez mais pragmático, a formação exclusivamente técnica de nossos jovens dificulta o processo de conscientização crítica, além de desprezar a herança de uma sabedoria milenar. Os primeiros tempos No Brasil, desde o (...) século XVI, o ensino de filosofia fazia parte do chamado curso de artes oferecido pelos jesuítas aos filhos de colonos que concluíam o primeiro nível de letras humanas. É bem verdade que apenas alguns colégios dispunham desse curso, voltado exclusivamente para a elite colonial portuguesa. A base do ensino de filosofia era a tradição escolástica, e, mesmo durante os séculos seguintes, não houve interesse em abordar as conquistas das ciências modernas, já vigentes desde o século XVII, na perspectiva de Francis Bacon e das descobertas de Galileu Galilei. Do mesmo modo, não eram ensinadas as teorias de René Descartes e John Locke. Inspirado nos ideais da Contrarreforma, o ensino jesuítico reafirmava a autoridade da Igreja e dos clássicos, com o controle sobre as informações a que os alunos teriam acesso. No século XVIII, os fundamentos aristotélico-tomistas perduraram, com raras exceções, apesar de o marquês de Pombal ter expulsado os jesuítas. O próprio Pombal permitiu a divulgação de algumas dessas obras "esclarecidas", mas cuidou de elencar uma lista das proibidas. Contrariando o controle, as novas ideias circulavam no Brasil por meio de estudantes formados pela Universidade de Coimbra e também pela venda clandestina de panfletos e cópias manuscritas. Desse modo, nas aulas régias, instituídas por Pombal para substituir as escolas dos jesuítas, no geral foi mantida a educação elitista, livresca, desfocada da realidade brasileira durante o império e a república. Apesar do controle, havia exceções, nas poucas vezes em que intelectuais, professores e conhecedores de bibliografia atualizada ensinavam disciplinas como ciências modernas, filosofia e matemática. Algumas congregações religiosas, como a dos franciscanos, também se interessavam pelas contribuições científicas e filosóficas de seu tempo. Ensino de filosofia: entre facultativa e obrigatória A partir do século XIX, predominou um vaivém entre a filosofia como disciplina obrigatória ou facultativa. Com a criação de cursos jurídicos no Brasil, na década de 1820 - em São Paulo e Recife -, a filosofia tornou-se disciplina obrigatória do ensino médio, como pré- requisito para o ingresso ao curso superior, reforçando o caráter propedêutico daquele curso. Em 1915, uma reforma de ensino tornou a filosofia disciplina facultativa, mas o ministro Francisco Campos tentou reverter esse quadro em 1932, tornando-a novamente obrigatória. Conhecido pela atuação no movimento da Escola Nova, Campos aliou seus esforços aos de figuras importantes da pedagogia brasileira, como o sociólogo Fernando de Azevedo e o filósofo e educador Anísio Teixeira. A tendência escolanovista era renovadora e se fazia necessária diante da situação econômica do Brasil. Com o início da industrialização, surgia a necessidade de melhorar a escolarização, sobretudo para os segmentos urbanos. Francisco Campos introduziu as disciplinas de lógica, sociologia e história da filosofia no currículo escolar. Com a Reforma Capanema, em 19142, o ensino secundário dividiu-se em ginasial e colegial. Este último foi subdividido em científico, com ênfase no estudo de ciências, e clássico, que privilegiava a formação em humanidades. Nesse contexto, a filosofia se constituiu como disciplina obrigatória em um dos três anos do científico e em dois anos do curso clássico, com proposta de programa bastante extenso. No entanto, uma sequência de portarias reduziu gradativamente o número de horas-aula da disciplina, por fim, restrita ao último ano do colegial. Em 1961, foi promulgada a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBJ, a Lei n. 4.024, ocasião em que o ensino de filosofia perdeu a obrigatoriedade. Período da ditadura militar Durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), as aulas de filosofia foram extintas pela Lei n. 5.692, de 1971. Essa lei reformou o então chamado ensino de 1º e 2º graus e introduziu o ensino profissionalizante, de acordo com a tendência tecnicista proposta pelos acordos entre militares e tecnocratas. Um dos objetivos era adequar a educação às exigências da sociedade industrial e tecnológica, com economia de tempo, esforços e custos. A educação tecnicista encontrava-se imbuída dos ideais de racionalidade, organização, objetividade, eficiência e produtividade, como se fosse uma empresa: esperava-se que, ao terminar cada um dos níveis, o aluno estivesse capacitado para ingressar no mercado como força de trabalho, caso necessário. Para implantar o projeto de educação proposto, o governo militar não revogou a LDB de 1961, mas introduziu alterações e fez atualizações. Enquanto a aprovação da LDB resultara de amplo debate na sociedade civil, o governo autoritário regulamentou as leis do ensino universitário (Lei n. 5.540/1968) e do ensino de 1º e 2º graus (Lei n. 5.692/1971) de maneira impositiva. Diversos acordos, conhecidos como MEC-Usaid (Ministério da Educação e Cultura e United States Agency for International Development), ofereceram assistência técnica e cooperação financeira para implantar a reforma. A habilitação profissional constituiu-se em um emaranhado de "ofertas" que chegavam a 130 habilitações profissionais distribuídas conforme os cursos e as regiões do país. Algumas disciplinas desapareceram, como a de filosofia, e outras foram aglutinadas. Por sua vez, a inclusão de Moral e Cívica no primeiro nível e de Organização Social e Política no segundo exerceu a clara intenção de doutrinamento político. Há controvérsias em torno da extinção da filosofia do currículo escolar. Para alguns, a extinção revelava a intenção explícita dos governos militares de evitarem o desenvolvimento do pensamento crítico. Outros analisam de modo diferente, alegando que, com raríssimas exceções, o ensino da filosofia reduzia-se à história da filosofia, com ênfase na memorização, não representando, portanto, nenhuma ameaça ao regime de exceção, por desempenhar papel submisso e nada subversivo. Além disso, de acordo com o viés tecnicista da reforma, havia necessidade de mais espaço para incluir disciplinas voltadas para a habilitação profissional. Já nas universidades, era possível notar o crescente desprestígio da filosofia, tendo ocorrido perseguição a professores, muitos deles exilados. Todavia, o propósito de formar profissionais, conforme propunha a nova lei, não se concretizou. A escola pública se fragilizou ainda mais, enquanto algumas boas escolas da rede particular encontraram meios de contornar a lei e oferecer um ensino de qualidade com os mesmos conteúdos que visavam desenvolver o espírito crítico e, portanto, a capacidade de seus alunos pensarem por si mesmos. Em 1982, no clima da abertura democrática, a Lei n. 7.01-114 permitiu a reinserção da filosofia no currículo como optativa, a critério do estabelecimento de ensino. Nada foi conseguido sem esforço, mas com trabalho intenso e pressão da sociedade civil. Associações especialmente criadas para esse fim aglutinaram professores de cursos secundários e superiores para promoverem encontros, movimentos de protesto e contatos com autoridades governamentais, no esforço conjunto para alcançar aquele objetivo. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/1996 Após a aprovação da Constituição brasileira de 1988, restava elaborar a lei complementar para tratar das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A primeira LDB, de 1961, levara muito tempo para ser aprovada e ofereceu no final um texto já envelhecido. Devido a esse fato, havia interesse em acelerar a regulamentação da nova LDB, o que ocorreu em dezembro de 1996, com a publicação da Lei n. 9.394. O primeiro projeto da nova LDB baseou-se em amplo debate, não só na Câmara, mas também na sociedade civil, além de várias entidades sindicais, científicas, estudantis e segmentos organizados da educação. O projeto original exigiu do relator Jorge Hage importante trabalho de finalização, já que a nova lei não resultaria de exclusiva iniciativa do Executivo, e sim do debate democrático da comunidade educacional. No entanto, com apoio do governo e do ministro da Educação, o senador Darcy Ribeiro apresentou outro projeto que começara a ser discutido paralelamente e que terminou por ser aprovado. Como ficou a situação do ensino de filosofia? Apesar do movimento consistente que continuava defendendo o retorno da filosofia ao ensino médio, foi grande a decepção. Vejamos por quê. Ao estabelecer as finalidades da educação básica e as diretrizes dos conteúdos curriculares, essa lei destacava a importância da formação para o exercício da cidadania, a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos e de respeito ao bem comum e à ordem democrática. Foi recomendado também o aprimoramento do educando como pessoa humana, por meio de formação ética e desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico. Conforme a LDB sob Lei 9.394/98: Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as seguintes diretrizes: I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática; II – consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada estabelecimento; III – orientação para o trabalho; IV – promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não- formais. Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima de três anos, terá como finalidades: I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Por fim, ficou claro no artigo 36, parágrafo 1º, inciso III (revogado pela Lei n. 11.684, de 2008), que os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação deveriam ser organizados de tal maneira que ao final do ensino médio o educando demonstrasse "domínio dos conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania". Embora a educação para a cidadania constituísse um objetivo visado por qualquer disciplina, com mais razão o professor de filosofia teria condições de abordá-la explicitamente, não só por tomá-la como um de seus conteúdos, mas principalmente pelo seu caráter problematizador e argumentativo, próprio da filosofia. Portanto, seria válido supor que o artigo 36 definisse a reinserção da filosofia no currículo, ministrada por profissional formado na área, o que de fato não se concretizou, e o ensino de filosofia permaneceu como não obrigatório. Posteriormente, conforme a Resolução CEB n. 3/1998, "as propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar o tratamento interdisciplinar e contextualizado para os conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania" (artigo 10, parágrafo 2º, alínea b]. Ou seja, professores de outras disciplinas seriam responsáveis por esses "temas transversais", orientação que prevaleceu nos Parâmetros Curriculares Nacionais. Um pouco antes, em 1997, dando continuidade a anseios de educadores, o deputado federal Padre Roque Zimmermann apresentara projeto de lei para tornar obrigatório o ensino de filosofia e sociologia no currículo do ensino médio. Após sua aprovação no Senado, em 2001, o projeto foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Finalmente, em 2008, o artigo 36 da LDB sofreu alteração, tornando obrigatório o ensino de filosofia e de sociologia no currículo do ensino médio, por meio da Lei n. 11.684/2008. Na sequência da aprovação, continua em andamento a implantação desse projeto de ensino. Esperamos que o espaço conquistado não venha a sofrer mais tarde nova retração. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, H. P. Filosofando: Introdução à Filosofia. 6ª ed. São Paulo: Moderna, 2016. BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Ciências humanas e suas tecnologias. In: Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria de Educação Básica, 2006. ______________________________________. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. Disponível em: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Biblioteca do Senado. Acesso em: 11 Jun. 2019. ______________________________________. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio: Bases Legais. Brasília: MEC, 1999. ______________________________________. Resolução CEB n° 3 de 1998. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 1998. Disponível em: Resolução CEB n° 3 de 1998. Acesso em: 11 Jun. 2019. KOHAN, W. O. (Org.). Políticas do ensino de filosofia. Rio de Janeiro: DP6A, 2014. (shrink)
In the following pages, the main proposal is to indicate how Max Weber has dialogued directly with some prerogatives from Kant’s Critic of practical Reason, following the reception of Wilhelm Windelband’s concept of “responsibility” (Verantwortlichkeit) and his theory of values. In sight of these influences, in this paper will be argued how Weber adherence to the neo-Kantian value concept has made possible a review on the categorical imperatives, which has turned his reading from Kantian philosophy to the proposal of an (...) antinomy between the ethic of conviction and the ethic of responsibility inside the Kantian moral maxims. -/- Nessa abordagem será proposto que a recepção de Max Weber do conceito de “responsabilidade” (Verantwortlichkeit) de Wilhelm Windelband, bem como sua revisão de certos elementos da filosofia dos valores neokantiana do sudoeste da Alemanha, permitiram que Weber estabelecesse um diálogo mais direto com os pressupostos de Kant em sua Crítica da razão prática. Em vista dessas influências, o presente artigo argumentará que a maneira como Weber revisa os imperativos categóricos direcionou sua compreensão da filosofia kantiana pelo conceito de “valores”, o permitindo ainda, propor a existência de uma antinomia entre a ética da convicção e da responsabilidade no interior das máximas morais kantianas. (shrink)
No presente trabalho, vamos abordar algumas das questões essenciais sobre o imaginário coletivo e suas relações com a realidade e a verdade. Devemos encarar esse assunto em uma estrutura conceptual, seguida pela análise factual correspondente às realidades comportamentais demonstráveis. Adotaremos não apenas a metodologia, mas principalmente os princípios e proposições da filosofia analítica, que com certeza serão evidentes ao longo do estudo e podem ser identificados pelos recursos descritos por Perez[1] : Rabossi (1975) defende a ideia de que a filosofia (...) analítica pode ser identificada considerando-se certas semelhanças familiares. Ele sugere os seguintes traços familiares: uma atitude positiva em relação ao conhecimento científico; uma atitude cautelosa em relação à metafísica; uma concepção da filosofia como uma tarefa conceptual, que toma a análise conteudo como um método; uma estreita relação entre linguagem e filosofia; uma preocupação em buscar respostas argumentativas para problemas filosóficos, e procura de clareza conceptual. Esses conceitos centrais envolvem conteúdos culturais, sociais, religiosos, científicos, filosóficos, morais e políticos, pertencentes à existência individual e coletiva de cada um de nós. Neste artigo, não discutiremos nem demonstraremos. Nosso objetivo não é o de sistematicamente criticar ou evidenciar qualquer coisa, de qualquer maneira. O presente trabalho se baseia na reflexão analítica. Apenas especularemos da maneira mais abrangente e profunda que pudermos e expressaremos os resultados de nossos pensamentos. Não obstante a natureza multidisciplinar do assunto e a abertura metodológica para aceitar contribuições de qualquer campo da ciência, este trabalho pertence ao objetivo da psicologia e ontologia ou, em outros termos, da psicologia social e ontológica. A metodologia livre que norteia tais reflexões abrange e leva em consideração tudo o que se aproxima da coerência com a epistemologia filosófica e psicológica. Essa metodologia não busca alcançar evidências, mas apenas procura a inter-relação entre evidências já existentes, de qualquer natureza e magnitude, inferindo um significado coerente para as coisas reais. Muitos dos grandes pensadores, a qualquer momento, nunca procuraram demonstrações, teorizações ou sistematizações. Esses pensadores apenas pensavam, meditavam e com a iluminação de sua humildade podiam se aproximar da verdade. Eles serão nossa referência e o exemplo a ser seguido. Com certeza, não encontraremos a verdade, mas podemos ter certeza de alguma coisa: em muitos momentos, chegaremos perto da verdade e, em todos os momentos, estaremos nos afastando da inverdade e da mentira. O escopo principal deste estudo é observar como alguns dos atributos evolutivos essenciais da humanidade, como criatividade, imaginação e associação, podem se tornar uma doença perigosa, abrigada nas sombras enevoadas da inteligência. (shrink)
RESUMO Neste artigo, busco identificar, por meio de algumas passagens da "Fundamentação da Metafísica dos Costumes" e da "Crítica da Razão Prática", o debate de Kant com a Filosofia Prática Universal de Wolff. Em um primeiro momento, apresento, de forma sucinta, alguns aspectos gerais da metafísica e da ética wolffiana com o intuito de, em um segundo momento, explicitar como algumas considerações de Kant, em suas duas primeiras obras morais, incidem diretamente nas teses de seu predecessor. A crítica de (...) Kant é apresentada nas seguintes etapas. Primeiro, destaco, diante das teses de Wolff, o argumento kantiano sobre a impossibilidade de se estabelecerem os princípios da faculdade superior de apetição e da obrigação moral a partir do prazer baseado nas representações e, por conseguinte, no princípio da felicidade. Em um segundo momento, sublinho a reivindicação kantiana de uma razão prática pura como a única base da faculdade superior de apetição. A partir disso, é notável o surgimento dos novos conceitos kantianos de lei formal, de liberdade e de perfeição moral. Por último, destaco, ainda em diálogo com Wolff, como a razão prática pura, compreendida como faculdade superior de apetição, pode representar não apenas as bases da necessidade moral, mas também uma fonte adequada de motivação. ABSTRACT In this Paper, I seek to identify Kant's debate with Wolff`s Universal Practical Philosophy in some passages of the "Foundations of Metaphysics of Morals" and of the "Critique of Practical Reason". At first, I briefly present some general aspects of Wolff`s metaphysics and ethics aiming at, in a second step, stressing how some of Kant's considerations, in his first two moral works, have a direct impact on the theses of his predecessor. First, stressing the discussion with Wolff, I highlight Kant's argument about the impossibility of establishing the principles of the superior faculty of desire and of moral obligation from the pleasure on the representations and, therefore, in the principle of happiness. In a second step, I stress the Kantian claim of pure practical reason as the basis of the superior faculty of desire. Thence, I show how the new Kantian concepts of formal law, freedom and moral perfection emerge. Finally, I highlight, still in a dialogue with Wolff, how the pure practical reason may represent not only the foundations of moral necessity, but also how it may be a proper source of motivation. (shrink)
This study aimed to survey wild species voluntarily received or rescued in the Lake District, State of Rio de Janeiro, in 2011. The research aimed to identify endangered species, quantify the groups and know the destination given to specimens. The records were obtained from the Instituto Ecológico Búzios Mata Atlântica, an NGO responsible for the Environmental Protection Area named Pau-Brasil and for the Lake District. The analysis showed that 181 animals were seized, 51% mammals (13 species), 25% reptiles (13 species), (...) 24% birds (11 species) and 1% fish (1 species). Amongst those animals, 12 species are included in the List of Endangered Brazilian Fauna Species. (shrink)
The aim of this paper is to look at Søren Kierkegaard's defence of an ethical way of life in the light of Harry Frankfurt's work. There are salient general similarities connecting Kierkegaard and Frankfurt: Both are sceptical towards the Kantian idea of founding morality in the laws of practical reason. They both deny that the concerns, which shape our lives, could simply be validated by subject-independent values. Furthermore, and most importantly, they both emphasize the importance of reflective endorsement of one's (...) way of life. This endorsement is understood by both not as an exercise of reason but as an exercise of our will without which boredom, anxiety and, ultimately, the dissolution of the self threatens. We can, the author of the paper argues, directly impose Frankfurt's hierarchical account of psychological attitudes on Kierkegaard in the sense that Frankfurt clearly helps us to elucidate Kierkegaard. This interpretation, however, also shows the limitations of any attempt, inspired by Kierkegaard, to justify moral rules without appealing to a religious foundation of morality. /// O propósito do presente artigo é, antes de mais, proceder, à luz da obra de Harry Frankfurt, a uma análise da defesa que Søren Kierkegaard faz do modo ético de conceber a existência humana. Com efeito, segundo o autor do artigo, são várias as similitudes existentes entre Kierkegaard e Frankfurt: ambos se mostram cépticos em relação ao projecto kantiano de fundar a moralidade nas leis da razão prática; ambos negam que as nossas preocupações existenciais possam simplesmente ser validadas por valores independentes do sujeito; acima de tudo, tanto Kierkegaard como Frankfurt enfatizam a importância de uma validação reflexiva do próprio modo de vida. Tanto um como o outro compreendem esta validação não como um exercício da razão, mas sobretudo como um exercício da vontade, sem o qual, na verdade, o sujeito se expõe não só ao tédio e à angústia, mas também, em última análise, ao perigo da auto-dissolução. Neste sentido, o artigo defende a possibilidade de se impor a Kierkegaard a narrativa de Frankfurt sobre as atitudes psicológicas, de modo que, conclui o autor, Frankfurt decididamente nos pode ajudar a elucidar Kierkegaard. Ao mesmo tempo, porém, esta interpretação mostra igualmente os limites de toda e qualquer tentativa, inspirada por Kierkegaard, de justificar as normas morais sem apelar aos fundamentos religiosos da moralidade. (shrink)
Modern semiotics is a branch of logics that formally defines symbol-based communication. In recent years, the semiotic classification of signs has been invoked to support the notion that symbols are uniquely human. Here we show that alarm-calls such as those used by African vervet monkeys (Cercopithecus aethiops), logically satisfy the semiotic definition of symbol. We also show that the acquisition of vocal symbols in vervet monkeys can be successfully simulated by a computer program based on minimal semiotic and neurobiological constraints. (...) The simulations indicate that learning depends on the tutor-predator ratio, and that apprentice-generated auditory mistakes in vocal symbol interpretation have little effect on the learning rates of apprentices (up to 80% of mistakes are tolerated). In contrast, just 10% of apprentice-generated visual mistakes in predator identification will prevent any vocal symbol to be correctly associated with a predator call in a stable manner. Tutor unreliability was also deleterious to vocal symbol learning: a mere 5% of “lying” tutors were able to completely disrupt symbol learning, invariably leading to the acquisition of incorrect associations by apprentices. Our investigation corroborates the existence of vocal symbols in a non-human species, and indicates that symbolic competence emerges spontaneously from classical associative learning mechanisms when the conditioned stimuli are self-generated, arbitrary and socially efficacious. We propose that more exclusive properties of human language, such as syntax, may derive from the evolution of higher-order domains for neural association, more removed from both the sensory input and the motor output, able to support the gradual complexification of grammatical categories into syntax. (shrink)
Traditionally, the “Imagery Debate” has opposed two main camps: depictivism and descriptivism. This debate has essentially focused on the nature of the internal representations thought to be involved in imagery, without addressing at all the question of action. More recently, a third, “embodied” view is moving the debate into a new phase. The embodied approach focuses on the interdependence of perception, cognition and action, and in its more radical line this approach promotes the idea that perception is not a process (...) involving internal world-models. The anti-representationalist version of the embodied paradigm covers, among others that we shall not discuss here, two quite different positions, namely the enactive approach and sensorimotor theory. Up to now these two anti-representationalist accounts have generally been confounded. In this paper we will argue that despite some important commonalities, enactive and sensorimotor accounts come with distinctive theoretical traits with regard to their approach to imagery. These become manifest when critically examining the role they assign to sensorimotor engagements with the world. We shall argue that enactive and sensorimotor approaches are different in their understanding of the role of embodied action, and these different notions of embodiment lead to different explanatory accounts of perception and imagery. We propose that, due to existing ambiguities in enactivism, the sensorimotor theory is a better framework for a skill-based approach to imagery. (shrink)
Neste artigo é apresentada uma interpretação dos critérios propostos por Aristóteles para separar as ações voluntárias das demais ações, assim como do tratamento aristotélico das ações mistas, das não-voluntárias e das reações morais que lhes são devidas. A interpretação defendida se concentra na Ética Nicomaquéia (EN) e faz uso da Ética Eudêmia (EE) apenas ocasionalmente. Só podemos afirmar que agimos de forma involuntária ou não-voluntária quando somos constrangidos a sofrer uma determinada ação ou quando realizamos algo por acidente.
According to a common misconception, Kant rejects rhetoric as worthy of no respect and neglects popularity as a dispensable accessory. Two recent publications on the communicative dimension of Kant’s conception and practice of philosophy represent a very solid rebuttal of such criticism. The books in question are Kant’s Philosophy of Communication by G. L. Ercolini and A linguagem em Kant. A linguagem de Kant edited by Monique Hulshof and Ubirajara Rancan de Azevedo Marques, especially in light of the long chapter (...) “Kant e a Questão da Popularidade e da Linguagem da Filosofia” by Leonel Ribeiro dos Santos (pp. 17- 69). What Ercolini’s monograph and Santos’ chapter have in common, is that they both argue that Kant does indeed value and practice both rhetoric and popularity. However, they differ from each other in that Ercolini lets Kant’s reflection on popularity derive from occasional factors, while Santos locates its origin at the heart of Kant’s critical project. In order fully to appreciate their novelty, these two contributions call for an overview of the state of research on the subject of Kant’s conception of rhetoric. Thus, before closely examining them, I will briefly outline the relevant scholarship by dividing it into the three classes of those who interpret Kant (a) as a skillful rhetorician, (b) as dismissive of rhetoric, and finally (c) as according rhetoric a moral function. (shrink)
Partimos do estudo na noção de homem presente no pensamento de Maquiavel para estabelecer a idéia de Estado e sua relação com a ética. Existe, quanto a esta questão, uma vasta polêmica na tradição interpretativa e que podemos reduzir a duas perspectivas fundamentais. Primeira: Maquiavel compreende a natureza humana como corrompida de forma definitiva, o que transforma o Estado em instrumento puramente coator da malevolência humana. Nesta ótica, não há espaço para pensar em finalidades éticas do Estado. Segunda: mesmo partindo (...) da idéia de que há no homem uma inclinação à maldade, não considera isso algo irreversível. Destaca a importância da educação como instrumento de formação humana e de cultivo de valores morais. O trabalho mostra que o Estado maquiaveliano se fundamenta na natureza humana e tem por objetivo possibilitar o agir ético do homem. (shrink)
Há pelo menos três modos pelos quais o debate sobre a conduta doxástica se relaciona com a ética. O primeiro e menos contencioso assinala que o ato de crer, analogamente às ações morais, responde a um tipo de normatividade, não necessariamente moral. Por exemplo, as normas para o ato de crer podem ser puramente epistêmicas. Nesse caso, essas normas diriam respeito a como o agente deve visar ou buscar a verdade. O segundo modo como o debate da ética da (...) crença se relaciona com a ética diz respeito à fundamentação das normas para crer. A ideia é que a adoção dessas normas se fundamenta com base em razões morais e sociais. Por fim, o modo mais substancial consiste em sustentar que o ato de crer, ao menos em alguns casos, é em parte um fenômeno essencialmente moral e que, portanto, razões morais incidem diretamente sobre a legitimidade da crença. Por razões morais, alguém poderia ser recriminado por sustentar uma crença ainda que tivesse evidência favorável para ela. Neste verbete, tangenciando o clássico debate entre Clifford e William James e reações mais contemporâneas ao debate, apresentaremos e discutiremos cada um desses aspectos da ética da crença. (shrink)
O objetivo dessa dissertação é discutir alguns conceitos que dizem respeito ao estatuto da eudaimonía, tendo como pressuposto que o texto da Ética a Nicômaco possa por si só esclarecer como ela é entendida por Aristóteles. Na minha hipótese, as discussões metodológicas estabelecidas no livro I servem como orientações suficientes para esclarecer a relação entre a realização da eudaimonía e o exercício das virtudes da alma, sem com isso haver a necessidade de que recorramos a outras obras de Aristóteles. Em (...) conseqüência dessa orientação, priorizei nessa pesquisa entender a afirmativa de Aristóteles de que a eudaimonía é um bem realizável pela ação do homem virtuoso, sendo um bem de caráter prático que consisti no exercício de um érgon, que é exclusivo ao homem; privilegiei então os conceitos relacionados à vida prática para o esclarecimento do que seja a eudaimonía, a relação entre as arētaí ēthikaí, a phrónesis e a sophía na sua realização, objetivando também, através dessa relação, entender as conexões entre lógos, práxis e páthos na realização do bem supremo do homem. Meu objetivo é pensar as relações entre a eudaimonía e as virtudes morais e intelectuais na Ética a Nicômaco; em conseqüência, compreender o lugar da vida prática e da vida teórica na realização da vida plena. (shrink)
Atas do III Colóquio Internacional de Metafísica. [ISBN 978-85-7273-730-2]. Sumário: 1. Prazer, desejo e amor-paixão no texto de Lucrécio, por Antonio Júlio Garcia Freire; 2. Anaximandro: física, metafísica e direito, por Celso Martins Azar Filho; 3. Carta a Guimarães Rosa, por Cícero Cunha Bezerra; 4. Ante ens, non ens: La primacía de La negación em El neoplatonismo medievel, por Claudia D’Amico; 5. Metafísica e neoplatonismo, por David G. Santos; 6. Movimento e tempo no pensamento de Epicuro, por Everton da Silva (...) Rocha; 7. Críticas e elogios de Nietzche a Sócrates, por Fernanda Bulhões; 8. Sobre a Metafísica ou a respeito do jejum, por Gilvan Fogel; 9. A origem estética da ontologia hermenêutica de Luigi Pareyson, por Íris Fátima da Silva; 10. A Natureza da filosofia de Hume, por Jaimir Conte; 11. Logique ET métaphysique, por Jean-Baptiste Jainet; 12. Blaise Pascal: da recusa da metafísica da raison à metafísica do « estudo do homem », por João Emiliano Fotaleza de Aquino; 13. O niilismo no prólogo de Assim Falou Zaratustra. Por José Elielton de Sousa; 14. Presencia;Ausência: de Plotino a Procolo, por José Maria Zamora; 15. A natureza do Eros platônico, por Jovelina Maria Ramos de Souza; 16. Breve comentário acerca da origem da Gelassenheit de Heidegger a partir da mística de mestre Eckkart, por Luiz Fernando Fontes-Teixeira; 17. Humanismo e domesticação em Regras para o parque humano, por Luiz Roberto Alves dos Santos; 18. Contra a teoria de dois mundos na filosofia de Platão (República V 476e-478e), por Marcelo Pimenta Marques; 19. Sensações, impressões, projeções: as afecções do pensamento, por Markus Figueira da Silva; 20. Contribuições à história de uma metáfora: Heidegger e Nicolau de Cusa, por Oscar Federico Bauchwitz; 21. Uma impossibilidade ontológica em Schopenhauer, por Paulo César Oliveira Vasconcelos; 22. Ser e fenômeno: a Fenomenologia como teoria estética da ciência, por Pedro Paulo Coroa; 23. Para que serve a Metafísica de Aristóteles? O exemplo do movimento animal, por Pierre-marie Morel; 24. Contribuições para uma ontologia digital, por Rafael Capurro; 25. O que é o fim da metafísica, por Rodrigo Ribeiro Alves Neto; 26. A Physis na conformação do logos: linguagem e pensamento no corpus epicúreo, por Rodrigo Vidal do Nascimento; 27. O acontecimento de mundo na era da informação, por Soraya Guimarães da Silva; 28. Apofaticismo e abstração em Mark Rothko, por Vanessa Alves de Lacerda Santos. -/- . (shrink)
RENÉ DESCARTES: UMA BIOGRAFIA -/- RENÉ DESCARTES: A BIOGRAPHY -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - CAP-UFPE, IFPE-BJ e UFRPE. E-mails: eisaque335@gmail.com e eics@discente.ifpe.edu.br. WhatsApp: (82)98143-8399. -/- -/- Nascido em 1596 em Haia, nas fronteiras de Touraine e Poitou, em uma família nobre, René Descartes vem ao mundo ao mesmo ano em que Johannes Kepler (1671-1630), em seu primeiro trabalho publicado (Mysterium cosmographicum), prova a superioridade da astronomia moderna (a de Nicolau Copérnico (1473-1543)) da astronomia antiga (a de Ptolomeu (90-168 (...) d.C.)). Ao mesmo tempo, Galileu Galilei (1564-1642), que detém a cadeira de matemática da Universidade de Pádua, funda o método experimental. As descobertas de Galileu tiveram forte impacto sobre o Colégio Real de La Fleche, realizado pelos jesuítas e onde Descartes recebeu, a partir de 1606, uma forte educação. Ele menciona, no Discurso do Método, seu “desejo extremo” em aprender, seguido, no final de seus estudos, de uma grande decepção: decepção com a filosofia ensinada, cujas controvérsias perpétuas revelam um caráter questionável, e que não pode fornecer um alicerce, em seu estado atual, para outras ciências. Também é proferido um desapontamento, mas esse desapontamento é inverso e diz respeito às matemática, capaz de fornecer esse fundamento que a filosofia não confere, mediante sua certeza e evidências, mas sobre o qual ainda não construímos nada. -/- -/- Numa Europa marcada pelo choque do tradicionalismo católico e do mercantilismo protestante, o lento declínio do poder espanhol e a luta dos Países Baixos pela sua independência, Descartes escolheu, primeiramente, após a graduação, a carreira militar. Engajado no exército do Príncipe Maurício de Nassau, ele é retirado da ociosidade da vida da guarnição pelo encontro, em 1618, de um jovem cientista holandês, Isaac Beeckman (1588-1637), que se tornou seu amigo íntimo por algum tempo. Conhecedor de todas as pesquisas científicas do momento e partidário da nova concepção “mecanicista” da natureza, Beeckman compartilhou com Descartes um entusiasmo que foi acompanhado, segundamente, da ambição de realizar a ciência universal por si mesma, mediante um método único: na noite de 10 de novembro de 1619, ele concebe em três “sonhos”, “os alicerces de uma ciência admirável”. -/- Nos anos seguintes a essa iluminação decisiva, Descartes viajou por toda a Europa, estimando, como Michel de Montaigne (1533-1592), que a demonstração de boas maneiras e costumes diferentes podem gerar muitos preconceitos. Toda sua vida, além disso, esteve vagando, isto é, foi marcada por múltiplas mudanças de residências, e a recusa de estabelecer um vínculo muito de perto com alguém. Foi na Holanda que ele, finalmente, buscará a tranquilidade que não encontrara na França ainda abalada pelas guerras religiosas, antes de ser assim pelas convulsões da Fronda. Todavia, mesmo na Holanda, ele não pôde evitar os ataques de calvinistas e polemicas teológicas que o repugnaram, como evidenciado em suas discussões com a Universidade de Utrecht entre 1643 à 1645 e a Universidade de Leiden em 1647. -/- -/- Além de sua amizade com Beeckman, outro encontro teve uma influência indubitavelmente decisiva sobre o destino de Descartes: o encontro com o cardeal de Bérulle. Fundador da congregação do Oratório (ao qual pertencem Nicolas Malebranche (1638-1715) e Jean-Baptiste Massillon (1663-1742)), o cardeal de Bérulle enxerga na nova física mecanicista, um meio de lutar contra o naturalismo resultante do Renascimento e seu paganismo latente: em uma longa entrevista com Descartes, no outono de 1647, ele fez dessa última uma obrigação de consciência para se dedicar, nesse sentido, à filosofia. -/- Em 1628, Descartes começa a escrever as Regras para a direção do espírito, um tratado inacabado e que não foi publicado durante a vida do autor. Em 1631, desenvolvera a geometria analítica que combina curvas geométricas com equações algébricas. Em 1633 escreveu O Tratado do Homem e preparava-se para publicar O Tratado do Mundo quando a notícia da condenação de Galileu Galilei pelo Santo Ofício (a Inquisição) o deixou receoso e decide, por prudência, não publicar o seu Tratado no qual a tese do movimento da Terra ao redor do Sol é apoiada. Alguns anos depois, foi divulgado em público cultivada de algumas de suas descobertas científicas: além da geometria, a dioptria (a teoria da refração da luz) e meteoros (teoria dos fenômenos atmosféricos luminosos). Esses três tratados aparecem no apêndice do Discurso do Método, e como “ensaios” desse método, em 1637. No século XIX, Victor Cousin (1792-1867) publicou pela primeira vez o Discurso sozinho, sem os ensaios. -/- Então vem a principal obra de Descartes no ramo da metafísica: as seis Meditações, aumentadas pelas objeções dos mais famosos filósofos da época (incluindo Thomas Hobbes (1588-1679), Antoine Arnauld (1612-1694) e Pierre Gassendi (1592-1655)), e as respostas a essas objeções, apareceram em 1641. Ansioso para expor sua filosofia para que pudesse ser ensinada, ele também a caracteriza em forma de manual com os Princípios da Filosofia de 1644. -/- Além dos trabalhos publicados, foi por meio das cartas trocadas com personalidades do mundo erudito que Descartes encontrou a oportunidade de esclarecer vários pontos de sua filosofia. Seus principais correspondentes foram o Prade Marin Mersenne (1588-1648), o Padre Denis Mesland (1615-1672), Pierre Chanut (1601-1662), Claude Clerselier (1614-1684), Christiaan Huygens (1629-1695) e Henry More (1614-1687). A partir de 1643, Descartes sustentou, com a Princesa Isabel da Boêmia (1596-1662), uma correspondência dedicada essencialmente a questões morais, que lhe permitiu a formulação de suas ideias nesse campo: esse esforço conduziu, em 1649, ao tratado das Paixões da alma. -/- Nesse mesmo ano, 1649, a Rainha Cristina da Suécia (1626-1689) o convida para ir a Estocolmo, que ele aceitou após muita hesitação. Recebido com todas as honras, mas forçado a um modo de vida bastantemente distinto daquele que era acostumado, e submetido a um clima do qual não se adequou, ele sucumbiu a pneumonia em fevereiro de 1650. -/- Descartes deixou-nos uma espécie de autobiografia intelectual na primeira parte do Discurso do Método: em seus anos de treinamento, seus entusiasmos e suas decepções. O discurso é, também, o primeiro livro para quem busca compreender o projeto filosófico cartesiano desde sua gênese até sua realização. Existem expostos, o método claro (na segunda parte), mas também a moral (terceira parte), a metafísica (quarta parte) e finalmente a física (quinta e sexta partes). (shrink)
-/- FILOSOFIA: CRÍTICA À METAFÍSICA -/- PHILOSOPHY: CRITICISM TO METAPHYSICS -/- Por: Emanuel Isaque Cordeiro da Silva - UFRPE Alana Thaís Mayza da Silva - CAP-UFPE RESUMO: A Metafísica (do grego: Μεταφυσική) é uma área inerente à Filosofia, dito isto, é uma esfera que compreende o mundo e os seres humanos sob uma fundamentação suprassensível da realidade, bem como goza de fundamentação ontológica e teológica para explicação dos dilemas do nosso mundo. Logo, não goza da experiência e explicação científica com (...) base na matemática, ciências, observação, análise, etc. e sim da explicação apenas teorética sem a análise empírica. Por fim, filósofos de divergentes escolas e eras da história da filosofia fundamentaram suas críticas quanto a Metafísica; e este breve trabalho tem como objetivo analisar as críticas dos filósofos e trazer uma conclusão clara e objetiva para os leitores, sejam leigos ou não. Palavras-chave: Metafísica. Crítica. Teoria. Suprassensível. Empírico. Experiência. ABSTRACT Metaphysics is an area inherent to philosophy, that is, it is a sphere that comprises the world and human beings under a supersensitive foundation of reality, as well as enjoying ontological and theological foundations for explaining the dilemmas of our world. Therefore, it does not enjoy the scientific experience and explanation based on mathematics, science, observation, analysis, etc., but only the theoretical explanation without empirical analysis. Finally, philosophers from divergent schools and eras in the history of philosophy based their criticism of Metaphysics, and this brief work aims to analyze the criticism of philosophers and bring a clear and objective conclusion to readers, whether lay or not. Keywords: Metaphysics. Criticism. Theory. Supersensitive. Empirical. Experience. INTRODUÇÃO Para uma fundamentação alicerçada na observação, análise e conclusões pragmáticas, é imprescindível aclarar o conceito de Metafísica como esfera inerente da Filosofia, bem como disciplina primordial para o currículo do Filósofo formado nas Universidades globais. Para isso, discorro acerca do conceito de Metafísica desde a alcunha aristotélica de 'Filosofia primeira', passando à análise modernista, em especial à kantiana e seu criticismo (Crítica da Metafísica é a alma desse trabalho), sob análise de autores didáticos e, por fim, sob a elucidação da esfera Metafísica mediante os dicionários de Filosofia de Japiassú e Marcondes, e de Nicola Abbagnano. No conjunto de obras aristotélicas entituladas de Metafísica, Aristóteles buscou elucidar 'o ser enquanto ser', isto é, buscar a objetividade das coisas e do mundo mediante a subjetividade e a realidade suprassensível dessas coisas. Logo, a explicação dos fenômenos que cercavam a Grécia clássica eram explicados além do alicerce das Ciências tradicionais da época (Física, Química, Biologia, etc.). Todavia, para Aristóteles, a Metafísica consiste na 'ciência primeira' no que se refere o fornecimento de um fundamento único para todas as demais ciências, ou seja, dar-lhes o objeto ao qual elas se referem e os princípios dos quais todas elas dependem. Por fim, a Metafísica implica ser uma enciclopédia das ciências um inventário completo e exaustivo de todas as ciências, em suas relações de coordenação e subordinação, nas tarefas e nos limites atribuídos a cada uma, de modo definitivo. Na modernidade, a Metafísica perde a centralidade do mundo da Filosofia, quem é o precursor de tal declínio é Immanuel Kant e seu criticismo. Tal descendência é elucidada e aclarada posteriormente no presente trabalho. A Metafísica moderna ganha uma nova interpretação, sendo alcunhada e levada por analogia à Ontologia, expressada, segundo Kant, como conceito de gnosiologia. Para Kant, Metafísica é a fonte inerente do estudo e explicação das formas alicerçadas na razão, bem como fundamento de toda realidade suprassensível que se deve basear para elucidar e aclarar o mundo moderno. Ainda segundo o filósofo, a Metafísica é a fonte de todos os princípios reais para a explicação da realidade. Sendo ela, por fim um 'sistema filosófico' alicerçado sobre uma perspectiva ontológica, teológica e/ou suprassensível da realidade. No nosso finalismo, a inerência da Metafísica à filosofia transcende a explicação de todo o universo e sua totalidade (matéria e forma como alcunha Aristóteles). Logo, na Filosofia Clássica com Platão e, especialmente em Aristóteles, o Mito passou a ser ciência e essa ciência era determinada de Metafísica. Vale salientar que a alcunha 'Metafísica' foi, primeiramente, usada por Andrônico de Rodes . Por fim, a Metafísica primordial para fundamentar as explicações necessárias para os fenômenos que se decorrera na Grécia antiga, foi perdendo centralidade ao passo da história da filosofia e, na modernidade, com Hume e Kant passa por uma grande crise, discorrida agora no trabalho. -/- DA CRÍTICA À METAFÍSICA Platão criou um sistema metafísico de explicação da realidade e do mundo que influenciou muitos pensadores e religiosos. Boa parte da história da filosofia foi composta de sistemas metafísicos. Mas, se, por um lado, o pensamento metafísico tem uma vida longa e profícua, por outro, é alvo de críticas constantes, principalmente por filósofos modernos e contemporâneos, que questionam a validade das teses metafísicas, seja porque tratam de coisas que não podem ser conhecidas, como alma, Deus e formas inteligíveis, seja porque suas conclusões são consideradas enganosas. ARISTÓTELES E A FILOSOFIA PRIMEIRA As ciências teóricas ou teoréticas são aquelas que produzem um saber universal, válido em qualquer situação, e necessário, isto é, que não pode ser de outro modo. Essas ciências estão voltadas para a contemplação da verdade. O sábio que se dedica a elas encontra um fim em si mesmo, pois o resultado de sua investigação não gera nenhum objeto exterior, como uma construção ou uma escultura, mas beneficia sua própria alma. Elas estão organizadas em Metafísica, Matemática e Física, que inclui a Psicologia ou a ciência da alma. As principais obras teoréticas escritas por Aristóteles são Física, De anima e Metafísica. Filosofia Primeira, que chegou até nós com o nome de Metafísica, também chamada muitas vezes por Aristóteles de Teologia .com a ressalva de que Teologia aqui não tem o sentido que é dado a ela contemporaneamente), é a expressão que designava a mais elevada das ciências teoréticas, diferenciando-se da chamada Filosofia Segunda, ou Física. Aristóteles abre o Livro I da Metafísica com a célebre passagem: Todos os homens têm, por natureza, desejo de conhecer: uma prova disso é o prazer das sensações, pois, fora até da sua utilidade, elas nos agradam por si mesmas e, mais que todas as outras, as visuais [...l. (ARISTÓTELES, 1969). A busca pelo conhecimento encontra-se na própria natureza humana, desde o nascimento, mesmo que se manifeste em seu grau mais rudimentar. Prova disso é o conhecimento por meio das sensações ou dos sentidos, entre os quais se destaca o da visão. É o chamado conhecimento por empiria ou saber empírico, que não pode ser ensinado porque é adquirido imediata e concretamente quando percebemos as coisas sensíveis. Também há um saber que vem da técnica. O técnico é aquele que tem o conhecimento dos meios para chegar a um fim. Como ensina o historiador da Filosofia, Julián Marias, apesar de o saber técnico ser superior ao saber empírico, ambos são necessários em nossa vida: 1..l Portanto, a tékhne [técnica) é superior à empeiria; mas esta também é necessária, por exemplo, para curar, porque o médico não tem de curar o homem, e sim Sócrates, e o homem apenas de modo mediato. (MARIAS, J. 2015). O conhecimento metafísico é menos necessário em nossa vida cotidiana, mas nenhum outro lhe é superior. A Metafísica é o conhecimento pelas causas e, como vimos, o conhecimento é científico quando ele nos dá os princípios e as causas das coisas. Para Aristóteles, tudo o que existe é efeito de uma causa e ela é a responsável por esse algo ser necessariamente de um jeito e não de outro. De acordo com Aristóteles, conhecer algo é conhecer pela causa. Dessa forma, a explicação de algo ou o seu conhecimento deve sempre dizer por que algo é necessariamente de determinado modo. Sem esse tipo de explicaçào, não pode haver propriamente conhecimento. Daí se constata o caráter rigoroso da explicação científica: ela não apenas sabe que "algo é isto", mas é capaz de explicar por que algo é necessariamente isto. A definição aristotélica de Metafísica Chauí indaga em seu livro Iniciação à Filosofia a questão central do que Aristóteles entende por sua alcunha ou Metafísica. Chauí explana: Embora Aristóteles admita que para cada tipo de Ser e suas essências existe uma ciência teorética própria (física, biologia, psicologia, matemática, astronomia), ele também defende a necessidade de uma ciência geral, mais ampla, mais universal, anterior a todas essas, cujo objeto não seja esse ou aquele tipo de Ser, essa ou aquela modalidade de essência, mas o Ser em geral, a essência em geral. Essa ciência, para Aristóteles, é a Filosofia Primeira ou metafísica, que investiga o que é a essência e aquilo que faz com que haja essências particulares diferenciadas, que estuda o Ser enquanto Ser. (CHAUÍ, 2010). O objeto investigado pela Metafísica também é muito diferente do objeto conhecido pelo saber empírico ou pelo saber técnico. O saber empírico nos faz conhecer as coisas particulares, como Sócrates, o Oráculo de Delfos e a caneta esferográfica; o saber técnico nos faz conhecer as diversas técnicas, como os procedimentos médicos e a engenharia de construir templos. O que o saber metafísico, então, nos permite conhecer? Segundo Aristóteles, a Metafisica estuda o ser enquanto ser. Não considera o ser de modo particular como fazem as demais ciências — por exemplo, ao investigar Sócrates, os procedimentos médicos etc. mas busca o que é universal, o que envolve tanto Sócrates quanto os procedimentos médicos, tanto o Oráculo de Delfos quanto a arte de construir templos. Segundo Aristóteles, a Metafísica trata das causas primeiras, que são as quatro seguintes: • a causa material, que é a matéria de que é feita alguma coisa. Em uma escultura, por exemplo, a causa material pode ser o bronze ou o mármore; • a causa formal, que é a forma ou a essência das coisas. No exemplo da escultura, é a forma ou a aparência que possibilita que a reconheçamos como uma escultura (e não como um poste, por exemplo); • a causa eficiente, que é o agente que produz a coisa. Uma escultura é produzida por um artista; • a causa final, que é a razão ou a finalidade das coisas, A finalidade da escultura é o prazer estético. A Metafísica também se ocupa da substância. A substância responde pelos significados do ser. Mas o que é a substância? Trata-se de uma questão complexa no pensamento aristotélico. Aristóteles recusa-se a entender a substância como sendo a forma platónica. Ela nào é o suprassensível. Seria entao a substância o sensível individual? As coisas são matéria e forma; amatéria é o substrato da coisa (por exemplo, o mármore é a matéria da estátua). Sem sua forma, ela é apenas potencialidade, mas sem a matéria qualquer realidade sensível se desvaneceria. Assim, a matéria pode ser dita substância em sentido impróprio. A forma, por seu turno, é aquilo que determina a matéria, é a sua essência; ela é substancia em sentido próprio. Mas a matéria é também matéria enformada. As coisas sensíveis são, a um só tempo, matéria e forma. E esse composto também pode ser legitimamente chamado de substância. Aristóteles apresenta três gêneros de substâncias: • as substâncias sensíveis, que nascem, morrem e, por isso, passam por todo tipo de mudança; • as substancias sensíveis e incorruptíveis, que não passam por nenhum tipo de mudança, como os planetas e as estrelas; • a substância suprassensível, que é superior às outras duas: o Primeiro Motor Imóvel, o deus aristotélico, causa de todo movimento, mas sendo ele mesmo imóvel. (Ele precisa ser imóvel porque se ele também se movesse precisaria haver uma causa para esse movimento, o que levaria a uma espécie de regressão ao infinito). Assim como o demiurgo de Platão, o deus aristotélico nao é um deus criador. Não criou o Universo nem gerou o movimento dos corpos. Ao contrário, o deus de Aristóteles exerce uma atraçáo sobre o Universo, motivando sua existência, e sobre os corpos, gerando seu movimento, ou seja, atrai tudo para si como objeto de amor. Não é, portanto, causa eficiente do mundo e do movimento do mundo, mas causa final. O deus aristotélico nao cria o mundo do nada por um ato de vontade. Ele nao é causa eficiente do mundo, como indicamos ser o artista causa eficiente de sua escultura. A METAFÍSICA CLÁSSICA OU MODERNA Grandes revoluções no pensamento do século XVII deram estopim à uma grande crise na esfera metafísica. De modo resumido a Metafísica sofreu uma grande transformação e uma nova elaboração, sem a fundamentação embasada no pensamento platônico, aristotélico ou neoplatônico. Sendo assim a nova metafísica é caracterizada por: [...] afirmação da incompatibilidade entre fé e razão, acarretando a separação de ambas, de sorte que a religião e a filosofia possam seguir caminhos próprios, mesmo que a segunda não esteja publicamente autorizada a expor ideias que contradigam as verdades ou dogmas da fé [...] [...] redefinição do conceito de Ser ou substância. Os modernos conservam a definição tradicional da substância como o Ser que existe em si e por si mesmo, que subsiste em si e por si mesmo. Porém, em lugar de considerar que a substância se define por gênero e espécie, havendo tantos tipos de substâncias quantos gêneros e espécies houver, passa-se a definir a substância levando em consideração seus predicados essenciais ou seus atributos essenciais, isto é, aquelas propriedades ou atributos sem os quais uma substância não é o que ela é. Após o supracitado, os cartesianos e Descartes dirão que há somente três substâncias essenciais, divergindo totalmente do pensamento aristotélico, as substâncias cartesianas são a Alma, a matéria dos corpos e Deus. Para empiristas, só se é possível conhecer a substância corpórea, logo não se é possível elaborar uma metafísica, e sim uma geometria ou uma física que se ocupa do estudo dessas matérias corpóreas. Baruch Spinoza (1632-1677) explanou a primordialidade de se elaborar uma definição genérica e universal, comumente aceita por toda a comunidade de filósofos de Aristóteles a modernidade. Podemos reduzir o conceito proposto da seguinte maneira: “substância é aquilo que existe em si e por si e não depende de outros para existir”.Logo, diz Espinosa, que há apenas uma substância no Universo que não depende de outra para existir, tal substância é o próprio Deus ou a natureza. Nessa revolução do pensamento filosófico, em peculiar à metafísica, houve também a redefinição do conceito de causa e causalidade. Em Aristóteles haviam quatro tipos de causas, agora, na modernidade, se propunha apenas dois tipos: a eficiente e a final. Chauí explana que a Causa eficiente é aquela na qual uma ação anterior determina como consequência necessária a produção de um efeito, e que seu alcance é universal na natureza. Causa final é aquela que determina, para os seres pensantes, a escolha da realização ou não realização de uma ação, e que só opera na ação de Deus e nas ações humanas. Houve também, nessa revolução, uma quebra do paradigma metafísico, isto é, a metafísica não se dividia mais entre a teologia, a psicologia racional e a cosmologia racional. Agora, a metafísica ganha um novo rumo, um rumo próprio de estudo embasado em suas próprias fundamentações. Logo, a metafísica se apropria de três e apenas três ideias de substância. A substância infinita, ou o próprio Deus. A substância pensante que é a consciência como faculdade de reflexão e de representação da realidade alicerçada na razão. E, por fim, a substância extensa que é a natureza embasada nos princípios e leis regidas pela matemática e a mecânica. DAVID HUME E A CRISE DA METAFÍSICA O filósofo escocês David Hume (1711-1776) nos ajuda a entender em parte o teor das críticas ao pensamento metafísico. "Se tomarmos em nossas mãos um volume qualquer, de teologia ou metafísica escolástica, por exemplo, façamos a pergunta: contém ele qualquer raciocínio abstrato referente a números e quantidades? Não. Contém qualquer raciocínio experimental referente a questões de fato e de existência? Não. Às chamas com ele, então, pois não pode conter senão sofismas e ilusão." (HUME, 2004) Hume critica a teologia e a metafísica escolástica, que foi a metafísica praticada principalmente nas escolas cristãs durante a Idade Média, porque suas concepções não tratam nem de conceitos matemáticos, que são formais e podem levar a conclusões seguras - por exemplo, "2 + 2 = 4" -, nem de afirmações sobre fatos, que podem ser verificados empiricamente, isto é, pelos órgãos dos sentidos —como "a aceleração de um corpo em queda livre é de 9,8 metros por segundo", Assim, Hume aconselha o leitor a jogar as afirmações metafísicas na fogueira, pois são consideradas ilusões, fantasias ou produto de erros de raciocínio e nada têm a acrescentar ao conhecimento humano. A partir de Hume, a metafísica, tal como existira desde os gregos, tornara-se impossível. O CRITICISMO KANTIANO E O FIM DA METAFÍSICA CLÁSSICA Entre a Dissertação de 1770 e a Crítica da razão pura, mais de dez anos se passaram. Apesar de a obra ser volumosa, a redaçào da Crítica da razão pura não chegou a cinco meses de trabalho. De início, Kant pretendia apenas revisar sua dissertação, mas o trabalho acabou por levá-lo a figurar entre os grandes nomes do pensamento filosófico, como Aristóteles e Descartes. Kant fez um diagnóstico bastante negativo da situação da Filosofia de sua época, em particular da Metafísica, que, embora fosse considerada a Filosofia Primeira, patinava em questões impossíveis de serem resolvidas. Ao mesmo tempo, buscou inserir a Filosofia no rumo seguido pelas Ciências Naturais, pela Lógica e pela Matemática, que já tinham encontrado o caminho da Ciência. Em alguns pontos, o projeto kantiano se aproximou de algumas características do projeto cartesiano. Descartes duvidou de todo o saber conhecido, pois queria encontrar um fundamento seguro que sustentasse a edificação da Filosofia e, mais particularmente, da Ciência. Diferentemente de Descartes, contudo, Kant nào duvidou de todo o conhecimento que havia aprendido. Para ele, bastava estabelecer os limites do conhecimento racional, ou seja, o que a razão podia conhecer e o que era impossível de ser conhecido. No fim do século XVIII, de acordo com a proposta de Wolff, a Metafísica era dividida em duas partes: Metafísica geral e Metafísica especial. A primeira tratava da Ontologia (ciência do ser enquanto ser, como definido por Aristóteles), e a segunda se ocupava do ser humano (Psicologia), do mundo (Cosmologia) e de Deus (Teologia racional), Os principais temas in-vestigados eram a imortalidade da alma, a liberdade a finitude ou infinitude do mundo e a existência de Deus. No entanto, de acordo com Kant, as questões metafísicas clássicas extrapolavam as capacidades de conhecimento do ser humano, pois estavam tão afastadas da experiência que a razão só podia pensá-las, sem conhecê-las realmente. As questões postas pela Metafísica clássica extrapolavam o terreno de qualquer experiência possível e, no entanto, a razão, por sua própria natureza, apresenta questões que não pode evitar, mas que também náo pode responder por não terem nenhuma pedra de toque na experiência. Disso decorre a pergunta fundamental sobre a possibilidade de haver um conhecimento metafísico. Publicada em 1781, a Crítica da razão pura foi uma tentativa de responder a essa pergunta. A obra instituiu um "tribunal da razao" para examinar a própria razão, e não para tomar partido no conflito entre racionalistas, como Descartes e Leibniz, que elaboraram sistemas metafísicos, e empiristas, como Locke e Hume, que basearam o conhecimento unicamente nos sentidos. Criticar a razão é determinar as possibilidades, os limites e o alcance do próprio conhecimento. A transformação foi tao grande para a Filosofia que essa obra nao pôde ser ignorada. A situação da Metafísica No texto a seguir, retirado do célebre prefácio à primeira edição de Crítica da razão pura, podemos ver o diagnóstico de Kant sobre a situaçao da Metafísica no período em que vivia. A razão humana, num determinado dominio dos seus conhecimentos, possui o singular destino de se ver atormentada por questões, que náo pode evitar, pois lhe são impostas pela sua natureza, mas às quais também não pode dar resposta por ultrapassarem completamente as suas possibilidades. Não é por culpa sua que cai nessa perplexidade. Parte de princípios, cujo uso é inevitável no decorrer da experiência e, ao mesmo tempo, suficientemente garantido por esta. Ajudada por estes princípios eleva-se cada vez mais alto (como de resto lho consente a natureza) para condições mais remotas. Porém, logo se apercebe de que, desta maneira, a sua tarefa há de ficar sempre inacabada, porque as questões nunca se esgotam; vê-se obrigada, por conseguinte, a refugiar-se em princípios, que ultrapassam todo o uso possível da experiência e, não obstante, estão ao abrigo de qualquer suspeita, pois o senso comum está de acordo com eles. Assim, a razão humana cai em obscuridades e contradições, que a autorizam a concluir dever ter-se apoiado em erros, ocultos algures, sem contudo os poder descobrir. Na verdade, os princípios de que se serve, uma vez que ultrapassam os limites de toda experiência, já não reconhecem nesta qualquer pedra de toque. O teatro destas disputas infindáveis chama-se Metafísica. (KANT, I. 2010). O fim da Metafísica clássica Podemos agora retomar o questionamento sobre os motivos pelos quais a física newtoniana é possível como ciência e entender também por que a metafísica racionalista tradicional não é conhecimento científico, segundo a teoria kantiana. A física trata de regras e leis dos fenômenos, das representações conformadas pela sensibilidade e pelo entendimento, ou seja, refere-se a objetos do conhecimento humano. A metafísica clássica, por sua vez, trata de coisas que não fazem parte da experiência sensível. Deus e a alma, por exemplo, não são apreendidos pela sensibilidade, não são impressões conformadas ou fenômenos e, portanto, não podem ser conhecidos pelo ser humano. Ideias ou conceitos dessa espécie podem ser pensados pela razão, mas é impossível conhecê-los, pois estão além da capacidade humana de conhecimento. Por esse motivo, a física é possível como ciência e a metafísica tradicional não. Com base nisso, Kant provocou uma revolução na teoria do conhecimento, que ele mesmo designou como "virada copernicana na filosofia", Se Copémico mudou a forma de entender o mundo ao defender a ideia de que o Sol está no centro do sistema solar, Kant mudou a forma de o ser humano compreender o mundo e a si próprio ao estabelecer a ideia de que o ser humano, e não os objetos externos, é o centro do conhecimento, O ser humano não é um agente passivo, que só recebe informações, mas atua decisivamente na constituição do conhecimento e do que se compreende como realidade. Os elementos a priori que determinam essa constituição do conhecimento são o escopo da filosofia kantiana, também conhecida como transcendental. Logo, o pensamento kantiano alterou profundamente a Metafísica. A existência de Deus ou a imortalidade da alma, por exemplo, passaram a ser questões que já não podiam ser respondidas. Se percebemos apenas as coisas que ocorrem em um tempo específico (antes, agora, depois), como seremos capazes de perceber algo que está na eternidade (Deus)? Como afirmar que a alma é imortal se não conseguimos percebê-la com os nossos sentidos? O conhecimento a partir de Kant, então, é sempre conhecimento de objetos, isto é, de conteúdos elaborados e modificados pelo sujeito que conhece. O conhecimento passou a se ocupar, assim, de fenómenos, e não mais da própria coisa, como pretendiam os metafísicos clássicos. Com a crítica kantiana, tornou-se impossível conhecer efetivamente os temas da Metafísica clássica e emitir qualquer opinião segura sobre assuntos que não podem ser assentados na experiência. Podemos pensar sobre Deus, podemos querer que nossa a seja imortal, mas jamais teremos a possibilidade de verificar esses assuntos em nossa experiência ou mesmo ter sobre eles verdadeiro conhecimento. Nada nos impede de acreditar em Deus ou na imortalidade da alma, porém não podemos exigir que a Filosofia se pronuncie a respeito desses temas. Na verdade, a crítica kantiana não diz que Deus existe nem que não existe, mas apenas que não é capaz de saben Deus, não obstante sua importância para a Filosofia do próprio Kant, é uma questão de fé. AUGUSTE COMTE E A METAFÍSICA NO SÉCULO XIX O filósofo francês Auguste Comte (1798-1857), considerado o pai do positivismo, fundamenta sua filosofia também em oposição às concepções metafísicas. Em seu entendimento, a busca por princípios gerais ou essências, entidades que estão além do que podemos observar ou perceber pelos órgãos dos sentidos, é algo infrutífero. Comte explana: "[...] não é supérfluo assinalar agora, de modo direto, a preponderância contínua da observação sobre a imaginação, como o principal caráter lógico da sã filosofia moderna, dirigindo nossas pesquisas, não para causas essenciais, mas para leis efetivas, dos diversos fenômenos naturais. Sem ser doravante imediatamente contestado, permanece este princípio fundamental muitas vezes desconhecido nos trabalhos especiais. Embora as diferentes ordens de especulações concedam, sem dúvida, à imaginação uma alta participação, isto é, constan temente empregada para criar ou aperfeiçoar os meios da vinculação entre os fatos constatados, mas o ponto de partida e a sua direçào não lhe poderiam pertencer em nenhum caso. Ainda quando procedemos verdadeiramente a priori, é claro que as considerações gerais que nos guiam foram inicialmente fundadas, quer na ciência correspondente, quer em outra, na simples observação, única fonte de sua realidade e também de sua fecundidade. Ver para prever: tal é o caráter permanente da verdadeira ciência. Tudo prever sem ter nada visto constitui somente uma absurda utopia metafísica, ainda muito seguida." (COMTE, 1978). A observação é considerada a única fonte de realidade. Abandonando a observação e apoiando-se única e exclusivamente na imaginação, como seria característico das especulaçôes metafísicas, o pensamento pode levar não para o conhecimento das coisas, mas para a fantasia. A ciência, então, deve ter como base as coisas que podem ser observadas. Todas as especulações e as teorias científicas, em última instância, devem ter como fundamento a realidade observável. LUDWIG WITTGENSTEIN E A METAFÍSICA CONTEMPORÂNEA O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) também se opõe às afirmações metafísicas por considerar que estas tratam de problemas (ou pseudoproblemas) que não podem ser formulados claramente e, portanto, não podem ser respondidos. “O método correto da filosofia seria o seguinte: só dizer o que pode ser dito, ou seja, as proposições das ciências naturais [...] e depois, quando alguém quisesse dizer algo metafísico, mostrar-lhe que nas suas proposições existem sinais aos quais não foi dada uma denotação.” (WITTGENSTEIN, 1995). Quer dizer, as sentenças ou os termos metafísicos se referem a coisas, objetos ou seres enigmáticos ou misteriosos, que não podem ser tratados com clareza, isto é, não se sabe exatamente o que são, o que impossibilitaria a formulação de problemas e soluções reais. "Deus", "alma" ou "vida após a morte", por exemplo, são termos que se referem especificamente a quê? Os "problemas" metafísicos estariam no campo do mistério e não no da investigação racional. Por isso, como afirma Wittgenstein, "acerca daquilo de que se não pode falar, tem que se ficar em silêncio". CONCLUSÃO (ÕES) Ora, a Metafísica na Grécia antiga foi imprescindível para o entendimento dos mais variados dilemas do mundo antigo, sejam perguntas simples, ou complexas. Iniciada como um sistema filosófico platônico, passando a ser filosofia primeira em Aristóteles, a metafísica incorporou elementos teológicos, psicológicos e cosmológicos durante o mundo antigo, e ainda mais durante o período medieval e a hegemônica Igreja Católica. No mundo moderno e embasado pelo “Luz da razão”, a metafísica começa a ser refutada pelos pensadores da época em questão, dentre eles o célebre cético Hume, e o emblemático Kant, além de Descartes e seus cartesianistas. Kant e seu criticismo incorporaram à Metafísica uma nova interpretação, esta que fez a mesma entrar em declínio e sair da centralidade do mundo filosófico. Kant, graças às indagações e refutações de Hume, pôde acordar do célebre “sono dogmático”. O que fez Kant se importa com a Metafísica. Kant trouxe à luz o fim da Metafísica clássica e deu legado ao início da metafísica contemporânea alcunhada de Ontologia. No decorrer da história da filosofia, a Metafísica teve intensa ascenção e vertiginosos declives, sendo seu maior declive o crítico Kant. Por fim, muitos filósofos se apropriaram de ser heterodoxos e enfrentaram de frente o mundo metafísica e a base do catolicismo sobre a realidade. Posta realidade que hoje, com o legado de Kant, da fenomenologia de Husserl, etc., originaram a nova escola filosófica chamada de Ontologia. -/- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 5ª. ed. Trad. Ivone Castillo Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007. ARANHA, M. 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São Paulo: Moderna, 2006. WITTGENSTEIN, L. Tratado lógico-filosófico. 2ª. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva – estudante, pesquisador, professor, agropecuarista, altruísta e defensor dos direitos humanos e dos animais. -/- Alana Thaís Mayza da Silva – estudante, potterhead, pesquisadora, projetista, musicista, filantropa, defensora dos direitos humanos e dos animais, LGBT. (shrink)
-/- DOS PROBLEMAS FILOSÓFICOS E SUAS CARACTERÍSTICAS -/- OF PHILOSOPHICAL PROBLEMS AND THEIR CHARACTERISTICS -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva -/- l. A TENDÊNCIA FILOSÓFICA - A Filosofia surgiu graças à curiosidade humana. Os primeiros filósofos buscavam encontrar as respostas para perguntas perturbadoras sobre a verdade, o ser, a existência autêntica, o absoluto, a transcendência do espírito, a ideia de bem e mal, além de compreender esse mundo binário (o dilema: bem e mal) que tanto inquieta a humanidade desde seus (...) primórdios; toda essa busca pela explicação de tais inquietações é fazer filosofia. A tendência para investigar, para conhecer o sentido último das coisas, teve gênese com os filósofos gregos (ditos cosmólogos, físicos, etc.), e para compreender os complexos dilemas da natureza e da realidade suprassensível existiu um homem (o filósofo) que buscou analisar e entender os problemas ao longo de toda a sua história. No mundo ocidental, essa tendência surgiu a partir do século VI a.C., precisamente na Grécia. A História da Filosofia é o traço deixado por essa tendência de investigação do homem, é a série de aspectos e soluções que os filósofos descobriram, em suas investigações sobre a realidade. Lembre-se que, de acordo com a definição tradicional, a Filosofia estuda as causas supremas de todas as coisas, isto é, os fundamentos últimos de toda a realidade. É, além disso, um conhecimento científico e, portanto, deve conter o rigor característico de uma ciência. Na História da Filosofia, você terá a oportunidade de capturar os diferentes aspectos que essas fundações supremas oferecem, e também será possível julgar a validade e o rigor dos pensadores expostos. Mas entender essas soluções significa ter apreendido os problemas que animam o intelecto e o movem para a resposta. Levantar esses problemas é, então, a primeira tarefa no estudo da Filosofia e sua História. 2. PROBLEMAS RELATIVOS AO CONHECIMENTO - Trata-se de determinar a validade do conhecimento. Em que condições isso é verdade? Quando é que nós enquanto filósofos efetivamente alcançamos a verdade? Quão longe alcançam e se limitam nossas faculdades cognitivas? A importância desses problemas se destacam a partir do momento em que os filósofos antigos oferecem várias soluções para a mesma pergunta. O fato de cada filósofo ter uma própria resposta e, por vezes, completamente oposta à de outros, não deixa de ser perturbador, pelo que procura aprofundar-se na realidade. Por que não há uma única e universal resposta para os problemas da alma, liberdade, Deus, bem e mal? A mesma História da Filosofia, com sua cadeia de sistemas e soluções, é motivo de preocupação para o espírito filosófico. Na história da humanidade, houve cinco soluções principais para o problema do conhecimento: o ceticismo, o empirismo, o racionalismo, o idealismo e o realismo. O ceticismo nega validade a tudo, conhecimento; nele a melhor posição cognitiva do pensador é duvidar de tudo e de todos. O empirismo só concede capacidade cognitiva às faculdades sensíveis; ou melhor, um conhecimento é válido apenas quando está alicerçado por alguma experiência sensível. O racionalismo, pelo contrário, finge que os sentidos enganam, e que a necessidade e a universalidade do conhecimento científico só é alcançada através das faculdades intelectuais. O idealismo, por sua vez, nega que possamos conhecer as coisas, independentemente do sujeito conhecedor; nós só capturamos nossas próprias ideias. O realismo, finalmente, sustenta que temos conhecimento válido, alcançado pelos sentidos e a inteligência, e que atingem a mesma realidade, que é independente do sujeito que a conhece. 3. O PROBLEMA DO SER - Este é o problema central da Metafísica, e busca investigar e questionar acerca da totalidade e a existência do ser, o que consiste o ser (como um verbo). Desde o começo você tem que saber distinguir o ser e os seres. Estes são as coisas e as pessoas (qualquer objeto que exista ou possa existir), e em Filosofia esses termos são reduzidos apenas pela palavra entidade. Em vez disso, o ser (no singular) deve ser entendido como um verbo, como um ato, e, precisamente, a questão é: em que consiste o ato de ser? o que é o ser? A partir dessas inquietações universais, surgem problemas análogos, como: o que é existir?, o que é uma essência?, qual é a essência da realidade? A Metafísica tem sido o centro das preocupações dos filósofos; mas também tem sido o centro dos ataques contra a Filosofia, precisamente através das críticas de Kant. No entanto, na filosofia contemporânea, alguns filósofos existencialistas, como Heidegger e Marcel, trataram de investigar o ser em sua máxima generalidade e profundidade. 4. O PROBLEMA DO ABSOLUTO - Trata do problema da existência e essência de Deus. Todos os filósofos lidaram com o assunto de alguma forma, seja ela direta ou indireta. Até os ateus tiverem e ainda teem que fundamentar ou explicar o motivo de sua recusa da crença em uma entidade suprassensível e divina. Por enquanto, o importante é perceber que esse problema é estudado em Filosofia, independentemente da religião que é professada. As possíveis soluções que os filósofos encontram são mantidas no plano das faculdades naturais do homem, de preferência em um nível racional. A Fé e a Revelação são assumidas mais tarde, como fundamentos da Teologia. Ultimamente, o ateísmo se disseminou pelo mundo e encontra-se em constante ascensão; mas isso não significa que a única resposta atual a esse problema é a negação de Deus. Existem inumeráveis sábios deste século cuja postura é perfeitamente teísta, por exemplo: Bergson, Marcel, Husserl, Scheler, Jaspers, etc. 5. A EXISTÊNCIA AUTÊNTICA DO HOMEM – Na atualidade, o existencialismo configurou seu maior auge, tendo como tema central a busca pela elucidação das características da existência autêntica do homem. Trata-se do problema mais humano que pode afetar cada um de nós enquanto seres; A tônica da vida que se pretende seguir depende da resolução dessas inquietações corriqueiras. A liberdade é essencial na vida humana? São, talvez, os valores morais os mais importantes? Em que consiste a autenticidade? Como deve-se levar em conta a interrelação e a comunicação humana? Como é o nível humano de existência autêntica? Estas são as principais questões que eles tentam resolver nessa corrente. 6. O PROBLEMA DA CONSTITUIÇÃO E EVOLUÇÃO DO UNIVERSO - O problema do tempo e do espaço, da evolução e da essência da matéria, constituem um dos temas centrais nas obras e investigações de físicos modernos. Geralmente são os cientistas que se dedicam a penetrar filosoficamente em tais assuntos. O importante é esclarecer que, no momento para o qual uma pessoa tenta basear seu conhecimento como tal, em seu próprio ramo, naquele dado momento a pessoa estará fazendo Filosofia. A Cosmologia é o ramo filosófico que lida com estas questões do universo e da relação com o homem e a natureza, e foi uma das primeiras correntes cultivadas entre os gregos na tentativa de achar as possíveis respostas para demasiados problemas. 7. OS PROBLEMAS DA LÓGICA, DA ÉTICA E DA ESTÉTICA - O tema típico da Lógica é a ordem dos conceitos. Para ela corresponde a governança sobre as estruturas mentais, os processos corretos no raciocínio, as leis de todo pensamento bem estruturado, como definições, divisões, categorizações, a conversão de proposições, as inferências imediatas com base em oposições, etc. A Ética corresponde a lidar com questões sobre o bem e o mal. Sua importância deriva do papel orientador que a ciência adquire na mente de quem ela examina e chega a soluções fundamentadas. Junto com esse problema, é interconectado com o da obrigação em harmonia com a liberdade, o das categorias de valores, o das virtudes, o da autonomia em correlação com a heteronomia, etc. Por sua vez, cabe à Estética o estudo de arte e beleza. Da mesma forma, os problemas relacionados ao da atividade artística, a intuição estética, projeção sentimental, categorias estéticas, etc. Uma vez revisadas as principais abordagens filosóficas, podemos descrever suas características gerais. 8. CARACTERÍSTICAS DOS PROBLEMAS FILOSÓFICOS, QUANTO À SUA ORIGEM: a) A filosofia é baseada em uma atitude inata do homem, em uma tendência que pertence à sua natureza, e pelo qual é lançado para procurar soluções aos problemas que o afetam. Essa tendência para a verdade, bem como a ânsia para conquistar o desconhecido, além da busca por um elemento que dá sentido a vida de uma pessoa é a origem a priori da Filosofia. Na história da filosofia, a Metafísica pode ser negada como uma ciência - tal é a tese kantiana -, nada obstante, não pode-se negar a tendência humana de fazer Metafísica. O mesmo Kant que tanto a criticou na modernidade, aceitou essa tendência. Consequentemente, a origem da Filosofia deve procurar algo a priori, algo que caracterize o homem em sua essência: a tendência a buscar o atemático dentro do temático, do implícito no explícito, no fundamento, nas teses científicas. b) Por outro lado, a posteriori, pode-se observar que todo sistema filosófico tem sua origem a partir de uma intuição geral, que serve como uma estruturação no resto das teses do autor. Essa intuição filosófica é uma doadora de sentido, é universal, é integral e alcança, com sua captura, a síntese de elementos, à primeira vista, dispersos. Um exemplo famoso de uma síntese filosófica é a de Platão, que, com sua distinção entre o mundo das Ideias e o mundo da matéria (Inteligível e Sensível), engendrou para sempre uma discussão sobre seus relacionamentos, suas interações, distinções e unificações. Bem como, São Tomás de Aquino, com seu teocentrismo, proveniente do cristianismo, ou Kant, com a sua revolução copernicana, alcançaram todo um sistema filosófico, baseado em sua brilhante intuição. 9. CARACTERÍSTICAS DOS PROBLEMAS FILOSÓFICOS, QUANTO AO SEU OBJETO - Os problemas filosóficos apresentam características muito nítidas, devido ao objeto com o qual lidam. Podemos distinguir três: fundamentação, universalidade e humanismo. a) Antes de mais nada, a Filosofia busca uma fundamentação suprema de todas as teses que sustenta. Filosofar consiste em aprofundar até chegar a fundamentação ou bases sobre as quais se constrói a estrutura das teses afirmadas. Isto é o mesmo que estudar as causas supremas, tal qual diz a definição tradicional da Filosofia. b) E não só em profundidade, mas também em extensão, a Filosofia quer abranger tudo o que existe, toda entidade, todos os questionamentos que há sobre os mais diversos temas, desde o questionamento da formação do universo ante uma divindade suprassensível até os complexos dilemas políticos contemporâneos,. É assim que a Metafísica, o núcleo da Filosofia, tem como objetivo de ser. Essa filosofia engloba tudo absolutamente, isso significa que a Metafísica alcança um nível transcendental e vai além dos níveis categóricos e peculiares. c) E finalmente, a Filosofia é um conhecimento plenamente humano, no sentido que penetra precisamente nas questões e, questões essas que afetam intimamente a vida pessoal de cada homem. Assim por exemplo, a Filosofia lida com questões existenciais, como liberdade, amor, intercomunicação pessoal, fidelidade, obrigação, bem e mal, objetivo supremo e felicidade. Desta forma, ao mesmo tempo que preenche os requisitos de uma ciência em quanto ao rigor e ordem que é exigido, também preenche os assuntos apropriados de um estudo propriamente humanista. Filosofia é, então, uma síntese equilibrada do conhecimento humano. 10. CARACTERÍSTICAS DOS PROBLEMAS FILOSÓFICOS, QUANTO À SUA RESOLUÇÃO: a) A Filosofia, em termos de resolução de seus problemas, segue um método eminentemente racional. O que não significa que os dados empíricos sejam descartados, pelo contrário, eles constituem, precisamente, o material que a inteligência aprofunda-se e encontra sua causa ou razão. O método filosófico é, então, um uso equilibrado da experiência sensata e da razão, é experimental-racional. b) E finalmente, a Filosofia é desinteressada, em quanto o próprio conhecimento de suas teses, problemas e soluções fornece, por si só, uma satisfação plena ao intelecto que ele contempla. Logo, a Filosofia constitui, por si só, um objeto valioso, para o qual tende a inteligência como sua suprema finalidade. Obtê-la, contemplá-la e ser saciado nela é a mesma coisa. Ao qual não é um obstáculo para que, mais tarde, em uma atitude prática, seja possível obter aplicações, utilizações e derivações, para apoiar outras ciências, para governar e ordenar a vida. -/- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BLANCO, A. D. La filosofía y sus problemas. Barcelona: Ed. Scientia, 1966. 234 pps. HIDELBRAND, D. V. ¿Qué es la filosofía? Madrid: Razón y fe, 1965. 294 pps. MARITAIN, J. Introduccion a la filosofía. Buenos Aires: Club de lectores, 1963. 240 pps. OCHOA, O. R. Propedéutica filosófica. México: Porrúa, 1943. 222 pps. VERNEAUX, R. Epistemología general: o crítica del conocimiento. Barcelona: Herder, 1985. 248 pps. (shrink)
Émile Durkheim: Coesão e Fato Social -/- Emanuel Isaque Cordeiro da Silva E-mails: eisaque335@gmail.com / eics@discente.ifpe.edu.br WhatsApp: (82)9.8143-8399 -/- Émile Durkheim: Coesão e Fato Social Nascido em 1858, Durkheim era francês e foi bastante influenciado pela obra do filósofo também francês Augusto Comte (1798-1857), que metodizou pela primeira vez o estudo da sociedade (Sociologia) como uma ciência particular e peculiar, e que também conectou a Sociologia com alguns artífices peculiares das Ciências Naturais. Em contrapartida, Durkheim procurou alicerçar a Sociologia como (...) uma ciência social divergente em toda sua totalidade das ciências naturais. Logo, mediante essa finalidade, cuidou em desenvolver uma tese e um artifício de análise que contivesse conceitos peculiares para a instrução da vida em corpo social. Doravante, os princípios da sociologia de Émile Durkheim podem ser reduzidos as alcunhas ou conceitos de coesão, da segmentação do trabalho (ou especialização do trabalho) e de ação, circunstância ou fato social. Ao analisar acerca da divisão do trabalho no corpo social, Durkheim explana: [...] a divisão do trabalho [...] não serviria apenas para dotar nossas sociedades de luxo, invejável talvez, mas supérfluo; ela seria uma condição de existência da sociedade. Graças à divisão do trabalho, ou pelo menos por seu intermédio, se garantiria a coesão social; ela determinaria os traços essenciais da constituição da sociedade. Por isso mesmo, caso seja essa realmente a função da divisão do trabalho, ela deve ter um caráter moral, porque as necessidades de ordem, de harmonia e de solidariedade social são geralmente consideradas morais. Vale salientar que, Émile Durkheim foi inteiramente influenciado pelos acontecimentos históricos que se decorrera nos séculos XVIII e XIX. Todo o continente europeu, ao passo do século XIX ascendeu em derredor dos princípios da Revolução Industrial e da Revolução Francesa. A primeira (Revolução Industrial), tendo sua introdução aos meados do século XVIII, exacerbou atrozmente a produção de mercadorias. Aproveitando-se dos avanços tecnológicos incorporados nas indústrias, a produção industrial na Inglaterra, ao passo do século XVIII, disseminou-se para demais países europeus no século seguinte, transfigurando-se como o âmago central de estruturação da vida sodalícia. A segunda (Revolução Francesa), com seu desencadeamento em 1789, foi inteiramente marcada por metamorfoses políticas estruturais. O corpo social feudalista, que antepor-se ao sodalismo capitalista, foi crepusculada. Todas as estruturas políticas do corpo feudalista deram lugar a hegemonia das organizações políticas capitalistas. O regime monárquico foi finalizado e comutado por entidades políticas que se apropriavam de ideais como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, tal qual era o próprio lema da Revolução Francesa. As instituições de educação, antes dominadas e ditadas pela hegemônica Igreja católica, passaram a ser administradas pelo Estado, fazendo com que as mesmas se tornassem leigas. A chamada livre-iniciativa ou o processo em que ocorre o escambo de mercadorias foi exortado por novíssimas regras e leis estabelecidas sob a perspectiva da produção das indústrias, que estavam sob ascensão constante. Ao passo do fim do século XIX, Émile Durkheim percebia atentamente essa ascensão notória do processo de metamorfose social, particularmente instigada pela indústria, e buscava entender esse processo para elucidar o seguinte inquietamento: como pode esse corpo social capitalista, que se fragmenta e qualifica-se em funções cada vez mais divergentes, assegurar uma unicidade, uma coesão social? Pois bem, o autor buscou uma elucidação sociológica para essa questão pragmática. O sociólogo buscou compreender a unicidade social em um mundo cada vez mais fragmentado pela qualificação do trabalho. O mesmo, perguntava-se como os sujeitos distintos, em cargos sociais heterogêneos, poderiam constituir-se socialmente. Buscando uma elucidação, alicerçada nos preceitos sociológicos, desse processo de diferenciação, o autor francês apropriou-se da seguinte hipótese: todo o corpo social, de indivíduos distintos, são definidos por algum tipo de fragmentação (aprimoramento) do trabalho. Isto é, no decorrer do desenvolvimento dos corpos sociais, os sujeitos tendem a se tornarem cada vez mais heterogêneos. Em um corpo social com a mínima fragmentação do trabalho, os sujeitos são mais análogos entre si quando cotejados aos demais que vivem sob um corpo social em que o trabalho é majoritariamente fragmentado. É mediante a essa ótica que o sociólogo francês atenta sobre a coesão social, isto é, o estágio de incorporação de cada corpo social. Em corpos sociais onde o trabalho é predominantemente fragmentado é observada uma dinâmica dupla. Concomitantemente a ocorrência da distinção profissional, é criada o que Durkheim chama de interdependência funcional, isto é, alcunha para designar a dependência recíproca dos indivíduos num mundo onde o trabalho é puramente fragmentado. Os vínculos sociais e a teia de interdependência, definem uma forma de coesão social. Em corpos sociais em que o trabalho não é puramente fragmentado, são as crenças que asseguram a unicidade dos sujeitos, uma vez que o processo de aprimoramento das funções profissionais ainda são puramente arcaicos. Aclarando melhor o supracitado texto, vamos cotejar dois corpos sociais: um corpo social feudal e outro industrial. Pois bem, em um sodalismo feudal hipotético, a fragmentação do trabalho é proveniente alicerçada pelas atividades majoritariamente agrícolas. Os indivíduos servis laboram majoritariamente para o benefício do senhor feudal e a parte restante de seu tempo é para laborar em proveito da sua subsistência e de seu grupo familiar. As metodologias do labor são puramente arcaicas e as práticas de trabalho se resumem em plantar, colher e cuidar dos animais. As metodologias produtivos apropriadas pelos diferentes feudos acabam por ser predominantemente análogas, logo, não há muita distinção entre os sujeitos. Em detrimento ao corpo social feudalista, no corpo industrial, há uma acentuada fragmentação do labor, em que homens e mulheres acabam por exercer funções agudamente distintas. Existem lavadeiras, mecânicos, operários, pedreiros, marceneiros, merchandisings, professores, comerciantes, etc., citando uma parcela ligeiramente pequena das profissões existentes nesse sodalismo e que, mediante essas profissões, ainda há uma fragmentação destas, originando várias subdivisões. Elucidando o anteriormente citado, entre os professores estão aqueles que lecionam Português, Ciências, Filosofia, Antropologia, Sociologia, Educação Física, etc. Para Émile Durkheim, esses corpos sociais são puramente aprimorados, e têm maior estágio de fragmentação profissional, o que gera a caracterização dos sujeitos distintos entre si. A secção do labor é, para o autor, um ingrediente social de impulsionamento da ascensão dos corpos sociais. Os ofícios sociais são primordiais para sua análise, logo, a Sociologia de Durkheim é alcunhada de “funcionalista”. Não obstante, para meditar mais sobre a fragmentação do labor, o autor criou outros preceitos fundamentais. Um deles é o conceito de fato social, primordial para a definição do que é peculiar ou não da Sociologia. Com a finalidade de gerar preceitos com uma maior robustez possível, Durkheim compreendia que o fato social era como uma coisa, um fato tão apreensível quanto qualquer componente ou unidade física ou biológica. Os fenômenos sociais seriam, mediante o supracitado, formas de cogitar, vivenciar e proceder que exercem uma coerção (força) externa sobre os sujeitos sodalísticos. Para o autor, o corpo social vinha antes que todos os sujeitos e procedera sobre os mesmos, caracterizando suas formas de ser. Com isso, um fato social poder-se-ia ser identificado com base nessa força ou coerção social compulsória a um único ou mais sujeitos. Como explana o supracitado texto, só poder-se-ia ser considerado um fato social, o acontecimento que nele contivesse: 1 Generalidade (que fosse identificado em todo o corpo social); 2 Exterioridade (que seja exterior à vontade dos sujeitos); e 3 Coercitividade (que apresente uma força externa aos sujeitos e que os molde em detrimento das vontades individuais). Logo, os estudos de Émile Durkheim, além de receber a alcunha de funcionalista, recebe também a consideração de uma Sociologia estruturalista, ao passo em que, a estrutura do corpo social designaria as atitudes dos sujeitos. Na sociedade contemporânea, alguns exemplos de fatos sociais são o direito, a educação, a fragmentação do labor, às crenças religiosas e crenças políticas de divergentes espectros, os esportes, etc. O próprio futebol, a exemplo, é considerado um fato social na medida em que ele se encontra presente em todo corpo social brasileiro. Nas três características para o futebol ser considerado um fato social, ele é exterior aos sujeitos, uma vez que para ele existir não depende da vontade dos sujeitos individuais. Também é coercitivo, uma vez que impõe um padrão esportivo aos sujeitos. Diante do antepasso texto, muitos infantes e juvenis desejam ser jogadores de futebol, esse “desejo” ou sonho pode ser entendido e elucidado como uma força externa, peculiarmente social. Diante de todo o supracitado texto, observemos que, na perspectiva de Durkheim, o estudo da sociedade (Sociologia) deve ter como finalidade ou fundamento o estudo dos fatos sociais antigos, modernos e contemporâneos. Aqueles fatos que não obtiverem as três características elaboradas por Durkheim (a saber: Generalidade, Exterioridade e Coercitividade) será considerados fatos de domínio das demais ciências existentes. Pois, para finalizar, Durkheim afirma que a Sociologia é a ciência que estuda os fatos sociais. -/- EXERCÍCIO DE FIXAÇÃO DO ASSUNTO: ÉMILE DURKHEIM: COESÃO E FATO SOCIAL PROF. Lic. e Tecg°. EMANUEL ISAQUE CORDEIRO DA SILVA SOCIOLOGIA GERAL II – 17 de Maio de 2019 TURMA: 2°__ -/- Estudante:____________________________________________________________ N°:__ -/- 1 Alicerçados pelo texto supra e pelas aulas ministradas, aclare a influência de Augusto Comte sobre os estudos e a Sociologia de Émile Durkheim. 2 Durkheim teve influência direta de Comte, nada obstante, ambos divergiram quanto ao estudo e o objeto de estudo da Sociologia. Debruçados sobre o texto e lembrados pelas aulas ministradas, cite as principais divergências entre os estudos desses franceses. 3 Quais termos se reduzem a Sociologia de Durkheim? Aclare esses termos em ideias da vida contemporânea na comunidade em que vive. 4 Atente às alíneas para elucidar, posteriormente, o que se pede: “a divisão do trabalho [...] seria uma condição de existência da sociedade. [...] Graças à divisão do trabalho [...] se garantiria a coesão social. (RODRIGUES. J. A. 2000). Analise o fragmento passado e elucide a essência da divisão do trabalho para a estruturação e organização da sociedade capitalista, bem como para os avanços nos estudos de Durkheim. 5 Aclare o impacto intensivo da Revolução Industrial para o desenvolvimento da sociedade capitalista europeia e para a geração da Sociologia do autor francês Durkheim. 6 Elucide a essência da Inglaterra da Revolução Industrial que foi considerada o país estopim do âmago central de estruturação dos sujeitos e da vida em sociedade. 7 Disserte acerca do impacto intensivo da Revolução Francesa sob as esferas políticas estruturantes do século XVIII. 8 Aclare a suma importância do crepúsculo do regime feudal durante a Revolução Francesa e, posteriormente, explique a vantagem socioeconômica e política da transição do sistema feudal para a hegemonia do sistema capitalista. 9 Amparados pelo texto supra e lembrados pelas aulas anteriores, defina o lema da Revolução Francesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Depois, elucide o impacto desse lema na sociedade do século XVIII. 10 As escolas eram controladas pela Igreja Católica, com a Revolução Francesa essas instituições de ensino passaram a ser administradas pelo Estado. Elucide as vantagens da transferência do poder sobre as escolas para o desenvolvimento do ensino e da sociedade. 11 Debruçados ante o exposto texto supra e pelas aulas ministradas, elucide as vantagens e as desvantagens da fragmentação do trabalho na sociedade dos séculos XVIII e XIX. 12 Aclare o termo dinâmica dupla. 13 Elucide o que seria a interdependência funcional para Durkheim e como esse termo impactaria a sociedade contemporânea do século XXI. 14 Aclare melhor o termo fato social e, posteriormente, Elucide os termos característicos de um fato social que são a generalidade, a exterioridade e a coercitividade. 15 cite exemplos contemporâneos de fatos sociais no Brasil. 16 Por que a Sociologia de Durkheim é alcunhada de funcionalista e de estruturalista? 17 Entre em embate com Durkheim e crie um novo objeto de estudo para a Sociologia além do alicerce dos fatos sociais. Lembre-se de embasar e fundamentar bem sua teoria, uma boa ideia é a exemplificação de sua teoria na vida pragmática dos indivíduos e como seu novo objeto de estudo impactaria as esferas políticas, sociais e econômicas. (Obs.: Caso crie uma boa tese alicerçada e bem fundamentada em fatos teóricos e práticos, a nota dessa questão valerá 25% do todo). 18 Como conclusão, debruçados sobre o texto introdutório, leio atentamente após todas as questões resolvidas, para um melhor entendimento profundo, e disserte sobre todas as ideias explanadas, expondo seu ponto de vista sobre o tema, isto é, se concorda ou não, sempre usando uma fundamentação que alicerce seu ponto de vista. (Mínimo – 25 linhas/Máximo – 55 linhas). -/- De coração, boa sorte! -/- . (shrink)
SOCIOLOGIA DO TRABALHO: O CONCEITO DO TRABALHO DA ANTIGUIDADE AO SÉCULO XVI -/- SOCIOLOGY OF WORK: THE CONCEPT OF WORK OF ANTIQUITY FROM TO THE XVI CENTURY -/- RESUMO -/- Ao longo da história da humanidade, o trabalho figurou-se em distintas posições na sociedade. Na Grécia antiga era um assunto pouco, ou quase nada, discutido entre os cidadãos. Pensadores renomados de tal época, como Platão e Aristóteles, deixaram a discussão do trabalho para um último plano. Após várias transformações sociais entre (...) diferentes eras e povos, o trabalho foi ganhando espaço nos debates entre os povos, como os caldeus, hebreus e romanos. O trabalho conferiu-se no escopo da discussão social. Na Idade Média, com Agostinho, Santo Aquino e outros o labor foi concebido como algo benéfico e divino. O que se via como algo “escravo” ao povo, transformou-se em necessidade e benevolência divina. -/- Palavras-chave: Conceito; Trabalho; História; Definição. -/- ABSTRACT -/- Throughout the history of mankind, work has figured itself in different positions in society. In ancient Greece it was a little matter, or almost nothing, discussed among the citizens. Renowned thinkers of such a time, like Plato and Aristotle, left the discussion of the work for a last plan. After several social transformations between different eras and peoples, work was gaining space in the debates among peoples, such as the Chaldeans, Hebrews and Romans. The work has taken place within the scope of social discussion. In the Middle Ages, with Augustine, Saint Aquinas and others the work was conceived as something beneficial and divine. What was seen as something “slave” to the people, became need and divine benevolence. -/- Keywords: Concept; Work; History; Definition. -/- BASES TEMÁTICAS DESSE TRABALHO -/- ➢ O trabalho é um conceito construído socialmente; -/- ➢ A modernidade trouxe consigo mudanças significativas quanto à valorização do trabalho; -/- ➢ A origem dos mercados de trabalho, juntamente com o surgimento do capitalismo, minimizou o trabalho como um mero emprego assalariado; -/- ➢ O trabalho, no entanto, apresenta múltiplas manifestações nas nossas sociedades. -/- 1. A VISÃO GREGA DE TRABALHO -/- Comecemos pelos gregos, uma civilização excitante que, durante muitos séculos antes de Cristo, já começava a elaborar riquíssimas reflexões sobre vários aspectos da vida humana. No entanto, surpreende aqueles de nós que já ler os primeiros filósofos gregos, como entre tantas análises rigorosas e “diálogos”, um elemento tão central na vida social dos povos, como o trabalho havia tido escassa repercussão. A explicação só faz sentido, justamente, ao analisar a valorização que esses grandes pensadores tinham acerca do nosso objeto de estudo que é o trabalho. Embora, como supracitado, os gregos não tivessem uma visão unânime sobre o trabalho, não é menos certo assinalar que para esta civilização o trabalho foi considerado um fato altamente desvalorizado. O trabalho, para eles, dado a sua vinculação com a dimensão de constrangimento e necessidades, limitava a liberdade dos indivíduos, condição indispensável para integrar o mundo da “pólis” na qualidade de cidadão. O homem livre realizava atividades absolutamente desinteressadas: a atividade intelectual (que não era considerada trabalho) fazia parte do ócio e da contemplação. O trabalho, reservado apenas aos escravos, como bem sinala Hopenhayn (1955), significava uma mera função produtiva. Portanto, o escravo passou a ser unicamente uma força de trabalho. Como tal, ele não tem personalidade e pertence ao seu mestre, como uma coisa entre muitas. Como objeto de propriedade, escapa ao pensamento antropológico que domina a filosofia sofista e socrática, porque para o cidadão grego falar de escravo não implica um sujeito pensante, senão uma coisa ou, no máximo, a força. Também escapa ao pensamento platônico, porque, como uma coisa, parece totalmente desvalorizado na construção idealista-dualista da realidade (HOPENHAYN, 1988. p. 23 – Tradução própria). -/- Três termos fundamentais que devemos recordar da tradição grega: -/- 1 – Ponos: penalidade, fadiga; -/- 2 – Banausia: trabalho mecânico, e -/- 3 – Ergon: realização. -/- Vejamos como essa noção de trabalho é construída como algo servil (ponos), ao qual uma visão positiva de lazer e contemplação foram contrastadas como uma atividade puramente humana e libertadora. As raízes do supracitado são encontradas no valor eticamente supremo da autarquia socrática. Segundo essa noção alcunhada por Sócrates (469-399 a.C.), todo aquele que trabalha está submetido tanto à matéria como aos homens para quem trabalha. Nessa medida, sua vida carece de autonomia e, portanto, de valor moral. Naturalmente, não só os escravos, mas também qualquer trabalhador dedicado a todos os tipos de tarefas manuais, foram desprezados por um pensamento helênico indubitavelmente aristocrático. Para Platão (427-347 a.C.), de origem aristocrática, descendente do último rei de Atenas e discípulo de Sócrates, a autarquia continua a ser perpetrada como um valor ético supremo e, em consonância com os interesses da aristocracia fundiária, afirmava que somente a agricultura evocava autêntica autonomia. Dessa forma, o pensamento platônico restringiu a participação política a escravos, comerciantes e artesãos. Todos eles têm em comum a dependência das condições materiais em que produzem e trocam mercadorias. O plano político estará intimamente relacionado ao econômico-trabalhista: somente quem é capaz de governar a si mesmo (e como sabemos, acontece com aqueles que não trabalham ou possuem terras), pode governar os outros. Somente a liberação total da prática mundana do trabalho abre as possibilidades de dedicar-se, como fez Platão, à contemplação (σχολή), à filosofia e às ciências, e por meio disso saber distinguir o bem do mal, o justo do injusto, o verdadeiro do falso. Quem poderia dedicar-se a tais “tarefas nobres”? Evidentemente, aqueles que não precisam fazer parte da população trabalhadora, isto é, a aristocracia. Esse sistema de governo aristocrático foi defendido, obviamente, por Platão. Em sua “A República” sinala que o governo perfeito é o aristocrático, e que a este se sucedem a timocracia (governo dos guerreiros), a oligarquia (dos ricos) e a democracia (“governo daqueles que amam o prazer, a mudança e a liberdade), que perece por seus excessos nas mãos de alguns homem audaz que se coloca à frente do povo para defender a democracia e “do tronco desses protetores do povo nasce o tirano”, dando origem à tirania.(2) Em seu diálogo “Político” podemos ler: Aqueles que possuem a si mesmos através da compra, e aqueles que podem ser chamados sem nenhuma discussão de escravos, não participam da arte real [...] E todos aqueles que são livres, se dedicam espontaneamente a atividades servis como as supracitadas, transportando e trocando produtos da agricultura e de outras artes; que nos mercados, indo de cidade em cidade por mar e terra, trocando dinheiro por outras coisas ou por dinheiro, o que chamamos de banqueiros, comerciantes, marinheiros e revendedores, poderão, por acaso, reivindicar para eles algo da ciência política? [...], mas também aqueles que estão dispostos a prestar serviços a todos por salários ou por subsídios, nunca os encontramos participantes na arte de governar [...] Como os chamaremos? Como você acabou de dizer agora: servidores, mas não governantes dos estados (PLATÃO, 1983. pp. 237-8 – adaptado). Esse estado ideal que Platão projetou em seus ensinamentos estava longe, a propósito, da democracia ateniense defendida por Péricles. De certa forma, Platão só confiava em uma elite no poder constituída por uns poucos (oligarquia) que não deveriam se render às tarefas servis da produção e circulação das riquezas. Para ele, as crianças aristocráticas deveriam ser selecionadas desde a infância, recebendo uma educação suficiente tanto em filosofia quanto nas “artes da guerra”. Aos trinta anos, eles já seriam capazes de passar por um exame donde seriam selecionados os “filósofos-reis” encarregados do governo. De fato, no entanto, suas concepções de governo nunca poderiam ser executadas com pureza; ou pela chamada “contrarrevolução aristocrática”, ou pela invasão estrangeira subsequente. Essa visão do trabalho que estamos a analisar, como bem sinala Henri Arvon (1914- 1992), conduz a uma sociedade basicamente conservadora e estancada no produtivo. (3) A ideia de liberdade, ócio e contemplação como valores superiores, propõe um desprezo pelo trabalho que, como vimos, é uma atividade puramente transformadora. Há aqueles que, mediante tal contestação, arriscam fundamentar que grande parte do subdesenvolvimento tecnológico na Grécia derive justamente a essa cultura tão peculiar em relação ao trabalho. Caso contrário, se houvesse escravos, por que avançar em conhecimentos que facilitaram o trabalho? Não nos surpreende, nesse sentido, que uma civilização capaz de criar conhecimentos espetaculares em áreas particularmente complexas como a geometria (Euclides), por outro lado, não soubesse (ou não gostaria) de avançar em conhecimentos técnicos aplicáveis ao campo econômico-trabalhista. Já vimos como a cidadania era o escopo da de alguns aristocratas da civilização helênica. Hannah Arendt (1906-1975) sinalava que os gregos distinguiam entre os escravos, os inimigos vencidos (dmôes ou douloi) que estavam encarregados do trabalho doméstico, e os demiourgoi, homens livres para se deslocarem do domínio privado para o público. Somente depois do século V, sinala Arendt, a pólis começou a classificar as ocupações de acordo com os esforços que eles exigiam. Nisso, Aristóteles (384-322 a.C.) teve que desempenhar um papel preponderante que colocou aqueles cujo “corpo está mais deformado” na faixa mais baixa. Ele não admitiria, portanto, aos estrangeiros (os escravos), nem tampouco aos banausoi, antes dos demiourgoi, trabalhadores e artesãos que deviam resignar-se ao mundo dos “oikos”. Estes, não só estavam submetidos à necessidade como eram incapazes de ser livres, mas também incapazes de governar a parte “animal” do seu ser (República, 590). Serão eles, não obstante, aqueles que permitem o florescimento da chamada democracia helênica, pois, quem senão os trabalhadores (escravos ou artesãos) poderia manter com seu esforço o ócio e a contemplação dos “homens livres”, cidadãos do mundo? Como foi supracitado, será Aristóteles quem delimitará ainda mais os direitos de cidadania. Sua cidade ideal, como em Platão, diferenciaria os governantes dos governados. O primeiro, constituído pela classe militar, estadistas, magistrados e sacerdócio. O segundo, pelos agricultores, artesãos e os camponeses. Com os comerciantes há uma certa ambivalência: embora ele considerava uma ocupação antinatural, estava disposto a admiti-los até certo ponto em sua cidade ideal, cuja base seguiria sendo a escravidão. Em sua Política, ele explana: A cidade mais perfeita não fará do trabalhador manual (artesão) um cidadão. Caso o admitir como tal, a definição de virtude cívica [...] não alcança todos os cidadãos, nem apenas os homens livres, mas só os que estão isentos de trabalhos indispensáveis à sobrevivência. Destes, os que estão a serviço de um só indivíduo, são escravos; os que servem a comunidade, são trabalhadores manuais (artesãos) ou trabalhadores não qualificados (ARISTÓTELES, 1998. p. 203). Tampouco compreenderá os agricultores como reivindicava Platão: “Tampouco deverão ser agricultores os futuros cidadãos, pois para a formação de sua virtude e para a atividade política, o ócio é necessário”. Essa prolifera discussão ocorreu em uma civilização onde começaram a surgir as primeiras mudanças produtivas derivadas do crescimento econômico feito do descobrimento do ferro, e sua posterior divisão do trabalho, onde florescem os grupos de comerciantes e a aristocracia proprietária de terras começa a dominar. Os pensadores da época, mais aliados a estes últimos, contrariavam os princípios da acumulação comercial. Em sua Política, Aristóteles aconselha os cidadãos a absterem-se de qualquer profissão mecânica e de toda especulação mercantil. O primeiro, porque limita intelectualmente, e o segundo, porque degrada o ético. Somente o ócio (scholé), para esses pensadores, permite a virtuosidade e a capacidade de julgar. A Koinonia politiké (comunidade dos homens livres) era típica daqueles que não precisavam de trabalho, relegando a população trabalhadora ao mero âmbito da reprodução material (chrematistiké), o que só era possível em um contexto de alta divisão do trabalho onde um grupo minoritário (oligarquia) vivia à custa do trabalho da maioria (muitos deles escravos). O termo “ócio” provém de “scholé”, entendido entre os gregos como tempo para si mesmo, para a contemplação (sjolé) e, portanto, para a formação (scholé = escola). Desse ponto de vista, o ócio para os gregos é um fim em si mesmo. Entre os romanos, no entanto, adquire outra conotação. Em latim octium, designa o campo contraposto ao neo-octium (negócio), ou seja, é o tempo de descanso que permite dedicar-se ao negócio. Tal visão sobre o trabalho e o ócio, respectivamente, não foi, no entanto, como supracitado no início, unanimemente desenvolvida em toda a história da civilização helênica. Os textos de Homero(4) (séculos IX e VIII a.C.) são mais reservados a respeito, mas acima de tudo, na Grécia antiga encontramos autores como Hesíodo (século VIII), que postulavam outras teses. Para o autor de “Os trabalhos e os dias”, o trabalho se constituía em um justo e necessário castigo que Zeus impôs aos homens pelo pecado de Prometeu. Note a similitude com a crença bíblica que veremos adiante. Hesíodo explana: Lembre-se sempre do meu conselho e trabalhe [...] os deuses e os homens se indignam com quem ocioso vive, semelhante em caráter aos zangões sem ferrão, que consomem o esforço das abelhas [...] O trabalho não é nenhuma desonra; desonra é não trabalhar (HESÍODO, 2012. p. 93 e 95). Também entre alguns sofistas (aqueles que vendiam sua sabedoria a quem gostaria de comprá-la), como Protágoras (século V a.C.), “o primeiro e o maior deles”(5), coloca o estudo e a arte (técnica) na mesma faixa, e Antifonte (século V a.C.) disse: “[...] e as honras e preços, e toda a espécie de encorajamento que Deus incumbiu aos homens, devem necessariamente resultar de fadiga e suor”. Como conviveu a cultura grega com essas noções tão diferentes? Tenho a ideia, juntamente com Hopenhayn, que o desprezo dos pensadores gregos pelo manual foi causado pela violência dos guerreiros e dos aristocratas de plantão, que impuseram aos seja derrotados o jugo. Do trabalho árduo e difícil. Porque a aristocracia queria trabalhar nessas condições? A própria divisão do trabalho em si possibilitou o crescimento da civilização helênica, estava gerando diferentes classes com visões distintas sobre o trabalho. Por outro lado, surgiram os camponeses pobres, os derrotados e aqueles que tinham que viver do trabalho artesanal. Essas pessoas, na maioria das vezes isoladas do mundo da “polis”, gerariam suas próprias leituras dos acontecimentos, seus próprios espaços para o desenvolvimento cultural, inclusive sua própria religião, distante daquela imposta pela visão aristocrática, olímpica, contemplativa e estética dos “homens livres”. -/- 2. A VISÃO DOS CALDEUS ACERCA DO TRABALHO -/- A leitura de outros povos e civilizações sobre este tema tem sido diferente. Entre os caldeus, por exemplo, a visão pejorativa analisada entre os gregos não é registrada. Nas escrituras sagradas da religião de Zaratustra (o Avesta), lemos: “É um santo aquele que constrói uma casa, na qual mantém o fogo, o gado, sua mulher, seus filhos, os bons párias. Aquele que faz a terra produzir trigo, que cultiva os frutos do campo, cultiva corretamente a pureza” (HOPENHAYN, 1988. p. 35). Para os caldeus, como se pode observar, o trabalho implica, de uma posição diametralmente oposta à helênica, uma contribuição na ordem econômica, mas também na espiritual. Trabalhar não é só “cultivar o trigo” (dimensão das necessidades fisiológicas), mas também “cultivar a pureza”, dimensão esta, relacionada com a satisfação das necessidades espirituais. Por que apreciamos uma diferença tão acentuada entre essas culturas? Provavelmente, os diferentes graus de desenvolvimento dos povos levaram a isso. Enquanto entre os gregos primava uma divisão do trabalho, onde alguns tinham o status de “homens livres” dedicados à contemplação e ao ócio, outros não tinham escolha a não ser trabalhar, em uma situação de domínio em relação às naturezas daqueles que o empregaram. Esse não foi o caso dos caldeus, que possuía um escasso dividido trabalho, em que a todos se correspondia uma atividade laboriosa. -/- 3. A VISÃO DOS HEBREUS SOBRE O TRABALHO -/- No meio do caminho entre os caldeus e os gregos, encontramos a avaliação do trabalho feita pelos hebreus, dessa vez, tingindo de ambivalências. Tal como ponderava Hesíodo entre os gregos, para os hebreus, o trabalho se constituía de um mal necessário; em um meio para expiar os pecados; dessa vez não de Prometeu, mas de Adão e Eva. Vamos ver, no entanto, alguns aspectos mais complexos. A primeira coisa a se notar da perspectiva hebraica (compartilhada com o cristianismo) é o que se resulta da leitura do livro de Gênesis, aquela história poética e cheia de imagens para elucidar facilmente a origem da criação. Lá se estabelece a ideia de um deus criador-trabalhador: “No princípio Deus criou o céu e a terra [...] No sétimo dia Deus já havia concluído a obra que realizara, e nesse dia descansou [...] de toda a obra que realizara na criação”.(7) Esse Deus como primeira causa (São Tomás de Aquino (1225-1274)) denota laboriosidade seu correspondente descanso, um binômio que será fundamental para compreender a evolução do direito do trabalho e do direito ao descanso semanal contemporâneo. Digamos, em segundo lugar, que o Senhor Deus providenciou o trabalho no Éden: “O Senhor Deus colocou o homem no jardim do Éden para cuidar dele e cultivá-lo”.(8) Portanto, não é certa a ideia de que o trabalho é o resultado do pecado: ao contrário, é um trabalho árduo aquele que deriva do pecado segundo a tradição hebraico-cristã. Antes, na ausência do pecado, havia uma espécie de bom trabalho. Foi o pecado original, que levou Deus a condenar Adão e Eva, e por isso a toda a humanidade, a “ganhar o pão com o suor da sua testa”. “Por isso o Senhor Deus o mandou embora do jardim do Éden para cultivar o solo do qual fora tirado”. (9) O Talmude diz: “Se o homem não encontra seu alimento como animais e pássaros, precisa ganhá-los, isso se deve ao pecado”. Essa sentença, de caráter histórico, promove a ideia de trabalho como meio para expiar o pecado original, mas também como meio para produzir; isto é, legitimando a mudança inerente a todo trabalho e, portanto, legitimando também aquela vontade transformadora que caracterizou desde sempre os povos hebreus.(10) Agora, ao contrário dos caldeus, para os hebreus da antiguidade, o trabalho nunca teve um fim ético em si mesmo, mas foi constituído apenas como um meio. Essa visão esteve sempre presente, e caracteriza muito claramente a concepção que muitos integrantes de nossas sociedades contemporâneas possuem sobre o trabalho, além da religião de cada um. -/- 4. OS ROMANOS E O TRABALHO -/- Os romanos, por sua vez, deram uma importante contribuição para o desenvolvimento do conceito de trabalho. Se bem que, a grosso modo, não houvesse grandes diferenças com o pensamento dos gregos, com quem eles tinham em comum, além disso, uma maior divisão do trabalho fruto do desenvolvimento econômico e o uso massivo de mão de obra escrava(11); a maior contribuição do ponto de vista de sua originalidade histórica estava presente na tradição jurídica que inauguraria o Império Romano. O maior impacto por meios jurídicos e não filosóficos é explicado pelo fato de que os romanos, ao contrário dos gregos, não conseguiram “inspirar” a produção de grandes pensadores sociais. Com efeito, para os romanos, como o escravo não era considerado uma pessoa, o viam-no desprovido de personalidade jurídica. Isso conduziu a negação da relação de trabalho entre a pessoa encarregada de um trabalho manual (escravo) e seu dono. Tal relação correspondia, acima de tudo, ao direito de propriedade que os juristas romanos haviam garantido quase sem limites para seus cidadãos. O problema, como aponta Hopenhayn, surgiu quando o proprietário não ocupa seu escravo, mas aluga-o para terceiros. Surge assim a figura do arrendamento de serviços, que deriva do arrendamento das coisas. Porém, como na realidade o que se alugava era a força de trabalho, a qualidade jurídica desloca-se para a atividade realizada pelo escravo. Dessa forma, a atividade do trabalhador, primeiro do escravo, posteriormente do homem livre, começa a ser tratada como uma coisa, e se converte em antecedente do arrendamento de serviços do Direito Civil moderno. Ademais, na tradição romana, o trabalho manual estava desprestigiado. Cícero (106-43 a.C.) em De Officiis, estabeleceu com fria claridade “ipsa merces est auctoramentum servitius”(12) (todo trabalho assalariado é trabalho escravo). A vida era difícil para esses trabalhadores: nos territórios sob domínio romano, Augusto (63-14 a.C.) tinha imposto um tributo à todos os homens que exerciam algum tipo de trabalho manual, além do imposto à residência, às valas e outros mais particulares como o imposto para a detenção de porcos. Certamente, aqueles que levaram a pior parte no tempo da Roma Imperial foram os escravos (servi) sob domínio e propriedade de seus donos (domini). Me seus tempos de auge, a demanda de escravos em Roma era de 500.000 ao ano. Se compararmos com os 60.000 escravos negros trazidos a América nos anos de maior tráfico, teremos uma ideia mais ou menos exata da magnitude desse triste fenômeno. -/- 5. O CRISTIANISMO E O TRABALHO -/- As mensagens do cristianismo primitivo, são inseridas logo, nesse tempo histórico, onde Roma se tornava o centro das maiores mobilizações de rebeldia da antiguidade. Isaías, nesse sentido, proclamaria que o Messias viria: “[...] a pregar boas novas aos abatidos, a vendar aos quebrantados de coração, a publicar liberdade aos cativos, e aos presos a abertura do cárcere”.(13) Jesus, efetivamente, incluiu em sua missão, mensagens de libertação aos pobres e oprimidos. Porém, ao contrário do supracitado, como bem sinala Eric Roll (1907-2005), dos antigos profetas hebreus, não o faria saudando as comunidades tribais com seu espírito de grupo; mas animado por uma mensagem mais universal e permanente, proclamando uma mudança mais completa e integral na conduta do homem em sociedade, onde os valores de justiça e amor se colocariam em um primeiro plano. Evidentemente, a mensagem do cristianismo primitivo, e mais concretamente de Cristo, distava muito dos filósofos gregos. Deixemos que Roll explique: Temos visto que as doutrinas econômicas de Platão e, em certa medida, de Aristóteles, nasciam da aversão aristocrática ao desenvolvimento do comercialismo e da democracia. Seus ataques contra os males que acarreta o afã de acumular as riquezas são reacionárias: olham para trás, e o de Cristo olha para frente, pois exige uma mudança total, mas relações humanas. Aqueles sonhavam com um estado ideal destinado a proporcionar a “boa vida” para os cidadãos livres unicamente e cujas fronteiras eram as da cidade-estado daquele tempo; Cristo pretendeu falar por todos e para todos os homens. Platão e Aristóteles haviam justificado a escravidão; os ensinamentos de Cristo sobre a fraternidade entre todos os homens e o amor universal eram incompatíveis com a ideia da escravidão, apesar das opiniões expostas depois por São Tomás de Aquino. Os filósofos gregos, interessados somente pelos cidadãos, sustentaram opiniões muito rígidas sobre a diferente dignidade das classes de trabalho, e consideravam as ocupações servis, com exceção da agricultura, como próprias apenas para os escravos. Cristo, ao dirigir-se aos trabalhadores de seu tempo, proclamou pela primeira vez a dignidade de todas as classes de trabalho, assim materiais como espirituais (1942. p. 42 – Tradução própria). Não pode escapar desse estudo, o fato de que o próprio Jesus Cristo herdou o ofício de carpinteiro de seu “Pai” José; e que escolheu seus discípulos entre os pescadores e artesãos da região. Essa visão primitiva do cristianismo, no entanto, deve ser analisada no quadro das escrituras sagradas do Antigo Testamento que compartilha com a cultura (e obviamente a religião) hebraica. Nesse sentido, o trabalho não deixa de ser um meio, descartando-se como um fim em si mesmo. Mas, agora atribuindo-lhe um novo valor, sempre em tento um meio para um fim virtuoso: o trabalho será fundamental para permitir a satisfação das necessidades de cada um, mas também seus frutos, deverão ser inseridos em uma dimensão comunitária, onde o “próximo” necessitado esperará a contribuição fraterna e solidária do cristão. O trabalho, nessa perspectiva, não só possibilita o “tomar”, mas também o “dar”. Em relação a dupla perspectiva, é onde podemos entender a crítica do cristianismo a acumulação da riqueza. Como aponta o evangelista Mateus, “acumular o tesouro no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde os ladrões não perfuram nem roubam. Onde está o seu tesouro está seu coração”. (14) Com São Paulo se incorpora um novo componente valioso: a obrigatoriedade moral do trabalho. Em sua carta aos Tessalonicenses dita claramente “ao que não trabalha que não coma”. Diz São Paulo: Vocês sabem em que forma têm que nos imitar: nós trabalhamos enquanto estivemos entre vocês, não pedimos a ninguém um pão que não teríamos ganhado, senão que, de noite e dia, trabalhamos duramente até nos cansarmos, para não ser carga para nenhum de vocês [...] Além disso, quando estávamos com vocês lhes demos está regra: se alguém não quiser trabalhar, não coma. Mas agora ouvimos que há entre vocês alguns que vivem sem nenhuma disciplina e não fazem nada, muito ocupados em meter-se em tudo. A estes lhes mandamos e lhes rogamos, por Cristo Jesus, nosso Senhor, que trabalhem tranquilos para ganhar a vida (II Tes. 3:10). Essa frase, entendida somente no contexto de uma sociedade donde não existia um conceito de desemprego tal como entendemos atualmente, é curiosamente reproduzida pelo modelo soviético em pleno século XX. Com efeito, a Constituição da União Soviética estabeleceu em seu Artigo 12: “O trabalho é, na Rússia, uma questão de dever e de honra para todo cidadão fisicamente capaz. Essa obrigação é baseada no princípio: “quem não trabalha não come”. (15)(16) Para São Paulo, o trabalho deve ser o meio para ganhar a vida. Ele quis ser exemplo e enquanto pregava continuava trabalhando, presumivelmente como tecelão de tendas. A obrigatoriedade moral se aplica na medida em que a pessoa está em condições de o fazer. Para os incapacitados a fazê-lo (idosos, crianças, deficientes, doentes, acidentados etc.) existia a obrigatoriedade do socorro segundo a máxima do amor (ágape) ao próximo. Essas sentenças morais têm hoje em dia uma importante quota de explicação para com as contemporâneas políticas sociais. -/- 6. O TRABALHO NA IDADE MÉDIA -/- A Idade Média, período que ocupa desde o crepúsculo do Império Romano do Ocidente no século V pelos bárbaros, até o século XV, com a queda de Constantinopla, evidentemente mostra um conjunto importante de escolas e pensadores que marcaram pautas importantes para discernir o valor do trabalho nas diferentes culturas. A organização econômica mais visível nestes mil anos, onde operou o trabalho, consistia em extensões grandes de latifúndios errados do Império Romano (o sistema econômico denominado feudalismo), onde (mediante a falta de escravos) recorreu-se à mão de obra camponesa para o trabalho. O sistema, implicava o arrendamento de parte dessas terras a ex-escravos ou homens livres, em troca de uma renda em dinheiro e espécies, além do cultivo das próprias terras senhoriais. Por certo, a figura do servo não distava muito da do escravo se tivermos em conta as condições de funcionamento do contrato de trabalho. O comércio também teve seu lugar no sistema feudal, o mesmo adquiriu grande importância em certas regiões ou lugares, à exemplo de Constantinopla. A atividade econômica seguia seu rumo na história, e depois dos séculos IX e X, o crescimento das forças produtivas deu lugar a uma maior acumulação por parte de componentes e artesãos e, por certo, a uma maior apropriação de excedentes por parte do Senhor feudal. Essa situação foi ativante para a construção dos primeiros Burgos ou cidades, onde o comércio e a indústria artesanal teriam um marco mais adequado para o seu desenvolvimento. Essa é a etapa do nascimento dos primeiros grêmios corporativos (17). Então para o século XII, a estrutura feudal começa a desmoronar porque a produção de determinados bens começa a ser mais eficiente em cidades e não no feudo. O dinheiro, então, passou a ganhar maior peso que a terra, o que obriga os senhores feudais a aumentar seus rendimentos. Isso leva a um empobrecimento lógico dos camponeses, o que não dura muito, porque na primeira metade do século XIV, a maior parte dos servos alcança sua liberdade. Por sua vez, nessa apertada síntese da história econômica da Idade Média, devemos assinalar que pelo século XIV, e depois das Cruzadas e o posterior desenvolvimento do comércio internacional entre os impérios arábico e bizantino, inaugura-se uma etapa pré-capitalista que durará três séculos. É lá que se levanta mais energética a voz de alguns homens da Igreja contra a tendência à exaltação da riqueza já começava a avivar-se na Europa. São Tomás de Aquino, nesse sentido, não considerará ao comércio pré-capitalista bom ou natural. No entanto, ele o julgava inevitável uma vez que era o meio ao qual o comerciante tinha que manter a sua família. Dessa forma, os lucros do comércio não era outra coisa senão o fruto do trabalho. Se tratava, então, de colocar o acento na justiça da mudança efetuada, para o qual Aquino recorre a Aristóteles, cuja análise sobre o valor de mudança é figurado no seu estudo da Justiça. Muitos padres da Igreja, desde então, pretenderam formular um conceito de “preço justo”. Nesse sentido, o Cristianismo apresenta uma evolução do seu pensamento sobre o comércio que partia de uma visão absolutamente contrária ao começo da Idade Média (Santo Agostinho (354-430), São Jerônimo (347-420) etc.), a outra mais transacionável, que acompanhou, sobretudo, o pensamento de Aquino. Algo similar ocorreu com outro dos “preceitos” da Igreja em matéria econômica: a usura. Esta era considerada pela igreja como a melhor forma de obter lucro. O mesmo evangelista Lucas (século I d.C.) foi categórico ao rejeitar essa linha de operações. A lei hebraica também fez isso, e podemos encontrar no livro do Êxodo (22,25) tal proibição a respeito. Mais atrás no tempo, há antecedentes de condenação à usura entre os hindus (Rigveda, cerca de 1500 a.C.) e budistas (século VI d.C.), além do Islã mais próximo do nosso tempo (século VI d.C.). Ao princípio da Idade Média, como testemunha Roll, a proibição somente alcançava a Igreja, já que o escasso desenvolvimento mercantil não merecia outra coisa. No final da Idade Média, no entanto, que a situação é outra; e a prática secular foi orientada no sentido de promover o empréstimo de dinheiro cobrando por isso um juro. Alarmada ante esses fatos, a Igreja condena mais uma vez a usura no Terceiro Concílio de Latrão de 1179. No mesmo escreveu e ensinou São Tomé (século I d.C.) e outros discípulos da Igreja. No entanto, as práticas econômicas foram minando a autoridade eclesial e está terminou, através de sucessivas etapas, por aceitar, em certas condições e sob certas circunstâncias, a cobrança de juros sobre a concessão de um empréstimo. Em tal sentido, um dos autores mais representativos só início da Idade Média foi Santo Agostinho. Foi este um dos pilares, em seu tempo, das noções “anticapitalistas” que foram seguidas e complementadas por homens do tamanho de São João (347-407), São Ambrósio (340-397), São Clemente (150-215), São Cipriano (200-258) entre outros. (18) Santo Agostinho valoriza o trabalho recordando em tal sentido a São Paulo, a que cita com muita frequência em seus textos. Segundo o Bispo de Hipona, todo trabalho manual é bom pelas razões dadas pelo cristianismo primitivo. Concilia, além disso, seu dualismo platônico, ao sustentar que enquanto o homem trabalha tem a alma livre, de modo que é perfeitamente compatível pensar em Deus ao mesmo tempo em que se trabalha. Essa particular sintonia entre o trabalho e a oração foi perfeitamente posta a prova pelos monges beneditinos, cujo lema “Ora Et Labora” (orar e trabalhar) é paradigmático. “Trabalha e não desesperes” dizia seu fundador, São Bento de Núrsia (480-547), de seus monastérios distribuídos em um primeiro momento a Subiaco, no início do século VI. Também corresponde a São Bento uma sentença que perdura até o dia de hoje no imaginário moral sobre o trabalho: “Otiositas inimica est animae” (a ociosidade é inimiga da alma), tal qual diz uma expressão popular castelhana: “el ocio es la madre de todos los vicios” (o ócio é a mãe de todos os vícios). Tomás de Aquino, alguns séculos depois, continua a reflexão sobre o trabalho e estabelece uma hierarquia de profissões, onde localiza o trabalho agrícola e artesanal acima do comercial. Uma quota de originalidade na história do pensamento sobre o trabalho consistiu em considerá-lo como uma obrigação somente se necessário para subsistir; ou dito de outra maneira: quem não tem necessidade de trabalhar não tem que fazê-lo. Isso sim, à falta de trabalho, devia dedicar-se à oração e contemplação divina, atividades por certo mais elevadas para o autor da Suma Teológica. Logo, considerará que Deus é a causa primária, a que tudo deve a sua existência; por derivação, o homem é causa segunda, procurando atreves do trabalho “criar” em suas dimensões humanas. “Entre todas as formas com que a criatura humana tenta realizar a semelhança divina, não há outra de relevo mais destacado que a de trabalhar, isto é, ser em o mundo causa novos efeitos”, disse o Santo. (19) Aquino, além disso, utilizando categorias platônicas, hierarquiza o trabalho, considerando o intelectual acima do manual. Chama “artes servis” a estes últimos, enquanto que o trabalho intelectual corresponde ao conjunto das “artes liberais”, dignas de maior remuneração ao fazer uso da inteligência. Esta distinção própria da Escolástica, dá lugar à divisão clássica entre as 7 artes liberais: o Trívium (gramática, retórica e dialética) e quadrivium (astronomia, geometria, aritmética e música). Outras contribuições de São Aquino têm a ver com sua posição diante do trabalho agrícola ao qual o considera como o melhor meio para assegurar a subsistência de um povo; a maior importância dada à vida contemplativa sobre a ativa, embora considerando a primeira como “laboriosa”; sua posição sobre a escravidão, que não considerava como natural, no entanto, entendê-la “útil”(20); e sua interpretação sobre o contrato de trabalho: neste, o operário não vende a si mesmo, nem seu corpo, nem sua inteligência, nem sequer sua faculdade de trabalho. Isso significa que o Direito Natural proíbe considerar o trabalho como um objeto de mudança. Propõe, em vez disso, considerar o contrato como um arrendamento de serviço. Em termos gerais, a valorização que sobre o trabalho se realiza na Idade Média, rebaixando ao trabalho manual em relação a outras tarefas, fica explícita na divisão tripartida que recorre, entre outros, Adalberão Bispo de Laon (947-1030): “Triplex Dei ergo domus est quae Creditor uma nunca oran, alii pugnat, Aliique laborant” (ternária é a casa do Senhor e não uma: aqui sobre a terra uns oram, outros lutam e outros trabalham). Não gostaria de deixar passar por alto, finalmente, entre os movimentos originados na Idade Média, a contribuição que sobre o tema do trabalho teve a ordem franciscana. Essa, contra o que muitos podem crer, é uma ordem não mendicante no sentido estrito, mas sim trabalhadora e de pobreza. São Francisco de Assis (1181/82-1226), no final do século XII, marcaria como ninguém dentro do cristianismo, uma vida ascética baseada no trabalho e na pobreza. Inclui, além disso, um elemento pela primeira vez descoberto na cultura europeia: o sentido da alegria que acompanha o trabalho. “Essa condição de 'suor de sua testa' com 'a alegria de seu coração' outorga ao trabalho uma condição diferenciada”. Avançando então na história da humanidade, entramos na época moderna, caracterizada por cinco grandes eventos: -/- 1. A decadência do poder moral da Igreja e o enfraquecimento de seu poder econômico frente ao da crescente burguesia; -/- 2. O renascimento intelectual e artístico; -/- 3. As viagens paras as índias e a descoberta da América; -/- 4. A formação e a constituição dos Estados-nação; -/- 5. As reformas religiosas de Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564). -/- Nesse contexto, os séculos XV e XVI mostraram como o mercantilismo ia avançando apesar dos esforços de alguns pensadores da Igreja que eventualmente perderam o pulso diante do desenrolar dos acontecimentos. Sucessivas encíclicas papais terminaram por legitimar o interesse nos empréstimos e, por meio desta, levou-se a maior acumulação de riquezas por parte dos banqueiros. Esse foi o meio ideal para o desenvolvimento da atividade do mercador, para quem, o trabalho passou a ser considerado um meio para obter sucesso. Ao dinamizar-se a atividade econômica e mercantil, a visão humanista do trabalho começa a perder valor, realçando-se ao mesmo como um simples meio para fins de enriquecimento. Talvez a exceção a essa noção estendida entre os novos atores tenha sido a proporcionada pelo humanismo renascentista. Para Campanella (1568-1639), por exemplo, sua “Cidade solar”, não existe o divórcio entre trabalho manual e intelectual, isso quando o segundo começa a ser supervalorizado por sua ação no plano das invenções e das novas técnicas.(22) Na mesma linha se situa Thomas More (1478-1535), o autor de “Utopia”, outra reação do cristianismo às projeções que estava adquirindo o cada vez mais influente mercantilismo. Embora o trabalho não seja considerado como um mau, pelo contrário, apresenta características humanizadoras, é sugestivo comprovar como em Utopia a jornada do trabalho não supera as seis horas diárias e na Cidade solar não se devia trabalhar mais que quatro horas. Indubitavelmente, essas versões de sociedades ideais terminariam por impactar sobre maneira a constituição das Missões Jesuítas na América do Sul; e as Franciscanas na Baixa Califórnia. É o Renascimento, o lugar propício, além disso, para renovar o conceito da virtuosidade, agora traduzida na figura do empresário ou financista audacioso e empreendedor. Essa linha foi reforçada logo por Calvino, para quem os negócios são um bom serviço a Deus, e a riqueza não é mais que um fruto de uma vida dedicada ao trabalho desde uma perspectiva ética que analisarei com Weber mais tarde, mas que confere ao trabalho a particularidade de ser um caminho para o sucesso. Esse puritanismo impulsionou sobremaneira a versão do “homo economicus” que mais tarde, em pleno auge do capitalismo pós-industrial, ao qual, segundo Daniel Bell (1919-2011), fora substituído pelos valores hedonistas. -/- REFERENCIAL TEÓRICO AGOSTINHO. Cidade de Deus: contra os pagãos. Trad. O. P. Leme. 2ª ed. Bragança Paulista: Editora Universitária, 2008. (Col. Pensamento humano). _____________. O livre-arbítrio. Trad. N. A. Oliveira. 1ª ed. São Paulo: Paulus, 1995. AQUINO, T. de. Suma Teológica. 2ª ed. 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Se vivemos juntos apenas porque temos direitos e para termos mais direitos, então não temos nenhum motivo para imaginar uma salvação comum: a salvação não está no comum, mas no próprio. Por oposição ao Direito (em inglês, Law) que, impondo-se a todos de cima para baixo, normatiza objetivamente as relações entre cidadãos, há agora o império crescente dos direitos subjetivos (em inglês, rights) reivindicações particulares que tentam impor-se a todos de baixo para cima. Esses direitos costumam ser descritos como sendo (...) de dois tipos ou duas gerações. De um lado, há, ou houve em um primeiro momento depois da Revolução Francesa, o reconhecimento dos direitos-liberdades (direitos de fazer alguma coisa: ir e vir, associar-se, reunir-se, manifestar opiniões, praticar uma religião etc.); de outro lado, há, ou houve em um segundo momento depois da Segunda Guerra Mundial, os direitos sociais, os chamados direitos-créditos, os direitos ao beneficio de certa prestação da parte de um poder público (direitos a alguma coisa: educação, saúde, trabalho etc.). Eles se fundamentam em dois sentidos opostos da ideia de direitos. Os direitos-liberdades definem um território de igual independência de todos e cada um com relação às ingerências do poder público; os direitos-créditos definem um horizonte de expectativa de todos e cada um com relação às ações desse mesmo poder público. De um lado, impedem o Estado de agir em certas esferas de ação dos indivíduos; de outro, obrigam o Estado a agir em certas esferas a favor dos indivíduos. No entanto, do ponto de vista da perda do ideal de uma salvação comum, estes e aqueles vão no mesmo sentido. Tornamo-nos duplamente liberais. Liberais porque apreciamos viver em uma sociedade de liberdade igual, assegurando por direitos negativos a esfera de autonomia de cada um de nós. Liberais porque, gostando ou não, vivemos em uma sociedade de mercado e esperamos ações do Estado que corrijam os efeitos das desigualdades econômica e social gerados por esse sistema. Queremos um Estado que nos faça menos desiguais e ao mesmo tempo garanta nossa independência dele e dos outros. A demanda preocupada de menos injustiça substituiu mais uma vez a vontade do Bem. Em todos os lugares do mundo onde essas duas condições da autonomia individual (liberdades fundamentais e prestações sociais) não são satisfeitas, os povos aspiram a elas. Em muitos casos, a Cidade ideal desses povos é semelhante à nossa pobre Cidade real, que, no entanto, não nos satisfaz. Não tentamos mais nos realizar por e na comunidade política e não aspiramos mais a nos fundir nela. O que esperamos do Estado é que nos permita viver sem ele. É pelo fato de não acreditarmos mais no político que nossos sonhos tomam a forma lúcida e prosaica de demanda sem fim de novos direitos individuais. E pelo fato de não acreditarmos mais na Cidade justa, na Cidade e na Justiça, que multiplicamos os focos de reivindicação. Queremos não só mais direitos de (fazer) e mais direitos a (serviços), como queremos esses direitos a outros seres além de nós. Assim, há dois movimentos paralelos: de um lado, uma multiplicação de tipos de direitos (liberdades, mas sobretudo créditos); de outro, uma proliferação de detentores de direitos; em última instância, todo grupo de interesses real ou supostamente real é considerado um detentor de direitos. Em vez de ser outro nome para a igualdade de todos — o que eram originalmente —, os direitos se tornaram sinônimo de interesses particulares. Contra as desigualdades entre homens e mulheres, reivindicamos paradoxalmente os "direitos das mulheres"; contra os maus-tratos e a carência de educação, apelamos aos "direitos da criança"; contra as discriminações, defendemos os "direitos dos homossexuais"; contra a medicina invasiva, exigimos respeito aos "direitos dos doentes"; contra as falhas dos transportes públicos, reivindicamos o reconhecimento dos "direitos dos usuários" etc. O "direito ao trabalho" é invocado tanto pelo desempregado que exige do poder público que lhe dê emprego quanto pelo não grevista que exige acesso ao seu posto de trabalho, contrapondo-se aos piquetes. Exigimos do Estado que reconheça o direito dos fumantes de fumar e o dos não fumantes de não ser expostos à fumaça, o dos não crentes de blasfemar e o dos crentes de não ser ofendidos; queremos que o Estado conceda aos solteiros o direito aos filhos, e às crianças, o direito "a um papai e a uma mamãe". E, finalmente, onde antes se impunham deveres morais ou normas jurídicas, hoje surgem inesperados beneficiários putativos de novos direitos: as culturas autóctones, os animais, os robôs, a Natureza, a biosfera, a Terra- mãe etc. — de tal forma a palavra "direito" se tornou mobilizadora e coligadora de energias em torno de uma causa, graças à sua extraordinária ambiguidade (Vantagem? Habilitação? Permissão? Privilégio? Não ingerência? Poder? Reivindicação? Imunidade?). Tudo isso, no fundo, é prazeroso e marca a vitória (para nossa infelicidade, geograficamente parcial e socialmente frágil) da autonomia individual sobre a onipotência dos Estados, as sociedades fechadas, as culturas fusionais ou os integrismos religiosos. Mas incita muito pouco a utopia e, menos ainda, a revolução. Cópia de: FRANCIS WOLFF. Três Utopias Contemporâneas. São Paulo: Unesp, 2018. (shrink)
Evaluative sentences (moral judgments, expressions of taste, epistemic modals) are relative to the speaker's standards. Lately, a phenomenon has challenged the traditional explanation of this relativity: whenever two speakers disagree over them they contradict each other without being at fault. Hence, it is thought that the correction of the assertions involved must be relative to an unprivileged standard not necessarily the speaker's. I will claim instead that so far, neither this nor any other proposal has provided an explanation of the (...) phenomenon. I will point out several problems presented by them and I will hint to how this phenomenon could be explained by making minor adjustments to our semantic theory. Sentenças avaliativas (julgamentos morais, expressões de gosto, modos epistêmicos) são relativas aos padrões do falante. Recentemente, um fenômeno desafiou a explicação tradicional dessa relatividade: sempre que dois falantes discordam entre si, eles contradizem um ao outro sem estarem errados. Por isso, pensa-se que a correção das asserções envolvidas deve ser relacionada a um padrão desprovido de privilégio e não necessariamente ao padrão do falante. Eu sustentarei, ao contrário, que até agora nem esta nem alguma outra proposta forneceu uma explicação do fenômeno. Eu assinalarei diversos problemas apresentados por essas propostas e sugerirei o modo como este fenômeno poderia ser explicado ao fazer pequenos ajustes em nossa teoria semântica. (shrink)
The paper addresses the issue of ethical obligations in the performance of musical works in the Western classical tradition, arguing that there are indeed such obligations, although they are not categorical. -/- PT: Na tradição clássica ocidental, as obras de arte musicais, teatrais e, até certo ponto, as coreografias, são criadas por artistas-autores, mas necessitam de ser executadas por intérpretes (instrumentistas, cantores e maestros, actores e encenadores, bailarinos, etc.). Estes são assim chamados porque existe sempre uma dose de descricionariedade, não (...) só nas suas decisões sobre o que as instruções inscritas na notação por parte do autor querem "realmente" dizer, como ainda acerca dos muitos aspectos necessária ou voluntariamente deixados em aberto por ele. Limitando-nos aos casos em que é evidente ou relativamente claro que o autor favorece, directamente ou por via das convenções artísticas por si tacitamente aceites, uma forma de interpretação da sua obra entre outras, debruço-me sobre a questão de saber se, para além das considerações estéticas integrantes da decisão de respeitar total ou parcialmente essa forma, há também considerações especificamente morais que sejam relevantes para tal decisão. Os tratamentos filosóficos desta questão tiveram alguma expressão nos anos 80 e 90, sobretudo a propósito do movimento da interpretação musical historicamente correcta ou informada de obras de épocas com as quais se estava a recuperar o contacto perdido em termos de modos de execução e instrumentos específicos dessas épocas. Curiosamente, contrastando com o debate entre a crítica de arte, o debate filosófico é muito menos vivo numa actualidade marcada pelo ecletismo pós-moderno que, sobretudo no teatro e na ópera, trata mesmo os aspectos mais estruturantes das obras como completamente opcionais, ou as obras elas as próprias como materiais para fusão, reconstrução ou improvisação. Revisitando os argumentos em torno do tópico, defenderei a prevalência da posição segundo a qual há uma dimensão moral nas artes performativas, mas que as obrigações daí resultantes não são todas categóricas, tendo diferentes graus de força, e devem ser entendidas como uma variável que tem de ser, em cada caso, ponderada lado a lado com as considerações estéticas. (shrink)
Prepared for an online reference volume meant to enable dialogue on shared terms among people in the various fields related to ethics and artificial intelligence (e.g., computer science, political theory, philosophy, law), this piece has two aims. One is to explain to non-specialists what political theorists and philosophers are talking about when we talk about “justice.” The other is to discuss some particular questions of justice implicated by the use of artificial intelligence. The piece also includes a thematically-organized reading list (...) designed for those who aren’t specialists in political theory or philosophy, but who are interested in learning more about justice as it’s conceptualized in these disciplines. (shrink)
In this paper I consider an understudied form of the design argument which focuses on the beauty of the natural world and which argues, on that basis, that the world requires a divine Artist in order to explain its beauty. Against this view, one might raise a question concerning the beauty of, and in, this divine Artist. What explains the divine beauty? This kind of explanatory regress objection is exactly like that used by Philo in Hume’s Dialogues to undercut standard (...) versions of the design argument focused on the orderliness of the world. Here I argue that Philo’s explanatory regress objection likewise significantly undercuts versions of the design argument focusing on the beauty of the world. (shrink)
In this paper two systems of AGM-like Paraconsistent Belief Revision are overviewed, both defined over Logics of Formal Inconsistency (LFIs) due to the possibility of defining a formal consistency operator within these logics. The AGM° system is strongly based on this operator and internalize the notion of formal consistency in the explicit constructions and postulates. Alternatively, the AGMp system uses the AGM-compliance of LFIs and thus assumes a wider notion of paraconsistency - not necessarily related to the notion of formal (...) consistency. (shrink)
Non è un caso che l’enhancement umano, cioè il potenziamento di capacità fisiche, cognitive ed emotive degli esseri umani con l’ausilio di tecnologie, sia diventato un tema centrale nei dibattiti etico-applicativi e nei tentativi contemporanei di arrivare a una comprensione più adeguata della natura umana. In esso si incontrano quesiti decisamente ricchi e complessi, sia dal punto di vista tecnoscientifico e medico sia da quello filosofico – e lo fanno in un modo che ci permette di vedere questi quesiti sotto (...) una nuova luce. Il numero raccoglie alcune voci italiane, tedesche, inglesi e statunitensi su diversi aspetti della problematica dell’enhancement umano. Tra le tematiche discusse troviamo il potenziamento genetico, le dimensioni etiche dell’enhancement, la relazione uomo-tecnologia, il cosiddetto enhancement morale, la relazione tra enhancement ed eugenetica, la distinzione tra potenziamento e terapia e la rilevanza delle neuroscienze per lo sviluppo futuro delle bio-tecnologie, della medicina e dell’etica. (shrink)
Two systems of belief change based on paraconsistent logics are introduced in this article by means of AGM-like postulates. The first one, AGMp, is defined over any paraconsistent logic which extends classical logic such that the law of excluded middle holds w.r.t. the paraconsistent negation. The second one, AGMo , is specifically designed for paraconsistent logics known as Logics of Formal Inconsistency (LFIs), which have a formal consistency operator that allows to recover all the classical inferences. Besides the three usual (...) operations over belief sets, namely expansion, contraction and revision (which is obtained from contraction by the Levi identity), the underlying paraconsistent logic allows us to define additional operations involving (non-explosive) contradictions. Thus, it is defined external revision (which is obtained from contraction by the reverse Levi identity), consolidation and semi-revision, all of them over belief sets. It is worth noting that the latter operations, introduced by S. Hansson, involve the temporary acceptance of contradictory beliefs, and so they were originally defined only for belief bases. Unlike to previous proposals in the literature, only defined for specific paraconsistent logics, the present approach can be applied to a general class of paraconsistent logics which are supraclassical, thus preserving the spirit of AGM. Moreover, representation theorems w.r.t. constructions based on selection functions are obtained for all the operations. (shrink)
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