Abstract
PREMISSA
No século XIX, ocorreram transformações impulsionadas pela emergência de novas
fontes energéticas (água e petróleo), por novos ramos industriais e pela alteração profunda nos
processos produtivos, com a introdução de novas máquinas e equipamentos.
Depois de 300 anos de exploração por parte das nações europeias, iniciou -se,
principalmente nas colônias latino-americanas, um processo intenso de lutas pela
independência.
É no século XIX, já com a consolidação do sistema capitalista na Europa, que se
encontra a herança intelectual mais próxima da qual surgirá a Sociologia como ciência
particular. No início desse século, as ideias do Conde de Saint-Simon (1760-1825), de Georg
Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), de David Ricardo (1772-1823) e de Charles Darwin
(1809-1882), entre outros, foram o elo para que Alexis de Tocqueville (1805-1859), Auguste
Comte (1798-1857), Karl Marx (1818 -1883) e Herbert Spencer (1820-1903), entre outros,
desenvolvessem reflexões sobre a sociedade de seu tempo.
Auguste Comte e Karl Marx foram os pensadores que lançaram as bases do pensamento
sociológico e de duas grandes tradições – a positivista e a socialista – que muito influenciaram
o desenvolvimento da Sociologia no Brasil.
1 AUGUSTE COMTE E A TRADIÇÃO POSITIVISTA
Isidore Auguste Marie François Xavier Comte nasceu em Montpellier, na França, em 19
de janeiro de 1798. Com 16 anos de idade, ingressou na Escola Politécnica de Paris, fato que
teria significativa influência na orientação posterior de seu pensamento.
De 1817 a 1824, foi secretário do Conde de Saint-Simon. Comte declarou que, com
Saint -Simon, aprendeu muitas coisas que jamais encontraria nos livros e que, no pouco tempo
em que conviveu com o conde, fez mais progressos do que faria em muitos anos, se estivesse
sozinho.
Toda a obra de Comte está permeada pelos acontecimentos que ocorreram após a
Revolução Francesa de 1789. Ele defendeu parte dos princípios revolucionários e criticou a
restauração da monarquia, preocupando-se fundamentalmente em reorganizar a sociedade, que,
no seu entender, estava em ebulição e mergulhada no caos. Para Comte, a desordem e a anarquia
imperavam em virtude da confusão de princípios (metafísicos e teológicos), que não se
adequavam à sociedade industrial em expansão. Era, portanto, necessário superar esse estado
de coisas, usando a razão como fundamento da nova sociedade.
Propôs, então, a mudança da sociedade por meio da reforma intelectual plena das
pessoas. De acordo com o pensador, com a modificação do pensamento humano, por meio do
método científico, que ele chamava de “filosofia positiva”, haveria uma reforma das
instituições.
Com a proposta do estudo da sociedade por meio da análise de seus processos e
estruturas, e da reforma prática das instituições, Comte criou uma nova ciência, à qual deu o
nome de “física social”, passando a chamá-la posteriormente de Sociologia.
A Sociologia representava, para Comte, o coroamento da evolução do conhecimento,
mediante o emprego de métodos utilizados por outras ciências, que buscavam conhecer os
fenômenos constantes e repetitivos da natureza: a observação, a experimentação, a comparação
e a classificação. De acordo com esse pensador, a Sociologia, como as ciências naturais, deve sempre procurar a reconciliação entre os aspectos estáticos e os dinâmicos do mundo natural
ou, no caso da sociedade humana, entre a ordem e o progresso.
O lema da “filosofia positiva” proposta por Comte era “conhecer para prever, prever
para prover”, ou seja, o conhecimento é necessário para fazer previsões e também para
solucionar possíveis problemas.
A influência de Comte no desenvolvimento da Sociologia foi marcante, sobretudo, na
escola francesa, evidenciando-se em Émile Durkheim e seus contemporâneos e seguidores. Seu
pensamento esteve presente em muitas das tentativas de criar tipologias para explicar a
sociedade. Suas principais obras são: Curso de filosofia positiva (1830-1842), Discurso sobre
o espírito positivo (1848), Catecismo positivista (1852) e Sistema de política positiva (1854).
Para concluirmos, Comte explanava que para a superação da anarquia reinante na nova
sociedade industrial, a filosofia positivista defendia a subordinação do progresso à ordem. O
mesmo era contra o retorno de Luís XVIII ao trono: em sua concepção, a sociedade industrial
que emergia requeria um governo fundado na razão.
2 A TRADIÇÃO SOCIALISTA: KARL MARX E FRIEDRICH ENGELS
Karl Heinrich Marx nasceu em Tréveris, na antiga Prússia, hoje Alemanha, em 1818 e,
em 1830, ingressou no Liceu Friedrich Wilhelm, nessa mesma cidade. Anos depois, foi cursar
Direito na Universidade de Bonn, transferindo-se para Berlim em seguida. Pouco a pouco,
entretanto, seus interesses migraram para a Filosofia, área na qual defendeu, em 1841, a tese de
doutorado A diferença da filosofia da natureza em Demócrito e Epicuro. Sua vida universitária
foi marcada pelo debate político e intelectual influenciado pelo pensamento de Ludwig
Feuerbach (1804-1872) e, principalmente, pelo de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-
1831).
Friedrich Engels (1820-1895) nasceu em Barmen (Renânia), na antiga Prússia, hoje
Alemanha, filho mais velho de um rico industrial do ramo têxtil. Terminou sua formação
secundária em 1837 e a partir de então sua formação intelectual foi por conta própria
(autodidata), com alguns cursos universitários esparsos e de curta duração. Desde cedo
começou a trabalhar nas empresas de seu pai e foi nessa condição que se deslocou para Bremen
por três anos e depois foi enviado pelos pais a Manchester, na Inglaterra, onde trabalhou nas fábricas da família. Engels ficou impressionado com a miséria na qual viviam os trabalhadores
das fábricas inglesas.
Os dois, Marx e Engels, se encontraram em 1842, quando Marx passou a escrever para
A Gazeta Renana, jornal da província de Colônia, do qual Engels era colaborador e mais tarde
editor-chefe. O jornal, que criticava o poder prussiano, foi fechado em 1843, e Marx se viu
desempregado. Ao perder o emprego, mudou-se para Paris, na França. Ali escreveu, em 1844,
os Manuscritos econômico-filosóficos (só publicados em 1932) e, junto com F. Engels, o livro
A sagrada família. Por sua vez, F. Engels, em 1844, decidiu voltar para a Alemanha, onde
publicou, em 1845, A situação da classe trabalhadora na Inglaterra.
Entre 1845 e 1847, Marx exilou-se em Bruxelas, na Bélgica, onde escreveu A ideologia
alemã (em parceria com Friedrich Engels) e Miséria da filosofia (1847), obra na qual criticou
o filósofo Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865). Em 1848, ainda na Bélgica, a parceria com
Engels se solidificou ao escreverem juntos o livreto O Manifesto Comunista.
Em 1848, Marx foi expulso da Bélgica e retornou a Colônia, na Alemanha (Prússia),
sempre pensando na possibilidade de uma mudança estrutural em sua terra natal. Isso,
entretanto, não aconteceu e Marx foi expulso da Alemanha em 1849, ano em que migrou para
Londres, na Inglaterra, onde permaneceu até o fim da vida. Lá escreveu O 18 Brumário de Luís
Bonaparte (1852), sua mais importante obra de reflexão sobre a vida política europeia do século
XIX, desenvolveu pesquisas e concluiu seu maior trabalho: O capital: crítica da economia
política. O primeiro volume dessa obra foi publicado em 1867; os outros três, em 1885, 1894 e
1905, após a morte de Marx, revisados por F. Engels.
2.1 O contexto histórico e a obra de Marx e Engels
Para situar a obra de Marx e Engels, é necessário conhecer um pouco do que acontecia
em meados do século XIX. Com as transformações que ocorriam no mundo ocidental,
principalmente na esfera da produção industrial, houve um crescimento expressivo no número
de trabalhadores industriais urbanos, com uma consequência evidente: precariedade da vida dos
operários nas cidades.
As condições de trabalho no interior das fábricas eram péssimas. Os empregados eram
superexplorados, alimentavam-se mal e trabalhavam em ambientes insalubres. Para enfrentar
essa situação e tentar modificá-la, os trabalhadores passaram a se organizar em associações e sindicatos e a promover movimentos de reivindicação. Desenvolveu-se, então, uma discussão
das condições sociais, políticas e econômicas para se definirem as possibilidades de intervenção
nessa realidade.
Desde o início do século XIX, muitos pensadores discutiram essas questões, nas
perspectivas socialista e anarquista. Na Inglaterra podem ser citados, entre outros: William
Godwin (1756-1836), Thomas Spence (1750-1814), Thomas Paine (1737-1809), Robert Owen
(1771-1858) e Thomas Hodgkin (1787-1866). Na França, destacaram-se Étienne Cabet (1788-
1856), Flora Tristan (1803-1844), Charles Fourier (1772-1837) e Pierre-Joseph Proudhon
(1809-1865).
Marx e Engels levaram em conta esses pensadores, debatendo com alguns
contemporâneos e criticando-os. Além disso, incorporaram a tradição da economia clássica
inglesa, presente principalmente nas obras de Adam Smith e de David Ricardo. Pode-se dizer,
portanto, que Marx e Engels desenvolveram seu trabalho com base na análise crítica da
economia política inglesa, do socialismo utópico francês e da filosofia alemã.
Esses dois autores não buscavam definir uma ciência específica para estudar a sociedade
(como a Sociologia, para Auguste Comte) ou situar seu trabalho em um campo científico
particular. Em alguns escritos, Marx afirmou que a História seria a ciência que mais se
aproximava de suas preocupações, por abarcar as múltiplas dimensões da sociedade, a qual
deveria ser analisada na totalidade, não havendo uma separação rígida entre os aspectos sociais,
econômicos, políticos, ideológicos, religiosos, culturais etc.
O objetivo de Marx e Engels era estudar criticamente a sociedade capitalista com base
em seus princípios constitutivos e em seu desenvolvimento, visando dotar a classe trabalhadora
de uma análise política da sociedade de seu tempo. Assim, a tradição socialista nascida da luta
dos trabalhadores, muitos anos antes e em situações diferentes, tem como expressão intelectual
o pensamento de Karl Marx e Friedrich Engels.
Para entender as concepções fundamentais de Marx e Engels é necessário fazer a
conexão entre as lutas da classe trabalhadora, suas aspirações e as ideias revolucionárias que
estavam presentes no século XIX na Europa. Para eles, o conhecimento científico da realidade
só tem sentido quando visa à transformação dessa mesma realidade. A separação entre teoria e
prática não é discutida, pois a “verdade histórica” não é algo abstrato e que se define
teoricamente; sua verificação está na prática.
Apesar de haver algumas diferenças em seus escritos, os elementos essenciais do
pensamento de Marx e Engels podem ser assim sintetizados:
• historicidade das ações humanas – crítica ao idealismo alemão;
• divisão social do trabalho e o surgimento das classes sociais – a luta de classes;
• o fetichismo da mercadoria e o processo de alienação;
• crítica à economia política e ao capitalismo;
• transformação social e revolução;
• utopia – sociedade comunista.
A obra desses dois autores é muito vasta e não ficou vinculada estritamente aos
movimentos sociais dos trabalhadores. Pouco a pouco foi introduzida nas universidades como
parte do estudo em diferentes áreas do conhecimento. Estudiosos de Filosofia, Sociologia,
Ciência Política, Economia, História e Geografia, entre outras áreas, foram influenciados por
ela. Na Sociologia, como afirma Irving M. Zeitlin, no livro Ideología y teoría sociológica, tanto
Max Weber quanto Émile Durkheim fizeram, em suas obras, um debate com as ideias de Karl
Marx.
Pelas análises da sociedade capitalista de seu tempo e a repercussão que tiveram em
todo o mundo, principalmente no século XX, nos movimentos sociais e nas universidades, Marx
e Engels são considerados autores clássicos da Sociologia. No campo dessa disciplina, porém,
o pensamento deles ficou um pouco restrito, pois perdeu aquela relação entre teoria e prática
(práxis), ou seja, entre a análise crítica e a prática revolucionária.
Essa relação esteve presente, por exemplo, na vida e na obra dos russos Vladimir Ilitch
Ulianov, conhecido como Lênin (1870-1924), e Leon D. Bronstein, conhecido como Trotsky
(1879-1940), da alemã Rosa Luxemburgo (1871-1919) e do italiano Antonio Gramsci (1891-
1937), que tiveram significativa influência no movimento operário do século XX.
Com base no trabalho de Marx e Engels, muitos autores desenvolveram estudos
acadêmicos em vários campos do conhecimento. Podemos citar, por exemplo, Georg Lukács
(1885-1971), Theodor Adorno (1903-1969), Walter Benjamin (1892-1940), Henri Lefebvre
(1901-1991), Lucien Goldmanm (1913 -1970), Louis Althusser (1918 -1990), Nikos Poulantzas
(1936-1979), Edward P. Thompson (1924-1993) e Eric Hobsbawm (1917 -2012). O pensamento de Marx e Engels continua, assim, presente em todo o mundo, com múltiplas
tendências e variações, sempre gerando controvérsias.
REFERENCIAL TEÓRICO
GEMKOW, H.; PSUA, I. M. L. Marx e Engels: Vida e Obra. São Paulo: Alfa e Ômega, 1984.
232 pp.
GIANOTTI, J. A. Comte. São Paulo: Abril Cultural, 1978. 318 pp. (Col. Os Pensadores)
KONDER, L. Marx: vida e obra. 7ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007. 154 pp. (Col. Vida e
Obra).