Porto Alegre, RS, Brasil: Editora Fi (
2022)
Copy
BIBTEX
Abstract
No capítulo 1, “Do escudo de Aquiles à capa do Batman: o heroísmo togado e seus riscos à democracia”, discutimos a ascensão do protagonismo político no Poder Judiciário a partir da categoria antropológica do herói, expondo a delicada relação entre heroísmo e instituições democráticas. Para isso, traçamos um breve histórico do heroísmo e suas características, apresentando, posteriormente, uma analogia entre elas e a atuação do Ministro Joaquim Barbosa no curso da Ação Penal nº 470 do STF (Caso Mensalão). Tecemos também alguns apontamentos sobre o Estado Democrático de Direito, a função do Poder Judiciário e os riscos que a propagação de escândalos públicos e a flexibilização de regras e princípios jurídicos podem trazer às instituições do Estado Democrático de Direito. O tema de fundo dessa análise é a relação simbiótica entre a violência e a produção mítica de heróis, segundo a teoria de Girard.
No capítulo 2, “Satã: a violência na fundação da cultura”, analisamos a obra “Vejo Satã cair como um relâmpago”, de René Girard, apresentando sua teoria (mimética) e seu estudo antropológico da Bíblia e dos Evangelhos. O intuito é demonstrar a possibilidade de interpretar racionalmente dados antes percebidos como sobrenaturais, explorando, com Girard, as contribuições da revelação judaico-cristãs para a relação entre o homem, a violência e a organização político-religiosa do mundo antigo. O principal tema exposto na resenha é o da violência fundadora, base da cultura e da sociedade, que Girard identifica na figura bíblica de Satã. Mais do que mero símbolo religioso, Satã é a representação de um mecanismo de pacificação deflagrado em situações de crise social. Seu modus operandi consiste na reunião da sociedade contra um inimigo comum, um bode expiatório contra o qual levantam-se falsas acusações que sustentam sua perseguição e assassinato.
Consideramos esse tema fundamental para a moderna e contemporânea compreensão dos processos de perseguição e vitimização político-social. A revelação cristã é a entrada em cena, no campo histórico, de um pensamento que se coloca francamente ao lado da vítima acusada pela comunidade. As ideologias penais da proteção do débil, os direitos individuais e os direitos humanos são efeitos políticos e jurídico do triunfo da cruz sobre a cultura satânica do assassínio de bodes expiatórios.
No capítulo 3, “A violência no Direito: confissão e produção de bodes expiatórios”, aplicamos a teoria mimética para compreender o instituto jurídico da confissão do ponto de vista antropológico. Com base no Livro de Jó, investigamos a origem religiosa da extração forçada de confissões e demonstramos sua íntima relação com os rituais religiosos praticados na antiguidade, que usavam da assunção de culpa como um instrumento para legitimar a violência contra seus bodes expiatórios. Com isso, pretendemos apontar para a necessidade de mitigação do valor probatório da assunção de culpa no contexto de um Estado Democrático de Direito. Incorporada às intuições jurídicas, a confissão deve ser tomada como instrumento laico e totalmente desvinculado das práticas expiatórias que lhe deram origem.
No capítulo 4, “Direito penal e preocupação pelas vítimas: a renovação dos princípios de ofensividade e proteção de bens jurídicos após a experiência do totalitarismo", analisamos o surgimento e desenvolvimento da ideia de crime como ofensa a bens jurídicos. Trata-se de um ensaio de história das ideias jurídicas em que traçamos a evolução histórica das ideias de ofensividade e proteção de bens jurídicos, desde sua gênese na experiência liberal e iluminista, passando por seu enfraquecimento durante o Direito Penal nacional-socialista, até culminar em seu ressurgimento e renovação nos dias atuais. O intuito desta análise é situar o princípio da ofensividade, enquanto garantia assegurada nas Constituições do Pós-guerra, no quadro histórico da moderna preocupação pelas vítimas, efeito cultural da religião cristã que discutimos no capítulo 2 (“Satã: a violência na fundação da cultura”).
Por fim, no quinto e último capítulo, “O Direito após a revelação do mecanismo vitimário”, procuramos rematar a temática do Direito no quadro da antropologia de Girard, explorando o papel desempenhado pela revelação cristã do mecanismo expiatório na cultura ocidental, especialmente no que diz respeito à formação de uma ética de proteção das vítimas, eixo fundamental dos Direitos Humanos. Por isso, demonstramos como o Direito Penal, no ocidente, está dividido entre o sacrifício e o perdão. Resultado da lógica do cristianismo sacrificial, o moderno Direito constitui-se na forma híbrida de um Katéchon: ou seja, como racionalização do mecanismo vitimário, re-direcionado, por meio das instituições jurídicas e políticas, contra atos de perseguição de minorias e vulneráveis