Abstract
O escritor A. J. Jacobs (2018) decidiu agradecer todas os envolvidas na
preparação de seu cafezinho diário; isso o levou a uma jornada épica para
contatar milhares de pessoas, desde a barista que lhe vendia o expresso matinal,
passando por designers e inventores, até os agricultores que plantaram e
colheram o grão em outro continente. Não existe um único indivíduo ou grupo
responsável pelo seu café: é preciso um mundo para produzi-lo; é resultado de
uma cadeia produtiva, uma rede decentralizada que envolve diversos serviços
espalhados internacionalmente – e todas essas pessoas, por sua vez,
consomem outros produtos, com outras cadeias. Como este livro.
Contraste esse exemplo com a anedota do diplomata soviético que,
visitando Londres, fica maravilhado com as padarias – e então pergunta pelo
encarregado da distribuição de pães na cidade (Harari, 2016, p. 372). Para seu
espanto, os economistas ingleses respondem que ninguém tem esse cargo: o
fornecimento de pães é resultado de um agregado de decisões individuais, em
que cada fornecedor de matéria-prima (como farinha, sal, fermento) e serviços
(transporte, padaria, limpeza) regula sua oferta a partir do que espera que os
consumidores querem consumir – e o quanto estes estão dispostos a pagar. É o
caso clássico do funcionamento de uma economia de mercado – em contraste
com uma economia de comando, onde um grupo de pessoas, conscientemente,
toma decisões sobre produção e distribuição.
Esses exemplos ressaltam as “vantagens” dos mercados; pode ser
tentador pensar, a partir deles, que todos os bens e serviços deveriam ser
fornecidos dessa forma, porque isso maximiza a liberdade individual ou tende a 553
levar ao bem-estar coletivo, e que o melhor a fazer é evitar interferências nesse
sistema – ideias associadas ao liberalismo econômico, uma teoria política e
econômica que tem por patrono Adam Smith (o primeiro economista clássico).
No entanto, mesmo economistas liberais reconhecem que há falhas de mercado
(como bens públicos e monopólios129). Voltemos a A. J. Jacobs, o qual frisa seu
agradecimento ao serviço de fornecimento de água, um “milagre moderno”: ao
longo da história, a imensa maioria das pessoas não teve acesso a água
encanada – mesmo hoje, 2 bilhões de pessoas ainda carecem de condições
sanitárias adequadas (água e esgoto), o que causa doenças que matam 829 mil
por ano (WHO, 2015). É um problema que não pode ser resolvido só por
mercados, nem por associações filantrópicas; na maior parte do mundo, é um
serviço público, geralmente fornecido ou regulado por estados – e sua ausência
decorre de falhas de governo