Abstract
Primeiro apresento as linhas gerais do programa de pesquisa sobre cognição corporificada. Em uma posição central nesse programa, está a tese de que a cognição atravessa cérebro, corpo e mundo – e que, portanto, atividades cognitivas não são eventos exclusivamente intracraniais que ocorrem pela manipulação de representações. Eu apresento a gênese histórica desse programa, a saber, o projeto autopoiético dos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela. Desse projeto, é possível atestar um plano de fundo antirrealista e construtivista, segundo o qual a cognição é uma construção do mundo pelo organismo. Depois, eu apresento o fundamento teórico que recentemente tomou os holofotes do programa, a saber, o enativismo sensório-motor. Esse enativismo manifesta o compromisso com um realismo comedido, segundo o qual há estruturas objetivas a serem exploradas de acordo com a morfologia corpórea do organismo. Assim, observa-se uma tensão epistemológica no cerne do programa. Eu apresento uma possibilidade de resolução dessa tensão pela rejeição de uma das teses centrais do projeto autopoiético – a continuidade forte entre vida e cognição – e por uma melhor interpretação do que significa dizer que a cognição requer que o oragnismo “construa” o seu ambiente.