Abstract
O valor nutritivo do leite de ovelha é superior quando comparado aos leites caprino e
bovino, apresentando maior teor proteico, lipídico, minerais e vitaminas.
Os humanos evoluíram em estreito contato com a natureza, sendo o leite a
primeira fonte de alimento desta espécie ao nascer. Durante milhares de anos, o leite
rico em nutrientes, como fonte de alimento, era unicamente materno e só veio a ser
consumido pelo homem após idade de amamentação com a domesticação dos animais,
primeiramente às ovelhas e as cabras há aproximadamente 13 mil anos, seguido da
domesticação das vacas quatro mil anos depois. Desde então o leite tornou-se um
alimento indispensável para o homem.
O valor nutritivo do leite de ovelha é superior quando comparado aos leites
caprino e bovino, apresentando maior teor proteico, lipídico, minerais e vitaminas
essenciais para a saúde humana. Este leite apresenta três vezes mais proteínas em
relação ao leite de cabra e de vaca, sendo aquelas consideradas proteínas de alto valor
biológico contribuindo para uma melhor digestibilidade. Outra característica é a
conformação estrutural e a quantidade de micelas de caseína e suas subunidades, que
são assim como o leite caprino, menores que as do leite bovino, proporcionando menor
sensibilização às pessoas alérgicas.
Estudos sugerem que o leite de
ovelha pode ser considerado o
substituto ideal do leite bovino para
pessoas alérgicas ao leite bovino devido
ao elevado teor dos principais
componentes do leite e minerais.
Entretanto, foi verificado que
anticorpos IgE de pessoas alérgicas
reconhecem as αS1-caseína,
αS2-caseína e β-caseína de leite ovino e
caprino, mas caseínas do leite bovino
são raramente ou não reconhecidas.
Além disso, os polimorfismos genéticos
das proteínas do leite estão associados
com os parâmetros quantitativos e
qualitativos e desempenham um papel
importante na indução de diferentes
graus de reação alérgica.
A coloração do leite de ovelha é
intensamente branca e homogênea, o
que o difere do leite de vaca, pois essa
característica está associada à ausência
de β-caroteno pigmento precursor do
retinol (vitamina A) impedindo que o
leite tenha coloração amarelada como
no caso do leite bovino. No leite ovino,
o β-caroteno apresenta-se na forma
convertida da vitamina A que não
possui coloração amarelada e essa
característica possibilita a produção de
diferentes variedades de queijo.
A caseína no leite de ovelha
compõe 80% do total de proteínas do
leite dos ruminantes, enquanto que está
presente em 50% da composição
proteica do leite equino e em menor
porcentagem no leite humano. A
caseína do leite de ruminantes difere
com relação às características de
tamanho, hidratação e mineralização.
As micelas de caseína do leite de ovelha
possuem maior mineralização e menor
hidratação, sendo mais estáveis ao
aquecimento quando comparadas à
micela de caseína do leite de vaca.
Outra importante característica refere-se
à conformação molecular e sequencial
de aminoácidos com impacto sobre sua
digestibilidade, qualidade nutricional e
termoestabilidade proteica.
As proteínas do leite de ovelha
consistem em elevada quantidade de
caseínas (resistente ao calor) e proteínas
do soro (sensível ao calor) responsáveis
pela textura e viscosidade de iogurtes.
Tecnologicamente, elas têm
propriedades únicas que permitem a
fácil conversão do leite em iogurte e
queijos, não sendo necessária a adição
de sólidos na produção do iogurte,
como leite em pó, ou concentração dos
sólidos do leite por tecnologia de
membrana. Estudos com variantes da
caseína do leite ovino representam uma
abordagem eficaz para identificar a
associação de características de
importância econômica e melhorar
raças para a produção de proteína do
leite específica.
As características da caseína no
leite de ovelha são particularmente
interessantes devido ao número elevado
de polimorfismo, alterando a expressão
de genes e influenciando o
processamento de queijos. Em adição,
enzimas presente no leite de ovelha
possui atividade proteolítica e lipolítica
(quebra de proteínas e lipídios). Elas
auxiliam na maturação de queijos -
resultando em compostos de aroma e
sabor típicos, tornando-os únicos em
suas características.
O sabor e o aroma do leite de
ovelha são suaves e adocicados além de
possuir uma textura cremosa devido aos
pequenos glóbulos de gordura que
apresentam tamanhos menores que 3,5
µm. Esta peculiaridade no tamanho dos
glóbulos gordurosos do leite ovino
propicia que esse seja digerido mais
facilmente. O leite ovino apresenta
também altas concentrações de ácidos
graxos poli-insaturados com benefícios
à saúde como isômeros de ácido
linoleico conjugado (CLA) presentes
em maior concentração nesta matriz
comparado ao leite bovino que são o
cis-9 trans-11 e o trans-10 cis-12,
responsáveis por ações
anticarcinogênica, antiaterogênico e
antiobesidade.
Ainda com relação aos lipídios
do leite de ovelha, as lipases têm um
papel importante na produção de leite
na glândula mamária. As lipases
naturais do leite catalisam e hidrolisam
os triglicerídeos, produzindo ácidos
graxos livres (AGL). A atividade das
lipases, em leite ovino, é cerca de um
décimo das do leite bovino. Além disso,
o padrão de hidrólise da gordura de leite
por ovinos apresenta maior taxa em
relação aos triglicerídeos - contendo
ácidos graxos de cadeia média em
relação aos ácidos graxos de cadeia longa. Os níveis de AGL em queijos de
leite ovino são o resultado do processo
lipolítico que ocorre durante o período
de maturação.
Alguns produtos lácteos
derivados usando como matéria-prima o
leite de ovelha - como iogurte grego e
queijos - foram descritos como
possuindo peptídeos inibidores da
enzima conversora da angiotensina
(ECA), sendo a maioria derivada da
subunidade β-caseína. Também, alguns
peptídeos derivados da κ-caseína,
resultante da hidrólise de leite ovino
pela pepsina, tripsina e quimotripsina,
exercem atividade antioxidante. Em
queijos tradicionais derivados de
ovelha, como o Scamorza, foram
verificados diversos peptídeos com ação
inibidora da ECA e ação antibacteriana.
Nesse contexto, o leite de ovelha
é uma rica fonte de nutrientes e seu
principal uso é na produção de queijos
devido ao elevado conteúdo de extrato
seco total, que contribui com alto
rendimento da massa. Todavia, esta
matéria-prima permanece inexplorada
pela indústria de laticínios com uma
visão de alimento funcional, visto que o
leite e seus derivados são
reconhecidamente ótimos carreadores
de fibras prebióticas e bactérias
probióticas - que trazem benefícios ao
consumidor favorecendo saúde e
bem-estar.
Nesse contexto, o leite de ovelha
apresenta-se como um alimento de
grande potencial e uma valiosa
alternativa para a indústria de laticínios
- que pode aumentar a diversidade de
produtos oferecidos ao consumidor.