Abstract
O ensino de filosofia seguiu uma rota tortuosa desde a colônia até os tempos atuais. O
breve histórico desse percurso tem o objetivo de reafirmar a necessidade dessa disciplina no
currículo escolar, sobretudo porque sempre há aqueles que a consideram de pouca importância.
No entanto, em um mundo cada vez mais pragmático, a formação exclusivamente técnica de
nossos jovens dificulta o processo de conscientização crítica, além de desprezar a herança de
uma sabedoria milenar.
Os primeiros tempos
No Brasil, desde o século XVI, o ensino de filosofia fazia parte do chamado curso de
artes oferecido pelos jesuítas aos filhos de colonos que concluíam o primeiro nível de letras
humanas. É bem verdade que apenas alguns colégios dispunham desse curso, voltado
exclusivamente para a elite colonial portuguesa. A base do ensino de filosofia era a tradição
escolástica, e, mesmo durante os séculos seguintes, não houve interesse em abordar as
conquistas das ciências modernas, já vigentes desde o século XVII, na perspectiva de Francis
Bacon e das descobertas de Galileu Galilei. Do mesmo modo, não eram ensinadas as teorias de René Descartes e John Locke. Inspirado nos ideais da Contrarreforma, o ensino jesuítico
reafirmava a autoridade da Igreja e dos clássicos, com o controle sobre as informações a que os
alunos teriam acesso.
No século XVIII, os fundamentos aristotélico-tomistas perduraram, com raras exceções,
apesar de o marquês de Pombal ter expulsado os jesuítas. O próprio Pombal permitiu a
divulgação de algumas dessas obras "esclarecidas", mas cuidou de elencar uma lista das
proibidas. Contrariando o controle, as novas ideias circulavam no Brasil por meio de estudantes
formados pela Universidade de Coimbra e também pela venda clandestina de panfletos e cópias
manuscritas. Desse modo, nas aulas régias, instituídas por Pombal para substituir as escolas dos
jesuítas, no geral foi mantida a educação elitista, livresca, desfocada da realidade brasileira
durante o império e a república.
Apesar do controle, havia exceções, nas poucas vezes em que intelectuais, professores
e conhecedores de bibliografia atualizada ensinavam disciplinas como ciências modernas,
filosofia e matemática. Algumas congregações religiosas, como a dos franciscanos, também se
interessavam pelas contribuições científicas e filosóficas de seu tempo.
Ensino de filosofia: entre facultativa e obrigatória
A partir do século XIX, predominou um vaivém entre a filosofia como disciplina
obrigatória ou facultativa. Com a criação de cursos jurídicos no Brasil, na década de 1820 - em
São Paulo e Recife -, a filosofia tornou-se disciplina obrigatória do ensino médio, como pré-
requisito para o ingresso ao curso superior, reforçando o caráter propedêutico daquele curso.
Em 1915, uma reforma de ensino tornou a filosofia disciplina facultativa, mas o ministro
Francisco Campos tentou reverter esse quadro em 1932, tornando-a novamente obrigatória.
Conhecido pela atuação no movimento da Escola Nova, Campos aliou seus esforços aos de
figuras importantes da pedagogia brasileira, como o sociólogo Fernando de Azevedo e o
filósofo e educador Anísio Teixeira. A tendência escolanovista era renovadora e se fazia
necessária diante da situação econômica do Brasil. Com o início da industrialização, surgia a
necessidade de melhorar a escolarização, sobretudo para os segmentos urbanos. Francisco
Campos introduziu as disciplinas de lógica, sociologia e história da filosofia no currículo
escolar.
Com a Reforma Capanema, em 19142, o ensino secundário dividiu-se em ginasial e
colegial. Este último foi subdividido em científico, com ênfase no estudo de ciências, e clássico, que privilegiava a formação em humanidades. Nesse contexto, a filosofia se constituiu como
disciplina obrigatória em um dos três anos do científico e em dois anos do curso clássico, com
proposta de programa bastante extenso. No entanto, uma sequência de portarias reduziu
gradativamente o número de horas-aula da disciplina, por fim, restrita ao último ano do colegial.
Em 1961, foi promulgada a nossa primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação
(LDBJ, a Lei n. 4.024, ocasião em que o ensino de filosofia perdeu a obrigatoriedade.
Período da ditadura militar
Durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985), as aulas de filosofia foram extintas
pela Lei n. 5.692, de 1971. Essa lei reformou o então chamado ensino de 1º e 2º graus e
introduziu o ensino profissionalizante, de acordo com a tendência tecnicista proposta pelos
acordos entre militares e tecnocratas.
Um dos objetivos era adequar a educação às exigências da sociedade industrial e
tecnológica, com economia de tempo, esforços e custos. A educação tecnicista encontrava-se
imbuída dos ideais de racionalidade, organização, objetividade, eficiência e produtividade,
como se fosse uma empresa: esperava-se que, ao terminar cada um dos níveis, o aluno estivesse
capacitado para ingressar no mercado como força de trabalho, caso necessário.
Para implantar o projeto de educação proposto, o governo militar não revogou a LDB
de 1961, mas introduziu alterações e fez atualizações. Enquanto a aprovação da LDB resultara
de amplo debate na sociedade civil, o governo autoritário regulamentou as leis do ensino
universitário (Lei n. 5.540/1968) e do ensino de 1º e 2º graus (Lei n. 5.692/1971) de maneira
impositiva.
Diversos acordos, conhecidos como MEC-Usaid (Ministério da Educação e Cultura e
United States Agency for International Development), ofereceram assistência técnica e
cooperação financeira para implantar a reforma. A habilitação profissional constituiu-se em um
emaranhado de "ofertas" que chegavam a 130 habilitações profissionais distribuídas conforme
os cursos e as regiões do país.
Algumas disciplinas desapareceram, como a de filosofia, e outras foram aglutinadas.
Por sua vez, a inclusão de Moral e Cívica no primeiro nível e de Organização Social e Política
no segundo exerceu a clara intenção de doutrinamento político.
Há controvérsias em torno da extinção da filosofia do currículo escolar. Para alguns, a
extinção revelava a intenção explícita dos governos militares de evitarem o desenvolvimento do pensamento crítico. Outros analisam de modo diferente, alegando que, com raríssimas
exceções, o ensino da filosofia reduzia-se à história da filosofia, com ênfase na memorização,
não representando, portanto, nenhuma ameaça ao regime de exceção, por desempenhar papel
submisso e nada subversivo. Além disso, de acordo com o viés tecnicista da reforma, havia
necessidade de mais espaço para incluir disciplinas voltadas para a habilitação profissional. Já
nas universidades, era possível notar o crescente desprestígio da filosofia, tendo ocorrido
perseguição a professores, muitos deles exilados.
Todavia, o propósito de formar profissionais, conforme propunha a nova lei, não se
concretizou. A escola pública se fragilizou ainda mais, enquanto algumas boas escolas da rede
particular encontraram meios de contornar a lei e oferecer um ensino de qualidade com os
mesmos conteúdos que visavam desenvolver o espírito crítico e, portanto, a capacidade de seus
alunos pensarem por si mesmos.
Em 1982, no clima da abertura democrática, a Lei n. 7.01-114 permitiu a reinserção da
filosofia no currículo como optativa, a critério do estabelecimento de ensino. Nada foi
conseguido sem esforço, mas com trabalho intenso e pressão da sociedade civil. Associações
especialmente criadas para esse fim aglutinaram professores de cursos secundários e superiores
para promoverem encontros, movimentos de protesto e contatos com autoridades
governamentais, no esforço conjunto para alcançar aquele objetivo.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) n. 9.394/1996
Após a aprovação da Constituição brasileira de 1988, restava elaborar a lei
complementar para tratar das Diretrizes e Bases da Educação Nacional. A primeira LDB, de
1961, levara muito tempo para ser aprovada e ofereceu no final um texto já envelhecido. Devido
a esse fato, havia interesse em acelerar a regulamentação da nova LDB, o que ocorreu em
dezembro de 1996, com a publicação da Lei n. 9.394.
O primeiro projeto da nova LDB baseou-se em amplo debate, não só na Câmara, mas
também na sociedade civil, além de várias entidades sindicais, científicas, estudantis e
segmentos organizados da educação. O projeto original exigiu do relator Jorge Hage importante
trabalho de finalização, já que a nova lei não resultaria de exclusiva iniciativa do Executivo, e
sim do debate democrático da comunidade educacional. No entanto, com apoio do governo e
do ministro da Educação, o senador Darcy Ribeiro apresentou outro projeto que começara a ser
discutido paralelamente e que terminou por ser aprovado.
Como ficou a situação do ensino de filosofia? Apesar do movimento consistente que
continuava defendendo o retorno da filosofia ao ensino médio, foi grande a decepção. Vejamos
por quê.
Ao estabelecer as finalidades da educação básica e as diretrizes dos conteúdos
curriculares, essa lei destacava a importância da formação para o exercício da cidadania, a
difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres dos cidadãos e de
respeito ao bem comum e à ordem democrática. Foi recomendado também o aprimoramento do
educando como pessoa humana, por meio de formação ética e desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico.
Conforme a LDB sob Lei 9.394/98:
Art. 22. A educação básica tem por finalidades desenvolver o educando,
assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania
e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.
Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica observarão, ainda, as
seguintes diretrizes:
I – a difusão de valores fundamentais ao interesse social, aos direitos e deveres
dos cidadãos, de respeito ao bem comum e à ordem democrática;
II – consideração das condições de escolaridade dos alunos em cada
estabelecimento;
III – orientação para o trabalho;
IV – promoção do desporto educacional e apoio às práticas desportivas não-
formais.
Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação básica, com duração mínima
de três anos, terá como finalidades:
I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no
ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos;
II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para
continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a
novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores;
III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a
formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento
crítico;
IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.
Por fim, ficou claro no artigo 36, parágrafo 1º, inciso III (revogado pela Lei n. 11.684,
de 2008), que os conteúdos, as metodologias e as formas de avaliação deveriam ser organizados
de tal maneira que ao final do ensino médio o educando demonstrasse "domínio dos
conhecimentos de filosofia e de sociologia necessários ao exercício da cidadania". Embora a
educação para a cidadania constituísse um objetivo visado por qualquer disciplina, com mais razão o professor de filosofia teria condições de abordá-la explicitamente, não só por tomá-la
como um de seus conteúdos, mas principalmente pelo seu caráter problematizador e
argumentativo, próprio da filosofia.
Portanto, seria válido supor que o artigo 36 definisse a reinserção da filosofia no
currículo, ministrada por profissional formado na área, o que de fato não se concretizou, e o
ensino de filosofia permaneceu como não obrigatório. Posteriormente, conforme a Resolução
CEB n. 3/1998, "as propostas pedagógicas das escolas deverão assegurar o tratamento
interdisciplinar e contextualizado para os conhecimentos de filosofia e de sociologia
necessários ao exercício da cidadania" (artigo 10, parágrafo 2º, alínea b]. Ou seja, professores
de outras disciplinas seriam responsáveis por esses "temas transversais", orientação que
prevaleceu nos Parâmetros Curriculares Nacionais.
Um pouco antes, em 1997, dando continuidade a anseios de educadores, o deputado
federal Padre Roque Zimmermann apresentara projeto de lei para tornar obrigatório o ensino
de filosofia e sociologia no currículo do ensino médio. Após sua aprovação no Senado, em
2001, o projeto foi vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Finalmente, em
2008, o artigo 36 da LDB sofreu alteração, tornando obrigatório o ensino de filosofia e de
sociologia no currículo do ensino médio, por meio da Lei n. 11.684/2008.
Na sequência da aprovação, continua em andamento a implantação desse projeto de
ensino. Esperamos que o espaço conquistado não venha a sofrer mais tarde nova retração.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARANHA, M. L. de A.; MARTINS, H. P. Filosofando: Introdução à Filosofia. 6ª ed. São
Paulo: Moderna, 2016.
BRASIL. Ministério de Educação e Cultura. Ciências humanas e suas tecnologias. In:
Orientações Curriculares para o Ensino Médio. Brasília: Ministério da Educação; Secretaria
de Educação Básica, 2006.
______________________________________. LDB - Lei nº 9394/96, de 20 de dezembro de
1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996. Disponível
em: Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Biblioteca do Senado. Acesso em: 11
Jun. 2019.
______________________________________. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino
Médio: Bases Legais. Brasília: MEC, 1999.
______________________________________. Resolução CEB n° 3 de 1998. Institui as
Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Brasília: MEC, 1998. Disponível em:
Resolução CEB n° 3 de 1998. Acesso em: 11 Jun. 2019.
KOHAN, W. O. (Org.). Políticas do ensino de filosofia. Rio de Janeiro: DP6A, 2014.