Abstract
TUCÍDIDES: GUERRA DO PELOPONESO E A BUSCA DA OBJETIVIDADE1
TUCÍDIDES: PELOPONNESE WAR AND THE SEARCH OF OBJECTIVITY
Emanuel Isaque Cordeiro da Silva2
IFPE - Belo Jardim
1 CONTEXTO HISTÓRICO: GUERRA DE PELOPONESO
Os gregos liderados por Atenas e Esparta venceram os persas na batalha naval, em
Salamina (480 a.C.), e terrestre, em Plateia (479 a.C.), expulsando-os definitivamente da sua
terra. Nos anos seguintes, Atenas consolidou seu poder sobre outras cidades, especialmente
nas ilhas do Mar Jônico, formando a Confederação de Delos. Ressentindo-se com a ascensão
da rival, Esparta começou a bloquear o desenvolvimento do império ateniense. Temístocles,3
que assumiu papel preponderante nas guerras persas, começou a alertar a seus compatriotas
das intenções da grande cidade do Peloponeso. Não obstante, foi derrubada por uma oligarquia, sendo exilado em seguida. Surgiu, então, uma nova liderança do partido
democrático, Péricles, que, em 441 a.C., assumiu o governo de Atenas. 4
TUCÍDIDES nasceu, por volta de 465 a 460 a.C., em data incerta, em Halinute, 5
próximo de Atenas, descendente de rica família ateniense, sendo filho de Oberós. Sofreu
muito com a grave epidemia de 430 a 427 a.C., na qual faleceu Péricles, mas a ela
sobreviveu. Em 424 a.C., era comandante naval das tropas ateniense na Trácia, estacionada
na ilha de Samos, mas não conseguiu impedir que o comandante espartano Brasidas ocupasse
Anfípolis, cidade de grande importância para o fornecimento de trigo para Atenas, razão pela 6
qual foi exilado no mesmo ano.7
Depois de vinte anos, com o fim da guerra de Peloponeso, pôde retornar do
ostracismo, falecendo em 400 a.C., sem ter terminado a sua obra História da Guerra do
Peloponeso. Foi educado e influenciado pelas personalidades mais ilustres de Atenas, como
Péricles e pelos sofistas, tendo ainda convivido com Eurípedes. Existia narração de encontro
seu, ainda adolescente, com HERÔDOTOS, historiador da guerra com os persas e já 8
conhecido em sua época. Este lia trechos de sua História, por ocasião de concurso literário, durante a realização de Jogos Olímpicos, tendo TUCÍDIDES chegado às lágrimas, ao ouvir
as narrativas, demonstrando seu pendor para a história.9
O autor escolheu como tema de sua obra a Guerra do Peloponeso, por ele considerada
a mais importante até então, como expunha no início de sua obra:
“1. O ateniense Tucídides escreveu a história da guerra entre os
peloponesos e os atenienses, começando desde os primeiros sinais, na
expectativa de que ela seria grande e mais importante que todas as
anteriores, pois viu que ambas as partes estavam preparadas em todos os
sentidos; além disto, observava os demais helenos aderindo a um lado ou ao
outro, uns imediatamente, os restantes pensando em fazê-lo. Com efeito,
tratava-se do maior movimento jamais realizado pelos helenos,
estendendo-se também a alguns povos bárbaros, bem dizer à maior parte da
humanidade”.
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As relações entre Atenas e Esparta continuaram tensas, principalmente depois que
aquela, ignorando essa, levantou uma nova e extensa muralha em sua volta, com a desculpa
de precisar de defesa contra os persas. A Confederação de Delos, ao longo dos anos, serviu
apenas para fortalecer seu poder marítimo e embelezar a cidade, que tinha sido destruída
pelos persas. As cidades-estados que integravam a Confederação como aliadas passaram logo
à condição de súditas, perdendo a liberdade.
O estopim para a guerra foi a ajuda que os atenienses deram a Córcira, contra sua
metrópole, Corinto, aliada dos espartanos, em 431 a.C. No começo, com a força de Atenas,
na frota marítima, e de sua rival, com suas falanges, houve apenas incursões periódicas.
Contudo, a grande peste de 429 a.C., que levou Péricles, bem como as desastrosas campanhas
contra Siracura, na Sicília, em 415 a.C., cidade dória, que fornecia trigo para Esparta,
enfraqueceu os atenienses. Logo seus aliados começaram a se revoltar e os espartanos
levaram a guerra para a Ática, fazendo com que Atenas capitulasse em 404 a.C., sendo
destruída suas muralhas e sua frota naval. O esforço de guerra foi tão grande que todo o
mundo grego se enfraqueceu, permitindo que a Macedônia dominasse toda a Grécia, em 338
a.C. A única obra de TUCÍDIDES foi marcada pela objetividade e busca da verdade,
evitando as fábulas e as lendas. A História da Guerra do Peloponeso compunha-se de cinco
partes: a primeira, o Livro I, tratava da importância dessa guerra e do método histórico do
autor; a segunda, os Livros II, III, IV e parte do V, versava sobre a chamada Guerra dos Dez
Anos; a terceira, fim do Livro V, descrevia a paz precária; a quarta, Livros VI e VII, cobria a
guerra na Sicília; e a quinta, Livro VIII, tratava da chamada Guerra de Decêleia e da operação
na Ásia Menor. Faleceu antes de terminar sua obra, deixando-a inacabada, em 400 a.C.
Não podia deixar de haver comparações entre as obras de TUCÍDIDES e
HERÔDOTOS, pois enquanto este escreveu sobre amplo tema envolvendo várias regiões,
povos e época, aquele restringiu seu assunto à Guerra de Peloponeso. O método de 11
TUCÍDIDES foi mais neutro e racional, sendo considerado mais objetivo do que o do outro,
pois escrevia apenas com base no conhecimento pessoal ou em informações cuidadosamente
verificadas. A exatidão e a objetividade levaram-no a ser considerado um dos maiores
historiadores da Antiguidade e, até hoje, admirado pela precisão e pesquisa empreendida.
2 TUCÍDIDES E O MÉTODO: A BUSCA DA OBJETIVIDADE
A obra de TUCÍDIDES tem fundamentação teórica no racionalismo de Anaxágora e
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na visão crítica dos sofistas. Estava voltado para o rigor de exatidão, tanto nos fatos históricos, como na apreciação dos homens e nas descrições do espaço geográfico. Existia em
sua obra um método, voltado para a aferição da verdade e a imparcialidade de julgamento,
excluindo os mitos e as lendas.
O autor procurou, inicialmente, separar seu método do utilizado por HERÔDOTOS
ao denunciar que “20 [...] Os homens, na verdade, aceitam uns dos outros relatos de segunda
mão dos eventos passados, negligenciando pô-los à prova ainda que tais eventos se
relacionem com sua própria terra. [...] A tal ponto chegou a aversão de certos homens pela
pesquisa meticulosa da verdade e tão grande é a predisposição para valer-se apenas do que
está ao alcance da mão”.14
TUCÍDIDES procurou elaborar sua análise das ações históricas, como a
movimentação de tropas e os combates, as matérias relativas à opinião pública, as discussões
dos dirigentes sobre a estratégia adequada ou o confronto entre as delegações diplomáticas.
Procurou, então, explicar a complexidade da situação política e a dificuldade de se escolher a
opção adequada. Para ele, o conflito era permanente entre as soluções adequadas aos
problemas apresentados, com base na influência sofista. O método utilizado significava
exprimir a complexidade da situação e a dificuldade de escolha, dentro de um mesmo
contexto. A discussão contraditória entre os oponentes representava as opções extremadas das
soluções de problemas.15
Para Jackeline de Romilly, o método utilizado foi o da antiloquia, que consistia em
opor discursos. Essa autora indicava que a metodologia de TUCÍDIDES estava perfeitamente
exemplificada, nos dois discursos pronunciados em Camerina, por Heróncrates e pelo
ateniense Eufemos, no Livro VI (§§ 75 a 87). Usava a prática jurídica, pois entre os gregos
havia o hábito de sempre se ouvir duas teorias adversas, apresentadas como o maior vigor
possível, de modo que da relação entre os dois discursos pudesse sair a verdade.16 Coube a TUCÍDIDES, ainda, a paternidade da investigação do passado, em um
trabalho quase de arqueologia, ainda que ele não se tivesse preocupado em fazer escavações.
Não obstante, trouxe para a história novas provas e informações. O autor afirmava, então,
que:
“22. [...] O empenho em apurar os fatos se constitui numa tarefa
laboriosa, pois as testemunhas oculares de vários eventos nem sempre
faziam os mesmos relatos a respeito das mesmas coisas, mas variavam de
acordo com suas simpatias por um lado ou pelo outro, ou de acordo com sua
memória. Pode acontecer que a ausência do fabuloso em minha narrativa
pareça menos agradável ao ouvido, mas quem quer que deseje ter uma ideia
clara tanto dos eventos ocorridos quanto daqueles que algum dia voltarão a
ocorrer em circunstâncias idênticas ou semelhante em consequência de seu
conteúdo humano, julgará minha história útil e isto me bastará. Na verdade,
ela foi feita para ser patrimônio sempre útil, e não uma composição a ser
ouvida no momento da competição por algum prêmio”.
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A obra de TUCÍDIDES tinha seus problemas, pois às vezes era lenta e cansativa, sem
a graça e a criatividade de HERÔDOTOS, mas a objetividade obtida representava um marco
na análise histórica e política da humanidade. Precedera em dois mil anos a própria criação da
ciência, podendo dizer que sua pesquisa tinha rigor científico e busca da verdade. Por outro
lado, várias de suas antilogias foram criadas pelo autor, a partir de informações orais, com o
uso da contradição, mas sem chegar exatamente a uma síntese, apenas informando as
posições contrárias, sem qualquer opção pessoal.
Notas:
1
In. COSTA, N. N. Ciência Política. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 68-74.
2 Tecnólogo em agropecuária pelo Instituto Federal de Pernambuco campus Belo Jardim. Normalista pela Escola Frei
Cassiano Comacchio. Pesquisador assíduo de assuntos com cunho filosófico, com ênfase em política.
3 “Temístocles, general e político ateniense (Atenas, c. 525 – Magnésia do Menandro, c. 460 a.C.). Chefe do partido
democrático, havia aconselhado osateniensesa voltarem todasas suasatividades paraaexpansão marítima, encontrado
neste ponto a oposição de Aristides, chefe do partido aristocrático. Tendo obtido a condenação deste ao ostracismo,
Temístocles fez construir o porto de Pireu e equipou excelente frota. Ao ser invadidaa Grécia por Xerxes, obrigou os
persas a aceitar um combate naval, antes que o exército grego se retirasse para o Peloponeso, daí resultando a vitória de
Salamina (480). Apesar da oposição de Esparta, rival de Atenas, Temístocles fez reconstruir as muralhas de Atenas,
fortificou a parte de Pireu e de Muníquia. Contado, em decorrência das intrigas de Esparta, foiacusado de peculato e
condenado ao ostracismo (471)” (KOOGAN/HOUAISS. Enciclopédia e Dicionário Ilustrado, op. cit., p. 1558).
4 Vide nota 7 do capítulo II, Herôdotos.
5 “Tucídides em gr. Thoukidídes, historiador grego (Atenas c. 465 – 395 a.C.). Eleito estratego em 424 a.C., foi
encarregado da defesa do litoral da Trácia durante a Guerra do Peloponeso. Derrotado, viu-se forçado a partir para o
exílio e só regressou à sua pátria por volta de 404 a.C. No exílio começou aescrever (431 a.C.) suas Histórias da Guerra
do Peloponeso, que não chegou a terminar e que é uma profundareflexão políticasobrea natureza do poder indo em
busca das causas profundas dosacontecimentos. O desenvolvimento do conflito éaí narrado em estilo simples e direto,
por vezes entremeados de trechos de grande força emotiva, como o discurso de Péricles sobre atenienses mortos na
guerra. Além de ter sido o compilador de um relato concreto dos acontecimentos. Túcides é considerado o primeiro
historiador a adotar uma postura críticaem relação aeles” (Grande Enciclopédia Larousse Cultural, op. cit., vol. 23,
p. 5734).
6 “104. [...] E mandaram um mensageiro ao outro comandante para o território fronteiro à Trácia; ele era Tucídides
filho de Oloros, o autor desta História, na época estacionado em Tasos, ilha situada a aproximadamente meio-dia de
viagem por mar de Anfípolis e colônia de Paros, e lhe pediam para socorrê-los. Recebendo a mensagem, ele partiu
imediatamente com sete naus que se encontravam lá, pois queriam chegar o mais depressa possível, principalmente para
socorrer Anfípolis antes dela render-se, ou, se isto não fosse possível para ocupar Êion. 105. Nesse ínterim Brasidas,
temendo a vinda dos de Tasos, e tendo ouvido dizer que Tucídides, um detentor dos direitos de exploração das minas
de ouro naquela parte da Trácia, exercendo por isso grande influência sobre os homens mais importantes do
continente, apressou-se em capturar a cidade” (TUCÍDIDES. A Guerra do Peloponeso. 3ª ed. Brasília: Universidade
de Brasília, 1987, pp. 228-9).
7 “26. [...] Vivi a guerra inteira, tendo umaidade que me permitiaformar meu próprio juízo, e segui-aatentamente, de
modo a obter informações precisas. Atingiu-me também uma condenação ao exílio que me manteve longe de minha
terra por vinte anos após meu período de comando em Anfípolis e, diante de minhafamiliaridade com asatividades de
ambos os lados, especialmente aquelas do Peloponeso em consequência de meu banimento, graças ao meu ócio pude
acompanhar melhor o curso dos acontecimentos” (TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso, op. cit., p. 255).
8 Vide nota 12 do capítulo II, Herôdotos.
9 KURY, Mário Gama (Introdução. In: TUCÍDIDES. História da Guerra do Peloponeso, op. cit., p. 13) cita com
referência dos fatos a obra de Marcelino, que escreveu a Vida de Tucídides, na época do imperador bizantino
Justiniano.
10 TUCÍDIDES. A Guerra do Peloponeso, op. cit., p. 19.
11 “Tucídides começou do ponto em que Herôdotos deixou a narração – o termo de Guerra Persa. [...] Herôdotos
escrevia com o fito de entreter o leitor culto; Tucídides escreve visando fornecer informaçõesaos futuros historiadores
e orientar com a experiência do passado aos futuros estadistas. Herôdotos narra em estilo solto e fluente, inspirado
talvez pelo modo dos poemas de Homero; Tucídides, como alguém que tinha ouvido filósofos, oradores e
dramaturgos, escreve em estilo frequentemente complicado e obscuro. [...] Herôdotos abrangia os mais remotos
lugares, e as mais variadas épocas; Tucídides força a sua história numa severa moldura cronológica de estações e anos
sacrificando a continuidade da narrativa. Herôdotos escrevia mais à luz das personalidades do que dos processos,
sentindo que estes se operam através daqueles; Tucídides, [...] inclina-se mais para o relato impessoal e para a
consideração das causas, desenvolvimentos e resultado. Herôdotos descrevia acontecimentos remotos, a ele narrados,
na maioria das vezes, de segunda e terceira mão; Tucídides com frequênciase exprime baseado na própriatestemunha,
no de quem informa ou em documentos originais, em vários trechos reproduz os documentos citados” (DURANT,
Will. A História da Civilização. nossa herança clássica, op. cit., vol. II, p. 341).
12 Vide nota 8 do capítulo II, Herôdotos.
13 “Os primeiros desses novos humanistas, os Sofistas, salientaram-se no tempo da grande eclosão do individualismo
que se referem às Guerras Persas e da difusão da democracia por todo o mundo grego e os sofistas consideravam perda
de tempo a busca de uma vaga e fugitiva verdade a respeito do universo. Achavam muito melhor estudar o problema,
bem mais prático, do homem e da sociedade. Como mestres, sua finalidade ideal era preparar jovens para assumirem
sua responsabilidade de cidadão” (SAVELLE, Max (coord.), História da Civilização Mundial: as primeiras
culturas humanas, op. cit., vol. I, p. 203).
14 TUCÍDIDES. História de Guerra do Peloponeso, op. cit., p. 27.
15 CHÂTELLET, François. Tucídides: a guerra do peloponeso. In: CHÂTELLET, François, DUHAMEL, Olivier, e
PISIER, Evelyne. Dicionário de Obras Políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1993, p. 1.221.
16 “Os Gregos sempre viram no princípio daantilogiaa própria condição dasabedoriae da compreensão. A antilogiaé
a deliberação” (ROMILLY, Jackeline de. História e Razão em Tucídides. Brasília: Universidade de Brasília, 1998, p.
143).
17 TUCÍDIDES. História da Guerra de Peloponeso, Livro Primeiro, op. cit., p. 28.