In Jaimir Conte, Marília Côrtes de Ferraz & Flávio Zimmermann (eds.),
Ensaios sobre a filosofia de Hume. Florianópolis, SC, Brasil: NEL - Núcleo de Epistemologia e Lógica. pp. 311-329 (
2016)
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Abstract
No Tratado da Natureza Humana David Hume (2009, p. 285-6 / T 1.4.6 (§5)) prescreve que “devemos distinguir a identidade pessoal enquanto diz respeito a nosso pensamento e imaginação, e enquanto diz respeito a nossas paixões ou ao interesse que temos por nós mesmos”. Enquanto o primeiro escopo é por ele abordado em seção específica no Livro I da obra em questão e pode ser sintetizado através da tese de que a atribuição de identidade sincrônica e diacrônica ao eu é imprópria e que o eu não passa de uma coleção ou feixe de percepções, a segunda delimitação é desenvolvida ao longo de todo o Livro II do Tratado, em meio a sua argumentação acerca das emoções, ou paixões, humanas. Uma vez tendo negado ser possível dispor de uma ideia de eu simples em um instante e contínua no transcorrer do tempo, devido à inexistência de qualquer impressão simples e duradoura para sustentá-la, é intrigante que, ao tratar das paixões indiretas, o autor reintroduza a noção de eu, desta vez como objeto do orgulho. Ademais, Hume (2009, p. 285 / T 1.4.6 (§4)) alega haver uma “propensão natural a imaginar essa simplicidade e identidade” do eu. Em que medida essa propensão deve-se não apenas à semelhança, à causalidade e à memória, como defendido no Livro I, mas também às emoções? Questiona-se ainda se há, como defende Rorty (2006), diferentes ideias de eu, uma pressuposta pelo orgulho e outra por este produzida, ou se Hume desenvolve diferentes aspectos de uma única ideia de eu em todo o Tratado, de modo que o eu como feixe de percepções é o mesmo implicado pela simpatia e produzido, enquanto objeto, pelo orgulho e pela humildade, como argumenta Carlson (2010). A fim de lançar luz sobre tais problemas e de compreender como o Livro II complementa os escritos humeanos acerca do eu no Livro I, o presente trabalho está organizado em dois momentos. Primeiramente será apresentado o viés humeano acerca do problema da identidade pessoal a partir da seção 6 da parte 4 do primeiro livro do Tratado, seguido pela apreciação das diferentes interpretações da noção de eu desenvolvida no Livro II.