Abstract
O uso dos nomes próprios sem nenhum outro indexador externo aos seus portadores expressa uma escolha narrativa em Úrsula (1859), romance de Maria Firmina dos Reis (1822-1917). Esse uso permite introduzir uma concepção de maternidade como condição para historicidade em contexto patriarcal e escravocrata. A autora não assina a novela, senão sob a descrição indefinida de “uma maranhense”, e, como pretendo demonstrar, essa indefinição é consistente com a vindicação da universalidade na narrativa, em que a autoria de uma história não deve influenciar o sentido da denúncia da escravidão e do patriarcado. O uso dos nomes como descrições, em contraste, desempenha a função normativa de condenar a escravidão e o patriarcado e de condicionar uma historicidade. Primeiro, farei uma breve consideração histórica e biográfica, buscando contextualizar Úrsula, tanto na história do Brasil como na história da literatura do Brasil, com o intuito de situar a natureza abolicionista do texto. Em seguida, tratarei da relação de coextensão entre natureza e liberdade na
determinação desse abolicionismo. Depois, chamarei a atenção para o sentido da escolha narrativa pelo uso dos nomes como descrições definidas. Por fim, apresentarei como esse uso permite à autora introduzir uma noção de historicidade, a partir do atrelamento do abolicionismo à função materna. Este último passo é o que constitui o ineditismo e a potência feminista do texto de Firmina, sob o manto da prosa romântica de folhetim.