Abstract
Qualquer museu destinado a apresentar “outras” culturas se constitui como uma exceção em relação à função usual de um museu: a ambição de retratar um mundo em miniatura requer uma expografia muito específica, na qual a alteridade tensiona com a continuidade, que os museus em geral presumem, entre os visitantes e os objetos que vieram ver. A ambição de constituir um microcosmo, portanto, levanta um problema de legitimidade: quem, entre “nós”, tem legitimidade para assumir a responsabilidade paradoxal de colocar em cena o “Outro”? Mais do que uma simples abordagem sobre a história dos museus, mais do que uma viagem pelos problemas colocados pela Antropologia, o livro de Benoît de l’Estoile (2007) permite encarar de frente tal dificuldade, comum a todas as instituições francesas que se sucederam após a exposição colonial de 1931 (mas não somente). Entregando-se aos prazeres da intertextualidade cinematográfica, para além de ser uma forma de apresentar a questão fundamental da legitimidade (bom gosto contra mau gosto), o título da obra coloca o “gosto” em questão: “por ‘gosto alheio’, entendo as diversas formas de apropriação ‘das coisas dos Outros’, entendidas em um sentido amplo como manifestações da alteridade cultural” (L’Estoile 2007: 20). O gosto, portanto, remete aos modos de apropriação em todos os processos de apropriação, cuja legitimidade se apresenta, imediatamente, de maneira problemática. É sob este ângulo, considerando o problema da legitimidade como uma tensão que atravessa todo o texto, que abordaremos uma obra que demonstra como a alteridade foi construída ao longo de um século, segundo modos diferenciados, colocando em evidência a mais fundamental das questões: “O que significa a distinção entre nós e os outros no mundo em que vivemos?”.