Abstract
HERÔDOTOS iniciou o estudo histórico, pois antes dele só havia logógrafos, ou seja,
escritores gregos em prosa, que se limitavam a transcrever dados e a repetir os mitos e as
lendas locais. A história, com esse autor, passou a ter um significado de pesquisa e estudo,
contrapondo-se ao momento anterior, sem compromisso com a veracidade e a investigação.
A vida pessoal do autor, fazendo inúmeras e interessantes viagens, permitiu-lhe escrever
com um caráter novo, baseado no conhecimento efetivo. Houve, porém, muito em sua obra História de generalidades, de lendas e do impossível.3 Não obstante, existia cuidado em
relação às suas descrições, separando as informações transcritas das que ele vira, bem como
do que ele apenas ouvira de testemunhas oculares e dos simples relatos. A forma atual da
obra, dividida em nove livros, por sua vez subdivididos em capítulos, veio desde a época
helenística, sendo esta divisão bastante aleatória e desorganizada.
Depois da morte de Cambises (séc. VI a.C.), segundo rei persa, os sete nobres tomaram o
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poder dos magos e passaram a discutir que melhor forma de governo deveria haver na Pérsia.
Esta discussão, narrada por HERÔDOTOS, em História, foi o início da tipologia de formas
de governo. O fato descrito era imaginário, tendo sido o autor o primeiro a formular esse tipo
de discussão, antes das grandes sistematizações platônicas e aristotélicas. O pensamento de
HERÔDOTOS foi expresso por meio de três interlocutores. O primeiro era Otanes, que
defendia a democracia e criticava as outras formas. Depois, vinha Megábizos, que propunha a
oligarquia e destratava as outras soluções e, por fim, Dario que defeque defendia a
monarquia.5
Em relação à democracia, encontrava-se dito que:
80. Otanes, apoiou a entrega do governo para o povo persa,
pois, para ele o governo não deveria caber a um único homem,
isto é, um único homem não deverei se encarregar de governar
algo que é de todos, uma vez que suas decisões não poderiam
agradar a massa, nem mesmo serem boas para todos. Ele ainda
explicita a insolência e a extremidade das decisões de
Cambises, bem como a do mago no governo persa. Para ele,
não haveria um equilíbrio no governo do homem único, uma
vez que no poder esse homem pode fazer apenas o que lhe
apraz, sem prestar conta de seus atos. Otanes ainda afirma que,
quando um homem recebe toda e máxima autoridade, poderá
ser o mais virtuoso entre os homens, porém esse poder o levará
a abandonar seu modo normal de pensar. Com essa autoridade,
o desejo de gozar dos bens gera a insolência, e a natureza fez os
homens invejosos desde os primórdios. Essas duas causas
citadas, geram a gênese de toda a maldade humana; pois, o
orgulho e a inveja os fará cometer desvairados crimes. Um
tirano, segundo ele, tendo tudo em suas mãos, deveria
desconhecer a inveja, todavia, a sua natureza faz com que suas
decisões sejam em desfavor para com os seus concidadãos: esse
tirano, tem inveja da condição de vida dos homens de bem, e se
compraz com os piores de todos os homens, e ninguém melhor
que ele poderá acolher todas as calúnias. Segundo ele, ainda,
esse tirano é o mais inconsequente de todos os homens; se
alguém, por um acaso, se mostra comedido em seus louvores,
ele fica transtornado por não ser adulado de forma servil, em
contrapartida, se é adulado servilmente fica transtornado por
estar lidando com um adulador. Depois de tudo isso, Otanes
ainda explicita os maiores de seus defeitos que é a subversão
dos costumes ancestrais, a violência contra as mulheres e a
condenação de pessoas a morte sem antes julgá-las, apenas para
o seu bel-prazer. Em dissídio a tudo isso, o governo do povo
traz consigo a igualdade perante a lei, e ainda, que nenhuma
das injustiças cometidas por um governante único é cometida
nele. Além disso, todas as funções governamentais são
atribuídas através de sorteio, e os detentores responderão pelos
seus atos no exercício das mesmas, e que todas as decisões são
submetidas ao martelo da assembleia popular. Otanes termina
sua fala fortalecendo a ideia de fim do governo de um homem
só e o elevamento do povo no poder, pois tudo está na maioria.6
Já por conta da aristocracia, também chamada de oligarquia, constava que:
81. Após Otanes opinar, foi a vez de Megábizos, que propôs a
instituição de uma oligarquia. Em sua fala, defendeu a
necessidade de extinção do governo de um único homem tal
qual apresentou Otanes anteriormente, todavia, discordou do
mesmo quando vos exorta a entrega do poder na mão do povo,
afastando-se da melhor opinião. Segundo Megábizos, nada o
era mais insensato e insolente quanto uma multidão indolente.
Para ele, salvar-se da insolência de um tirano era essencial e
viável, mas a trocar pela insolência de uma multidão era algo
inviável e completamente inadmissível. O tirano faz tudo
sabendo o que faz, ao passo que o povo nem isso sabe; e não
saberia de nenhuma forma sem antes aprendera com outros,
nem sabe ver as coisas por si mesmo, não distinguindo aquilo
que é melhor para ele, não se tem perspectiva sobre algo,
lançando-se de cabeça baixa aos assuntos do governo e demais
outros, avançando cegamente, como um rio na enchente? Para
ele, tal forma de poder deveria ser pensado para aqueles que
querem o mal dos persas, e deveria ser escolhido um grupo dos
melhores e mais virtuosos homens entregando-lhes o poder, e
ainda afirma que eles mesmos poderiam fazer parte desse
grupo. Termina dizendo que é algo natural esperar dos
melhores homens as melhores decisões.7
Por fim, encontrava-se formulada a concepção de monarquia, do seguinte modo:
82. Após as opiniões dos regimes democrático e oligárquico,
em terceiro e último lugar foi emitida a voz de Dario que
explanou a monarquia como melhor forma de governo para a
Pérsia. Segundo ele, as palavras proclamadas anteriormente por
Megábizos a respeito do regime popular foram bem ditas,
porém deficientes quanto ao alicerce da explicação da
oligarquia. Ainda exalta que, teoricamente, os três regimes
apresentados eram completos e o melhor possível; o regime
popular era excelente, bem como a oligarquia e o governo de
um único homem; mas para ele o governo de um único homem
era de longe o melhor. Nada parece mais preferível no governo
de um único homem, se este é o melhor entre todos; sendo sua
circunspecção semelhante a si mesmo, ele governará
irrepreensivelmente o povo, e ninguém melhor para guardar os
planos para derrotar os inimigos do que esse homem. Ao passo
que numa oligarquia o fato de várias pessoas desejarem pôr o
seus respectivos talentos em função do bem público gera constantes e profundas divergências entre os mesmos; como
cada um desses indivíduos quer fazer valer a sua palavra ante
aos demais, o resultado disso é a inimizade exacerbada, e a
inimizade gera consigo dissensões e que as dissensões geram
consigo derramamento de sangue, e desse derramamento de
sangue é gerado o governo de um único homem; logo, isso
provoca que o regime de um homem único no poder é o melhor
para todos. Por outro lado, entregando o governo e o poder ao
povo é impossível evitar a eclosão da incompetência, e para ele,
quando há incompetência na esfera pública, os homens maus
são levados à divisão pela inimizade, esses homens divididos,
posteriormente se unem numa amizade solidária, para num
futuro prejudicar a sociedade, pois as pessoas capazes de
prejudicar a comunidade entram em conluio para prejudicá-la
juntas. Essa situação se alastra até o aparecimento de alguém
como sustentáculo do povo para pôr fim de uma vez por todas
às incompetência; então, esse herói do povo conquista a
admiração de todos, e essa admiração emerge como um
governante único; aqui se evidencia também a superioridade e a
essência do governo de um único homem, sendo este o melhor.
No auge de sua fala, Dario conclui alicerçando a ideia do poder
de um único homem explorando, agora a ideia de libertação do
povo. Em sua fala ele pergunta de onde nos veio a nossa
liberdade e a quem devemos? Do governo popular, da
oligarquia ou do governo de um único homem? E sustenta
ainda a ideia de que, libertos graças a um único homem, devem
preservar o governo de um único; além disso, não deveriam
abolir as instituições deixadas pelos antepassados, uma vez que
elas funcionam bem; isso não seria melhor.8
O estilo utilizado foi o de que cada personagem defendia uma das formas de governo e
atacara as outras duas, de modo que a cada elogio à monarquia, aristocracia ou democracia,
existiam duas críticas. O resultado da contenda foi que, depois de ouvidas as três opiniões, 9
cinco dos sete conjurados opinaram pela monarquia, que foi a forma de governo escolhida.
Deve-se observar que Dario, além de indicar a forma de governo vencedora, ainda foi escolhido como o novo monarca, mediante a utilização de um ardil que preparou e que lhe
possibilitou ser o grande rei persa. Não obstante, depois de várias vitórias, foi derrotado 10
pelos gregos, na batalha de Maratona, em 490 a.C., guerra esta que se constituiu no
verdadeiro objeto da História.
HERÔDOTOS foi autor marcante, que deu veracidade à história, ainda que também
houvesse muito de lenda em sua obra. Além de ter base filosófica sofista, o texto do autor
iniciou a discussão fundamental sobre as formas de governo, que acabou dominando a teoria
política posterior. Ainda que seu pensamento tivesse as devidas características dos
pensamentos platônico e aristotélico, demonstrou o cuidado na pesquisa e no estilo literário
fluído e agradável.